Ataques imperialistas adiaram por quase 30 anos a independência do Vietnã

Aquela manhã, finalmente, tudo parecia ter acabado. O fogo que tinha incendiado o céu e queimado o ar. Os gritos abafados das crianças correndo em busca de refúgio. O cotidiano e ensurdecedor ruído metálico das explosões. A morte onipresente que, durante décadas, em todos os cantos do país, tinha acumulado milhões de corpos que nunca tiveram a chance de ser velados. 

O relógio ainda não tinha batido o meio-dia quando, naquele 30 de abril de 1975, o tanque T-54 – carregando as bandeiras da Frente de Libertação Nacional (mais conhecida como Viet Cong) – derrubou os portões do Palácio Presidencial em Saigon. Naquela manhã, com as forças lideradas pelo General da República Democrática do Vietnã Văn Tiến Dũng já nos arredores da cidade, tudo parecia ter chegado ao fim.

Rapidamente, as imagens das últimas autoridades estadunidenses e sul-vietnamitas deixando o local em helicópteros, desde os telhados da embaixada dos Estados Unidos, correram o mundo. As imagens da derrota impossível dos Estados Unidos comoveram o mundo.

Nesse dia 30 de abril de 1975, a queda de Saigon marcou não apenas o fim da Guerra do Vietnã, mas também o início da reunificação do país. A vitória impossível de um povo que, após mais de 30 anos de sangrentas Guerras de Libertação, conseguiu expulsar o colonialismo francês, rejeitar a ocupação japonesa e derrotar o exército – e a arrogância – dos Estados Unidos.

Naquele dia, após décadas de conflito no qual entre 2,5 e 4 milhões de vietnamitas perderam suas vidas, o país finalmente começou a construir o tão sonhado sonho de independência. 

“Nada é mais precioso que a independência e a liberdade”

A ocupação colonial do Vietnã remonta ao século 19, quando, durante o auge do imperialismo europeu, a França foi ocupando progressivamente seu território. Após décadas de anexações, em 1887, a França formou a chamada Indochina Francesa, unificando os protetorados de Tonquim (região norte do Vietnã), Annam (região central), Cochinchina (sul), Laos e Camboja.

Administrativamente, o território foi organizado como a União Indochina (1887–1954), sob um governo colonial francês com sede em Hanói. Os franceses estabeleceram plantações de borracha, arroz e café, administradas por empresas francesas como a Michelin – fabricante de pneus. Foi empregado trabalho forçado, especialmente de camponeses vietnamitas, que recebiam salários baixos e eram submetidos a condições extremas.

A “missão civilizatória” dos colonos franceses implicava que somente eles podiam viver nas melhores áreas, com moradias e serviços superiores, em um sistema de segregação racial com uma hierarquia claramente colonial. Enquanto isso, a população local era excluída do poder político real. A economia colonial baseava-se em um modelo agroexportador no sul e em uma estrutura de manufatura e mineração no norte.

Ao longo dessas décadas, surgiram diversas experiências de resistência ao imperialismo francês, que foram brutalmente reprimidas pelo governo colonial.

Um dos marcos mais importantes dessas resistências foi a fundação do Partido Comunista da Indochina (PCI) em 3 de fevereiro de 1930, em Hong Kong, sob a liderança de Ho Chi Minh (então conhecido como Nguyễn Ái Quốc), que unificou vários grupos revolucionários dispersos no Vietnã, Laos e Camboja.

Pouco depois de sua fundação, o PCI participou de uma série de levantes no Vietnã, como a Revolução de Yen Bai (1930). Além disso, o PCI desempenhou um papel fundamental na Revolta de Nghe-Tinh (1930-1931), na qual insurgentes, principalmente camponeses e operários, tomaram o controle de várias áreas nas províncias de Nghe An e Ha Tinh, estabelecendo conselhos de camponeses e operários (sovietes). A resposta colonial foi brutal: ocorreram bombardeios aéreos, execuções em massa e deportações. Milhares de pessoas morreram, incluindo líderes comunistas como Trân Phú, primeiro Secretário Geral do PCI, que foi executado em 1931.

“Se ganharmos, será graças ao povo. Se perdermos, será por nossa culpa”

Durante a Segunda Guerra Mundial, após a ocupação da França pelo exército nazista em junho de 1940, o Japão assumiu as colônias francesas no Indochina. No entanto, com a instauração do regime colaboracionista de Vichy na França, o Japão permitiu que a administração francesa continuasse em suas colônias no Indochina.

