Bares do DF têm rodas de samba suspensas após ação contra poluição sonora

Dois dos mais tradicionais bares da cena cultural brasiliense, Pardim e Baóbar, ambos localizados na Asa Norte, foram multados nesta semana e tiveram suas atividades musicais suspensas após ações de fiscalização do Instituto Brasília Ambiental (Ibram). Os estabelecimentos, conhecidos por promoverem rodas de samba e apresentações de diversos estilos, estão agora proibidos de realizar qualquer tipo de evento musical.

Além da multa, os fiscais do Ibram recolheram caixas de som e equipamentos dos estabelecimentos, ação que gerou revolta entre proprietários e frequentadores. “Mais uma ação extremamente desnecessária e truculenta. Tivemos equipamento de som arrancado, caixa levada e cabos danificados, tudo isso com a justificativa de emissão de som de 65 decibéis. A lei do silêncio precisa ser revisada! Nossa luta vai continuar”, afirmou a direção do Baóbar, por meio das redes sociais.

A medida atinge diretamente eventos consagrados da capital. O Pardim, famoso pela roda de samba às sextas-feiras com o grupo Nossa Vertente, teve que cancelar as apresentações. Já o Baobar foi impedido de realizar o projeto Samba Nosso e também as tradicionais rodas de samba aos domingos, que reuniam um público fiel.

Segundo nota da comunidade dos Sambas do DF, a atuação do Ibram foi marcada por “extrema truculência” e representa um duro golpe para a cultura popular da cidade.

O quiosque Jeito Carioca, localizado no Cruzeiro e há 35 anos funcionando como reduto da tradicional roda de samba Resenha do Samba 61, também foi multado na mesma operação. O proprietário, conhecido como Lingote, denunciou o que chamou de perseguição: “Nunca tivemos uma reclamação sequer. Nosso estabelecimento é um ambiente familiar, promove cultura e gera empregos. Hoje fomos autuados. A gente não vai se calar, quem está com a gente é o povo”.

De acordo com os responsáveis pelo Jeito Carioca, a denúncia partiu de um único morador recém-chegado à vizinhança. “Uma pessoa só contra centenas que prestigiam e defendem a cultura do samba. A gente começa às 19h e termina às 22h30. Não ultrapassamos esse horário. Brasília vai se calar? Vai virar uma cidade dormitório?”, questionou.

O dono do bar Pardim também criticou a ação e relatou esforços para adequar o espaço às normas: “Tentamos fazer da maneira correta. Fizemos fechamento acústico, medimos o som, encerramos as atividades antes das 22h. E mesmo assim somos prejudicados. Às vezes é um inquilino que acabou de chegar na quadra. Estamos há 15 anos trabalhando aqui, tentando ter uma boa relação com a vizinhança, empregando muitas pessoas. O samba não é só música, é cultura afro. Tem gente que não gosta, já ouvi na delegacia dizendo que vai acabar com o samba porque odeia a batucada. Isso é puro preconceito”, desabafou.

Em resposta aos questionamentos enviados pela reportagem, o Ibram informou que as ações são motivadas por denúncias recebidas via Participa DF. O Instituto ressaltou que não tem competência para cassar alvarás, mas pode interditar emissões sonoras e aplicar multas por infrações ambientais.

Segundo o órgão, o Pardim acumula autuações desde 2018 e havia sido previamente advertido de que poderia sofrer interdição caso não adequasse as emissões sonoras. A multa aplicada ao bar foi de R$ 5.001,00. Já o Baobar foi autuado seis vezes, sendo duas neste ano, sem que houvesse cumprimento das determinações anteriores, de acordo com o Ibram. Por conta da reincidência, o recolhimento da caixa de som foi considerado uma medida “necessária” para cessar a poluição sonora. Segundo o Instituto, a ação “se deu sem intercorrências”.

O Ibram informou ainda que os estabelecimentos estão impedidos de realizar atividades musicais até que promovam as adequações exigidas.

O movimento gerou reações de apoio. Um abaixo-assinado foi criado pelo Pardim e já reúne dezenas de assinaturas. O documento afirma que o bar atua “de forma responsável, dentro das normas legais, com controle rigoroso de volume” e pede ao Ibram a revogação da multa e o restabelecimento do alvará para música ao vivo.

O que diz a Lei do Silêncio

As ações se baseiam na Lei Distrital nº 4.092/2008, conhecida como “Lei do Silêncio”, que determina os limites máximos de emissão sonora no Distrito Federal. Em áreas mistas — predominantemente residenciais, mas que também incluem hotéis e comércios — o limite é de até 55 decibéis no período diurno (7h às 19h) e 50 decibéis no período noturno (19h às 7h).

A comunidade Sambas do DF e representantes dos estabelecimentos multados defendem que a lei é excessivamente rígida e não leva em conta a tradição cultural de Brasília. “Como conseguimos trabalhar com 50 decibéis à noite?”, questionou o proprietário do Jeito Carioca.

O movimento cultural pede a revisão da legislação para que espaços tradicionais não sejam sufocados pela fiscalização. “Brasília vai virar uma cidade dormitório se continuarem calando nossos bares e nossas rodas de samba”, alertou um dos músicos afetados.

O caso reacendeu o debate sobre os limites entre o direito ao sossego e a preservação de manifestações culturais populares. A Associação dos Sambas do DF reforça que a luta vai continuar: “Nós, donos de bares, trabalhamos, empregamos muitas pessoas e fazemos parte da cultura de Brasília”.

Espaços como o Aquilombar, que surgiu a partir do Bar Pardim, também manifestaram apoio. “Antes de chegarmos aqui, esse espaço já aquilombava a luta e a esperança das pessoas que vivem e sobrevivem nessa cidade que ‘goza em silêncio’. Todo nosso apoio ao Pardim e nosso repúdio à perseguição sofrida pelos bares e outros espaços de ocupação popular em Brasília”, afirmou a casa.

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