
O transporte público segue sendo uma das alternativas mais utilizadas para a maioria dos moradores da Grande Vitória. Dados da Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb ES) revelam que o sistema Transcol, que integra os cinco municípios da Região Metropolitana, realiza mais de 20 mil viagens diárias e transporta cerca de 600 mil pessoas todos os dias.
A realidade de quem usa o sistema é marcada por baldeações, superlotação e longos deslocamentos.
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Transporte público: poucas linhas em bairros
Usuários relatam que precisam se organizar para sair mais de duas horas antes dos horários dos compromissos para não se atrasarem. Poucas linhas em bairros, atrasos e falta de conforto, estão entre as principais reclamações.
A assistente administrativo Rayenne Fagundes sai de casa ainda de madrugada, em Cariacica, para chegar ao trabalho, em Vila Velha.
Seu trajeto exige três baldeações pela manhã, passando pelos terminais de Itacibá, Jardim América e São Torquato, e outras três à noite, no caminho de volta, passando pelos mesmos terminais.
“Eu prefiro sair mais cedo para conseguir um ônibus com ar-condicionado e ir sentada. Costumo dormir até o primeiro terminal. O que mais cansa é o tempo e as trocas. Se tivesse mais conforto na baldeação e mais disponibilidade de veículos ou novas linhas, melhoraria muito”, conta Rayenne, que apesar das dificuldades reconhece o custo-benefício do sistema.
“Acaba sendo a minha opção no momento. Até porque, entre gastar mais de R$ 300 de gasolina por mês ou gastos ainda maiores com carros de aplicativo, não tem nem comparação”, diz.
Carro como plano B

Lucas De Paula, servidor público e morador do bairro Gaivotas, em Vila Velha, tem carro, mas opta por ir de ônibus ao trabalho quase todos os dias. A economia com gasolina, manutenção e estacionamento pesa na escolha. O carro, para ele, é reservado para dias de chuva forte ou quando está muito atrasado.
A decisão de Lucas reflete a realidade de alguns capixabas que, mesmo com alternativas, conseguem visualizar no Transcol a opção mais prática e viável, apesar de enfrentar “perrengues” como atrasos, falta de conforto e outros.
Além da economia pessoal, vale ressaltar que o uso do transporte coletivo contribui para a redução de congestionamentos e de emissões de poluentes.
Veja os dados:

Contudo, ter alternativas, como no caso de Lucas e Rayenne, não é a vivência de todos os moradores da Região Metropolitana. Muitos se veem obrigados a depender exclusivamente do transporte público como única opção.
Desafio diário
Outra usuária que enfrenta dificuldades diárias é a vendedora Luciane Anízio, que utiliza o sistema Transcol para se deslocar entre os terminais da Grande Vitória. Para evitar os ônibus lotados, por exemplo, ela precisou mudar a rotina.
Ela relata que, principalmente nos horários de pico, a espera pelos ônibus pode ser longa e o embarque difícil.
“A gente fica bem à mercê. Sempre está bem cheio mesmo, às vezes acontece de formar uma segunda fila para embarcar. Muitas vezes, realizo o trajeto de horas em pé”, desabafa Luciane.

Para ela, existe uma dificuldade ainda maior: o bairro onde mora é atendido apenas por uma linha de ônibus.
“Em um bairro onde nós temos três condomínios, no qual cada condomínio tem três etapas, loteamento, fábricas que temos lá dentro… Como assim não tem demanda para a criação de mais linhas?”, questiona.
A fala de Marlene reforça que, embora o sistema tenha grande importância no deslocamento dos passageiros pela Grande Vitória, existem muitas carências que impactam diretamente a qualidade de vida dos usuários – especialmente os mais vulneráveis, como idosos.
Quem usa e quem opera…
O sistema conta com cerca de 400 linhas em operação. De acordo com a Ceturb ES, no último mês, começaram a operar mais três novas linhas. Não se trata de uma questão de fácil resolução, tendo em vista que o problema também esbarra na dinâmica de expansão das cidades.

A reportagem conversou com o secretário de Estado de Mobilidade e Infraestrutura, Fábio Ney Damasceno. Ele explica que a criação de novos bairros, prédios e condomínios não conta com um estudo de viabilidade entre o sistema e as prefeituras, o que acaba gerando gargalos.
“Só depois de tudo pronto, com as pessoas morando, é que se preocupam com o transporte público. O grande segredo do transporte público é a parceria com as prefeituras. Onde elas podem ajudar? Tirando o ônibus do trânsito com faixas exclusivas. É prioritário. Não cabe em nenhuma cidade ou capital do Brasil não ter faixa exclusiva para ônibus”, afirma o secretário.
O arquiteto, urbanista e especialista em mobilidade Greg Repsold afirma que o sistema, principalmente nos horários de pico, não atende à alta demanda.
“Muito se fala de mais linhas, para as pessoas terem mais conforto, mas a gente precisa também dar mais opções de montagem de transporte para que a população possa optar por outras formas que não um ônibus”, diz.