Nesse contexto, em 1941, o Partido Comunista da Indochina (PCI) criou a Liga pela Independência do Vietnã, conhecida como Viet Minh. O Viet Minh foi um movimento de resistência revolucionária que, sob a liderança de Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap, teve como objetivo resistir tanto à ocupação japonesa quanto à francesa. Para isso, organizaram guerrilhas nas áreas rurais e construíram uma base sólida de apoio popular entre a população.

Após anos de resistência contra a ocupação japonesa e o regime colonial francês enfraquecido, o Viet Minh mobilizou camponeses, intelectuais e setores urbanos em uma insurreição nacional.

Com a rendição do Japão em agosto de 1945, o Viet Minh liderou o que ficou conhecido como a Revolução de Agosto. Entre 14 e 25 de agosto de 1945, as milícias e o povo tomaram o controle de Hanói, Saigon e outras cidades chave. Em 2 de setembro de 1945, em um discurso no qual citou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, Ho Chi Minh proclamou a independência do Vietnã em Hanói.

Em seu discurso, diante de uma multidão reunida, Ho Chi Minh citou um trecho da declaração de independência de 1776: “Todos os homens são criados iguais. O Criador lhes concedeu certos direitos inalienáveis, entre eles a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”, proclamando assim a República Democrática do Vietnã.

A resposta da França, que se recusava a aceitar a nascente república, não demorou a chegar.

“O patriotismo não é uma palavra vazia. É uma ação concreta.”

Após meses de tensões e negociações fracassadas, em dezembro de 1946, os franceses atacaram o Viet Minh em Haiphong (norte do Vietnã), matando centenas de vietnamitas. Esse ataque deu início a uma guerra aberta, conhecida como a Primeira Guerra da Indochina (1946-1954).

As forças do Viet Minh iniciaram uma luta de guerrilha no norte do Vietnã e nas zonas rurais do sul, enquanto os franceses tentavam recuperar o controle das principais cidades e áreas estratégicas.

Em 1949, como parte de seus esforços para recuperar o controle do Vietnã, a França formou o Estado Livre do Vietnã do Sul (Vietnã do Sul), com capital em Saigon. Tratava-se de uma entidade política que, sob a soberania francesa, era administrada pelo governo de Bảo Đại, o último imperador da dinastia Nguyễn.

Nesse mesmo ano, com o triunfo da Revolução Chinesa, a guerra tomou um novo rumo. A ascensão dos comunistas ao poder na China facilitou o envio de armas ao Viet Minh a partir do território chinês.

Rapidamente, em 1950, o governo de Bảo Đại foi reconhecido pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. A partir desse ano, Washington, sob a presidência de Harry S. Truman, começou a contribuir com cerca de 15% dos gastos militares franceses.

O compromisso dos Estados Unidos com os militares franceses aumentou com o tempo. Em 1954, sob a presidência de Dwight D. Eisenhower, a contribuição dos Estados Unidos passou a cobrir 80% dos gastos militares na guerra contra a independência do Vietnã.

No entanto, apesar do imenso apoio dos Estados Unidos, os militares franceses foram encurralados pelo exército popular, composto majoritariamente por camponeses vietnamitas. Nesse contexto, em abril de 1954, foi realizada a Conferência de Genebra, uma série de conversas internacionais com o objetivo de resolver não apenas a guerra na Indochina, mas também as tensões em outras partes do mundo, como na Coreia e na China.

Nesse mesmo contexto, o exército do Viet Minh deu um golpe surpresa na fortaleza francesa de Dien Bien Phu, onde a França foi derrotada e humilhada por um exército popular composto por camponeses. Dien Bien Phu foi um marco histórico na resistência ao colonialismo, como a primeira grande derrota de potência colonial moderna frente a um movimento de libertação nacional.

Assim, o Viet Minh chegou aos Acordos de Genebra de 1954 com a derrota da França e o Vietnã foi dividido em duas zonas separadas pelo paralelo 17, e deveriam ser realizadas eleições de reunificação em 1956, enquanto se proibiu a entrada de novas tropas ou armamento estrangeiro.

No entanto, diante da iminente vitória do Viet Minh nas eleições de 1956, a guerra tomaria um novo e dramático rumo. Em 1955, Washington financiou e organizou um golpe de Estado que depôs Bảo Đại e proclamou Ngô Đình Diệm, um católico de extrema direita, como novo chefe de Estado. Ao assumir o poder, Ngô Đình Diệm solicitou formalmente a intervenção dos Estados Unidos em sua luta contra o Viet Minh.

