Na noite desta quarta-feira (14) um encontro convocado pela vereadora Nádia (PL) reuniu cerca de 100 pessoas no saguão da Igreja Sagrada Família, na Cidade Baixa, em Porto Alegre (RS). A segunda reunião da Frente Parlamentar da Segurança Pública Municipal reuniu autoridades, moradores, comerciantes e frequentadores do bairro – todos interessados em promover melhorias na segurança da região mais boêmia da cidade.
No bairro, é histórico o conflito entre moradores e frequentadores das madrugadas. Ambos os lados pressionam o poder público para uma solução ao problema. Para debater a questão junto da população, estiveram presentes representantes da Câmara dos Vereadores, da Polícia Civil, da Brigada Militar, da Secretaria Municipal de Segurança, da Guarda Municipal e de diversas outras secretarias municipais, a convite de Nadia, que preside a frente parlamentar.

Moradores do bairro afirmam que a conversa iniciou em tom agressivo. A começar pela distribuição dos lugares: com a população de frente para a mesa de autoridades, numa disposição que favorece o enfrentamento. Uma das pessoas presentes, que pediu para não ser identificada, relatou que a conversa só mudou de rumo quando moradores e comerciantes deram sua opinião uniforme quanto às atuações da polícia no bairro. A maioria considera as intervenções truculentas e exageradamente ostensivas para os casos de aglomerações de pessoas nas madrugadas.
É ponto pacífico que moradores, comerciantes e o poder público têm interesse em tornar a Cidade Baixa um bairro mais seguro, porém é do interesse de moradores, frequentadores e comerciantes que as ações para que isso aconteça não podem descaracterizar esse reduto histórico. A Cidade Baixa é território cultural, berço do samba, do candombe, da cultura popular de Porto Alegre. A diversidade de estilos que circulam pelo bairro é marca registrada da cidade.
Desconhecimento dos decretos
Ao longo das duas horas e meia que durou a reunião, os participantes se revezavam nas falas ao microfone. Durante a atividade, a comissão de vereadores, entre os quais a presidenta, demonstrou desconhecimento com os horários do decreto Nº 19.962, de 3 de abril de 2018, que estabelece normas para o funcionamento de bares, lancherias e cafés na região.
A comissão apontou que o horário limite seria às 22h. Contudo, de acordo com o decreto, atividades de bar, café e lancheria tem como limite de horários de funcionamento: nas sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados, até às 2h (duas horas) do dia seguinte, com tolerância de 30min (trinta minutos); e de domingo a quinta-feira, até à 1h (uma hora) do dia seguinte, com tolerância de 30min (trinta minutos).
Moradores e empreendedores locais criticaram também a organização metodológica da reunião: não houve leitura de ata da última reunião, ocasionando divergências e disputas pelas informações anteriores. Uma moradora que não quis se identificar qualificou a condução da mesa como “apelativa”, apontando diversas arbitrariedades interpretativas e dicotômicas, tais como bem e mal; comércios de porta e janela vs. moradores.
Também ficou evidente que em torno de 75% das reclamações e problemas dos vizinhos são com relação à falta de fiscalização dos agentes públicos sobre o decreto mencionado, que é constantemente descumprido. Para a população, não é seu papel fiscalizar os estabelecimentos, tampouco discutir a respeito de uma fiscalização que deveria ser cumprida. Para isso, pedem uma reunião com a intenção de fiscalizar a ação dos servidores público.
Falta de informações
Outro ponto trazido pelos moradores é a dificuldade de encontrar as informações sobre as reuniões da frente parlamentar. Questionada sobre o local de publicação dos convites, a vereadora Nádia afirmou que estavam no perfil do instagram da Câmara Municipal – o que foi desmentido no ato pelos participantes. As informações a respeito das reuniões da frente tampouco constavam no site oficial da câmara municipal, o que fez com que os moradores questionassem a transparência na comunicação.
A informação que convites foram enviados por e-mail para os demais vereadores não pôde ser apurada, mas o vereador Giovani Culau (PCdoB), também presente na reunião, afirmou ter recebido o convite pelas suas redes sociais. Para ele, a falta de incentivo ao Carnaval é um exemplo em que Porto Alegre perde renda e emprego para outras cidades do país.
Espaço para a diversidade
Sobre a Cidade Baixa, Culau afirma que “é um bairro diverso”, o que exige “construir mediação e não imposição”. “A mediação entre o passado e o presente, porque a história dessa região começou muito antes que nós viéssemos morar aqui”, disse
Para o vereador quando o poder público se omite e não organiza a diversidade, ele joga as pessoas umas contra as outras. “A Orla, onde se investiu muitos recursos, não é uma região residencial, mas lá também a prefeitura impôs um decreto que limita seu uso a partir de um determinado horário da noite. Esse é um exemplo da irracionalidade que marca esse debate”, exemplificou.
“Quando não há alternativa para vivermos o carnaval, nós alimentamos o conflito na Cidade Baixa. Não podemos estabelecer uma disputa entre a população idosa e a juventude da nossa cidade. Precisamos nos preocupar com o direito de descansar, da mesma forma que devemos nos preocupar com a juventude da cidade, a juventude periférica. No bairro onde eu me criei não tinha uma praça. Se eu não tiver um lugar de vivência no meu bairro, eu vou procurar um lugar central. Eu preciso olhar para essa juventude que não tem R$ 50 para entrar numa casa de festa”, disse.
Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Fernando Bilibio, morador e frequentador do bairro, é imprescindível manter as festas populares como uma medida de saúde pública. “A manutenção da alegria é a manutenção da saúde mental e física”, defendeu.
Sem uma nova data para um próximo encontro, os moradores, comerciante e frequentadores do bairro estão se mobilizando junto a associações e grupos de Whatsapp para fortalecerem espaços de discussão qe evitem o fim de festas e eventos no bairro.