Busca por tecnologia, modernização e acessibilidade
A idade média da frota do Transcol é de sete anos, e mais de 60% dos veículos contam com ar-condicionado, segundo a Ceturb.
O sistema opera com apoio do aplicativo ÔnibusGV, utilizado por mais de 1,2 milhão de pessoas, permitindo que os passageiros acompanhem os horários em tempo real e evitem atrasos.
“O sistema é essencial para a inclusão social, e temos avançado na melhoria da qualidade do serviço. Estamos modernizando terminais, reforçando a frota e otimizando linhas com base na demanda”, afirma Damasceno.
No dia a dia dos passageiros, esses avanços tecnológicos citados pelo secretário não impedem que a sobrecarga nas linhas e a superlotação sigam como reclamações frequentes entre os usuários.
Mais passageiros por coletivo e reajuste nas tarifas
Com o crescimento da demanda, o sistema enfrenta desafios operacionais. A média de embarques por ônibus aumentou em 2024, de acordo com dados operacionais divulgados pela Ceturb, o que resulta em coletivos mais cheios, especialmente nos horários de pico.
Para tentar equilibrar a operação, a Ceturb revela que faz reavaliações periódicas das linhas e da frequência dos veículos.
“O transporte público é dinâmico. A cada mês, reavaliamos as linhas, ampliamos horários e incluímos ônibus onde há maior necessidade. O foco é manter o sistema funcionando de forma eficiente, mesmo diante da crescente demanda”, destaca Damasceno.
Em 2025, a tarifa do Transcol foi reajustada em 4,26%. A passagem comum, de segunda a sábado, passou de R$ 4,70 para R$ 4,90. Já a tarifa promocional, aos domingos com cartão cidadão, subiu de R$ 4,10 para R$ 4,30.
O valor total pago às empresas de transporte é dividido: uma parte é subsidiada pelo governo e outra é paga diretamente pelos usuários.
No contrato de concessão do Transcol, está definido que os reajustes da tarifa são anuais e obedecem a uma fórmula de cálculo que leva em consideração custos, como mão de obra, combustível e veículos.
Segundo a Ceturb, a fórmula é constituída de um conjunto de índices de variações de preços dos principais insumos utilizados na produção e prestação dos serviços do Transcol, distribuídos da seguinte forma: 20% da variação do preço do litro de óleo diesel; 16% da variação dos veículos; 54% da variação dos salários de motoristas e cobradores; 10% da variação do IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), calculado e publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A soma das variações desse conjunto de índices de preços, ponderado pelo peso de cada tipo de insumo, resulta no índice de variação do valor da tarifa que é parcialmente paga pelos usuários e parcialmente paga por meio de subsídios do governo do Estado.
“Hoje nós não conseguimos subsidiar 100% do valor do transporte para a população, mas parte dele, cerca de 35% a 40% é subsidiado pelo governo para que tenhamos cada vez mais investimentos e melhorias para a população”, explica Damasceno.
Veja os valores:

Impacto social e econômico
Fábio Damasceno enxerga que além de ser uma solução de mobilidade, o Transcol também tem forte impacto social e econômico. Segundo ele, o sistema facilita o acesso de moradores de áreas periféricas a escolas, postos de saúde, centros comerciais e oportunidades de trabalho.
“O investimento em mobilidade tem efeito direto na vida das pessoas. Estamos construindo novos terminais, ampliando a rede de monitoramento e investindo em acessibilidade”, afirma o secretário.
Um dos destaques recentes que Damasceno faz é a chegada do novo terminal aquaviário da Rodoviária de Vitória, que integrará o transporte terrestre ao marítimo, oferecendo mais uma opção de deslocamento.
“Muito a melhorar”
Com mais de 2 milhões de habitantes na Região Metropolitana, o transporte público é vital para o funcionamento das cidades.
Embora existam críticas sobre conforto, superlotação e agilidade, os números e histórias dos usuários mostram que o sistema continua sendo o meio mais acessível para quem precisa se deslocar diariamente.
“Tem muita coisa para melhorar. Sabemos que está longe de ser perfeito, mas é o que faz sentido no meu dia a dia. O sistema me leva e me traz todos os dias. Só queria que fosse mais rápido e confortável”, conclui Rayenne.
Assista ao videocast com o secretário Fábio Ney Damasceno
*Texto de Breno Ribeiro, com informações do repórter Lucas Pisa, da TV Vitória/Record