Idec diz que regras de publicidade de bets são ‘insuficientes’, e postura de influenciadores, ‘preocupante’

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre as bets mostrou que os influenciadores digitais estão longe de se responsabilizar pelos efeitos sociais e econômicos dos jogos de apostas online que divulgam em suas redes sociais. 

Virgínia Fonseca, que acumula 53 milhões de seguidores no Instagram, e Rico Melquiades, com quatro milhões de seguidores na mesma rede, depuseram como testemunhas em audiência da comissão nesta semana e frisaram que divulgam os jogos porque o Congresso aprovou a regulamentação das apostas online.

Christian Printes, gerente jurídico do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), no entanto, diz que as regras atuais para a publicidade de jogos de apostas online são “claramente insuficientes”, e a postura dos influenciadores, “preocupante”, “ainda mais considerando que muitos deles têm milhões de seguidores – muitos jovens – e promovem jogos e apostas online como se fossem uma forma fácil e divertida de ganhar dinheiro”. 

“Essa banalização do risco ignora os efeitos reais que estamos vendo: endividamento, perda de renda e impactos à saúde mental”, afirma. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) indicou que pelo menos 10,9 milhões de pessoas fazem um uso perigoso de apostas no Brasil. O estudo, divulgado no início de abril deste ano, faz parte do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) feito para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

Do total, 1,4 milhão de jogadores desenvolveram transtornos de jogo, com prejuízos pessoais, sociais ou financeiros. O número é semelhante ao encontrado em uma pesquisa feita pela Universidade de São Paulo (USP), que mostrou que dois milhões de pessoas estão viciadas em jogos no Brasil. 

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Dado o quadro de endividamento e adoecimento da população em decorrência dos jogos de apostas online, as regras para a publicidade desse tipo de produto deveriam passar por alguma mudança? As regras estabelecidas hoje são suficientes?

Christian Printes: As regras atuais para a publicidade de jogos de apostas online são claramente insuficientes. Temos visto um crescimento acelerado desse mercado sem a devida regulação dos conteúdos publicitários, o que tem levado à naturalização do jogo e ao aliciamento de consumidores em situação de vulnerabilidade e que agravam a situação de milhares de pessoas superendividadas.

Para o Idec, os jogos e apostas online não poderiam funcionar em solo brasileiro, por se tratar de um serviço que afronta a vida, a saúde e a segurança do consumidor, em estrita violação ao artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor. Esse tipo de prática é altamente nociva às pessoas consumidoras e causa impactos sociais e de saúde pública, de modo que o Supremo deveria considerar fortemente julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)  7721 e 7723 procedentes, para declarar inconstitucionais as leis que permitiram os jogos e apostas online.

De toda forma, enquanto não existe uma medida desse nível, é salutar que a Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda, e a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça, tenham regulamentações mais rígidas sobre o assunto. Pelo potencial nocivo à saúde e segurança, os jogos de apostas online deveriam ter o mesmo grau de restrição de publicidade do tabaco, de modo que consumidores não sejam expostos a qualquer publicidade sobre o tema. E quando expostos a publicidade, é necessário que haja alertas sobre a periculosidade desse tipo de produto e que estejam visíveis pelo mesmo tempo que a publicidade foi veiculada.

Isso não significa, entretanto, que as atuais regras do nosso ordenamento jurídico não têm que ser aplicadas. O Código de Defesa do Consumidor já dispõe sobre a necessidade de fornecedores de serviços terem de proteger a saúde das pessoas (art. 6º, inciso I) e se responsabilizar por publicidade enganosa (art. 37).

Ao longo da CPI das Bets, no Senado Federal, influenciadores digitais se eximiram dos efeitos sociais e econômicos dos jogos que divulgam. Quais deveriam ser os critérios para definir a responsabilidade de influenciadores digitais na promoção de sites de apostas, especialmente diante do impacto que isso pode ter sobre públicos vulneráveis, como jovens e pessoas endividadas?

É preocupante ver influenciadores se eximindo de responsabilidade, ainda mais considerando que muitos deles têm milhões de seguidores – muitos jovens – e promovem jogos e apostas online como se fossem uma forma fácil e divertida de ganhar dinheiro. Essa banalização do risco ignora os efeitos reais que estamos vendo: endividamento, perda de renda e impactos à saúde mental.

Para o Idec, os influenciadores e plataformas digitais não podem ser tratados apenas como veículos de comunicação, mas como agentes que participam ativamente da cadeia de consumo e devem ser responsabilizados solidariamente com as bets pelos danos causados aos consumidores, considerando que recebem dinheiro diretamente das bets para ofertar as plataformas ao público. Apesar de os influenciadores serem, a princípio, consumidores da plataforma, na prática exercem atividades comerciais e, tal como anunciantes, devem ser responsabilizados enquanto tal.

Não basta apenas informar os riscos, deixar de direcionar publicidade para menores de idade ou não utilizar linguagem que estimule comportamento impulsivo ou compulsivo. Enquanto muitos influenciadores recebem das próprias bets uma quantia de dinheiro virtual para jogar e ofertar as plataformas de jogos e apostas online aos consumidores, a população coloca o dinheiro do pagamento da conta de luz, de água ou da comida no jogo. Aquilo que deveria fazer parte do mínimo existencial dessas pessoas, na realidade está sendo usufruído por terceiros que não estão preocupados com a saúde e segurança dos consumidores brasileiros.

É necessário haver coerência e deixar de publicizar as bets para toda população brasileira.

O atual modelo de autorregulação da publicidade em plataformas digitais é eficaz diante do crescimento do mercado de apostas? O que poderia ser feito para aumentar a transparência e a responsabilização das empresas e influenciadores?

O modelo de autorregulação falhou. Ele parte da premissa de que as próprias plataformas e anunciantes vão coibir abusos – o que não acontece, especialmente em mercados de alta lucratividade como o de apostas online.

Enquanto o governo não toma medidas mais drásticas para acabar com a publicidade de Bets em todos os meios de comunicação, é preciso haver uma regulação estatal mais robusta, com regras específicas para publicidade digital de jogos de azar, com mecanismos de fiscalização e sanção. 

Além disso, é fundamental que se tenha transparência sobre os contratos entre empresas de apostas e influenciadores, que muitas vezes são remunerados com base no volume de apostas gerado. Isso cria um incentivo perverso que precisa ser enfrentado com regulação e responsabilização.

Que tipo de campanhas de informação e conscientização poderiam ser implementadas para alertar a população sobre os riscos das apostas, de forma similar ao que já foi feito com tabaco e bebidas alcoólicas?

Campanhas públicas de informação são essenciais. Elas devem alertar sobre os riscos reais das apostas –  como o vício, o superendividamento e os impactos na saúde mental – e precisam ter uma linguagem acessível. É preciso também exigir que as plataformas que hospedam esse tipo de conteúdo assumam parte da responsabilidade, com a inserção de alertas obrigatórios sobre os riscos, bloqueios para menores e mecanismos que permitam ao usuário limitar ou bloquear esse tipo de conteúdo. 

O jogo não pode ser apresentado como entretenimento inofensivo quando, na prática, está levando milhares de brasileiros ao adoecimento e ao endividamento e sua publicidade deveria ser banida, como aconteceu com o tabaco. Além disso, deve também ostentar frases de alerta como “Esse produto causa dependência e pode arruinar a sua vida e a de seus familiares”.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.