Não recuar. Essa foi a decisão da mais recente assembleia geral dos professores da rede pública municipal do Recife, realizada nesta quarta-feira (14). Após o cancelamento dos protestos desta quinta, devido às fortes chuvas que caíram na cidade, a categoria promete fazer piquetes nas portas de algumas escolas na manhã desta sexta-feira (16) e um ato político-cultural na Praça do Derby, às 15 horas. Negando-se a dialogar com a categoria em greve, a gestão João Campos (PSB) enviou comunicado à imprensa dizendo que as aulas voltam à normalidade nesta sexta.
A prefeitura também suspendeu as mesas de negociações com o Sindicato dos Profissionais de Ensino do Recife (Simpere), alegando “estranhamento” com a greve iniciada há uma semana, na sexta-feira (9). Um encontro entre sindicato e prefeitura estava agendado para esta quarta, mas foi cancelado pela administração municipal. Mais de 100 mil crianças e adolescentes estão matriculados na rede pública de educação do Recife.
A presidente do Simpere, Jaqueline Dornelas, se mantém firme na posição. “A adesão era de 98% e está aumentando. A greve continua e segue firme. Queremos a reabertura da mesa de negociação já”, reivindica. A coordenadora do sindicato, Anna Davi, critica a posição da prefeitura. “Não adianta nos pressionar e ameaçar. Nós continuaremos paradas. Nesta sexta temos assembleia para avaliar e encaminhar os rumos desta greve”, garantiu a educadora.
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Em protesto recente nas ruas da cidade, Anna Davi disse que os educadores estavam “denunciando para a sociedade que o Recife descumpre o piso salarial dos professores”. “O prefeito João Campos não quer cumprir a lei do piso salarial. Pague o que deve aos professores do Recife. Sem valorização, sem piso na carreira, sem condições de trabalho, nós permaneceremos em greve por tempo indeterminado”, disparou a dirigente sindical. Os educadores gritavam em coro “professor na rua, João a culpa é sua”.
A principal reivindicação da categoria diz respeito ao reajuste de 6,27% no piso do magistério, com rebatimento para todas as faixas da carreira, direito garantido por lei federal e que deveria estar sendo pago desde janeiro. A gestão João Campos inicialmente ofereceu 1,5% e, na mais recente mesa de negociação, no dia 9, ofereceu 2,45% de reajuste. Os professores também pedem aumento do ticket de alimentação diário de R$ 22 para R$ 33, mas a prefeitura ofereceu um aumento de apenas R$ 1.
Há também a reivindicação pelo cumprimento da lei da aula-atividade (tempo em que os professores trabalham preparando a aula, fora da sala). Por lei, um terço (33%) da carga-horária dos educadores deve ser dedicada a essas atividades, mas a rede municipal do Recife permite que os professores dediquem no máximo 20% do seu tempo ao preparo de aulas. A falta de ar-condicionado e de infraestrutura predial são elementos que se somam à insatisfação da categoria.
Em resposta à pressão que a gestão municipal tem feito, especialmente sobre os gestores escolares para que garantam o retorno das atividades, o Simpere divulgou um comunicado também a esse grupo de educadores dizendo que “a Prefeitura tenta nos dividir e pressionar gestoras e gestores a agirem contra a mobilização da categoria”. A mensagem diz ainda que os professores e sociedade sabem “do compromisso de cada equipe gestora com a escola pública, com a comunidade escolar e com a luta pela valorização da profissão”.
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A nota aos gestores conclui afirmando que “a greve é justa. Ilegal é o que João Campos está fazendo ao descumprir a Lei do Piso e negar os 6,27% na carreira”. A menção à legalidade se dá porque a Prefeitura do Recife acionou a Justiça contra os professores. A gestão municipal queria que os educadores garantissem a continuidade das atividades na escola mesmo com a greve.
Ameaça de multa
Segundo o Blog de Jamildo, o juiz relator substituto José André Machado Barbosa Pinto, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), teria dado razão ao município e determinado a suspensão imediata da greve, sob ameaça de multar o sindicato em R$ 100 mil por dia de descumprimento da medida. O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com o TJPE solicitando a confirmação da decisão, mas não obteve retorno. O texto será atualizado se houver uma resposta.
A reportagem também entrou em contato com a gestão municipal, questionando sobre as negociações com professores, enfermeiros e as justificativas para o não cumprimento do piso salarial. Até o momento, não houve resposta.
Esta não é a primeira decisão contra o direito de greve vinda do TJPE. O tribunal repete o que fez contra as mobilizações da Polícia Civil (2024), dos professores da rede estadual (2023), dos enfermeiros (2023) e dos servidores municipais de Araripina.
A vereadora Liana Cirne (PT), do Recife, aliada do prefeito João Campos (PSB), tem acompanhado de perto as reivindicações dos educadores. “Esta é uma postura autoritária. A mesa de negociação precisa ser reaberta de imediato. O reajuste pelo piso da carreira é lei. Um terço da carga-horária para aula-atividade também é lei. Os professores não estão inventando pauta”, reclamou a vereadora petista.
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A deputada estadual Dani Portela (Psol) endossou as críticas à falta de diálogo. “Dizer que não negocia com grevista é algo que fere o direito à greve, que está na Constituição”, pontuou. “Reajuste de 1% e R$ 1 é imoral”, disse a vereadora Jô Cavalcanti (Psol). “Poderia ser engraçado se não fosse trágico”, avaliou o ex-vereador Ivan Moraes (Psol).
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Pernambuco, o professor Paulo Rocha, pontuou que a greve, “além de defender os salários e condições dignas de trabalho, defende uma escola de qualidade para o recifense. A gente sonha em ter uma educação pública de tal qualidade que nem precise de escola privada”, afirmou. “A Prefeitura precisa encontrar alternativas para cumprir a lei nacional”, disse.
Além dos piquetes , a partir das 9 horas, e do ato político-cultural na Praça do Derby, às 15 horas, que acontecem nesta sexta-feira (16), esta semana os professores já realizaram, na terça-feira (13), uma caminhada com os enfermeiros do município, que estão em greve desde a quinta-feira (8); e na quarta os professores fizeram uma assembleia no pátio da Prefeitura – na ocasião, uma condutora jogou o carro contra educadoras, deixando algumas feridas. “O ataque é inaceitável e revela o nível de tensão provocado pela própria omissão do governo municipal. Não aceitaremos que a luta por valorização profissional seja tratada com repressão, silenciamento ou violência”, disse o Simpere em nota sobre o episódio.