Em 1955, os Estados Unidos começaram a enviar ajuda militar e econômica para o Vietnã do Sul, primeiro na forma de assessores militares e depois de tropas de combate, para apoiar o governo de Diệm.

“O inimigo pode ter armas modernas, mas nós temos algo mais poderoso: a determinação do povo.”

Com a ascensão de Ngô Đình Diệm ao poder no sul do Vietnã e seu regime profundamente repressivo, foi estabelecida uma extensa rede clandestina de combatentes conhecida como Vietcong, que contava com o apoio direto do norte. Esse foi o início da Segunda Guerra da Indochina (1955-1975), mais conhecida como a Guerra do Vietnã. O regime de Diệm rapidamente ganhou a hostilidade de amplos setores da população devido à sua repressão brutal contra qualquer forma de dissidência e às suas políticas autoritárias.

Em 1961, sob a presidência de John F. Kennedy, os Estados Unidos começaram a enviar os primeiros grandes contingentes militares ao país, coincidindo com outro conflito internacional em Cuba: a fracassada invasão da Baía dos Porcos.

No entanto, apesar do crescente apoio militar dos EUA, a situação no Vietnã do Sul se deteriorava rapidamente. O governo de Diệm não apenas iniciou uma repressão feroz contra a esquerda, sindicatos e movimentos sociais, mas também desencadeou uma série de massacres e assassinatos contra a população budista – maioria no país.

Em 1963, a perseguição religiosa contra os budistas havia atingido níveis dramáticos. Foi implementada uma política oficial de repressão contra essa comunidade, chegando a proibir-lhes a frequência escolar.

Nesse contexto, no dia 11 de junho de 1963, o monge budista Thich Quang Duc, que liderava uma procissão de 350 monges que haviam chegado a Saigon para denunciar os abusos do governo, sentou-se na rua, na posição de lótus, logo antes de chegar ao Palácio Presidencial. Ali, ele regou seu corpo com gasolina e, recitando os versos de “Namo Amitabha”, um mantra budista, ateou fogo em si mesmo. A imagem de Quang Duc, impassível enquanto seu corpo ardia, percorreu o mundo, causando uma grande comoção.

Após meses de frustração com o regime de Ngô Đình Diệm, devido às vitórias do Viet Cong e ao descontentamento generalizado da população, Kennedy autorizou o golpe militar que derrubou Diệm. A partir desse momento, a intervenção de Washington se intensificaria consideravelmente.

Em 1964, os Estados Unidos acusaram o Vietnã do Norte de supostamente atacar navios estadunidenses no Golfo de Tonkin, o que permitiu ao presidente Lyndon B. Johnson obter autorização do Congresso para uma maior intervenção militar.

Washington lançou a Operação Pierce Arrow, uma campanha de bombardeios aéreos que incluiu alvos civis no norte do Vietnã. Essa foi uma das operações aéreas mais violentas da história, responsável pelo lançamento de mais de 7,2 milhões de toneladas de bombas no Sudeste Asiático, além do uso indiscriminado de armas químicas. Anos depois, seria revelado que a CIA esteve envolvida nos eventos do Golfo de Tonkin.

No entanto, apesar da brutalidade dos ataques, a República Popular do Vietnã e o Viet Cong conseguiram resistir. Em 1968, ocorreu um verdadeiro ponto de inflexão com a Ofensiva do Tet, um ataque massivo em todo o território vietnamita contra alvos militares americanos. Embora 30 mil vietnamitas tenham morrido nessa operação, ela conseguiu minar a moral dos Estados Unidos.

Impossibilitados de quebrar a resistência vietnamita, apesar de sua superioridade militar, e diante das crescentes protestos internos nos EUA, o presidente Lyndon B. Johnson renunciou em março de 1968, em parte devido à crescente oposição à guerra.

A pressão interna, as crescentes baixas americanas e a impossibilidade de alcançar uma vitória decisiva forçaram Richard Nixon a negociar um acordo de paz em 1973, conhecido como os Acordos de Paz de Paris, que estabeleciam a retirada gradual das tropas americanas do Vietnã.

Finalmente, em 30 de abril de 1975, um tanque do exército norte-vietnamita atravessou os muros da embaixada estadunidense em Saigon, enquanto os últimos americanos fugiam de helicóptero do telhado do prédio.

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