Sem freio, big techs lucram com ‘caos informacional’, diz especialista sobre julgamento no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (4) o julgamento sobre a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários, com base no Artigo 19 do Marco Civil da Internet. Para Bia Barbosa, coordenadora de incidência da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o momento exige uma nova interpretação da lei, que leve em conta os impactos atuais das redes sociais.

“Não podemos seguir tratando as plataformas como elas eram tratadas pelo Marco Civil da Internet em 2014, porque o seu modelo de negócios evoluiu e a sociedade evoluiu também em relação a como o debate público e o consumo de informações é feito nas redes hoje”, afirmou Barbosa nesta sexta (6), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.

Na avaliação da especialista, o modelo de negócios atual das redes estimula a disseminação de conteúdos extremistas e desinformativos, e as plataformas se beneficiam disso financeiramente. “É o que chamamos de caos informacional. […] As plataformas sociais lucram com isso, inclusive com anúncios, conteúdos impulsionados, patrocinados”, indica.

Ela alerta que, apesar de o Marco Civil prever que apenas uma ordem judicial obrigaria a remoção de conteúdos, há margem para uma responsabilização maior das plataformas, especialmente quando há violações de outros direitos já protegidos por leis brasileiras.

“O Supremo tem três caminhos: declarar a inconstitucionalidade do artigo, manter a regra atual ou adotar uma interpretação conforme a Constituição. Essa última é a mais equilibrada, porque reconhece que liberdade de expressão precisa estar em equilíbrio com a proteção de outros direitos fundamentais”, avalia.

A decisão da Corte será tomada com base em dois casos específicos, um deles envolvendo o extinto Orkut, mas, por se tratar de repercussão geral, terá impacto direto sobre as futuras decisões judiciais relacionadas ao tema.

Atualmente, a regra geral no Brasil é que big techs donas de redes como o Instagram, YouTube, X (ex-Twitter) e Facebook só podem ser responsabilizadas judicialmente por conteúdos de terceiros se descumprirem uma ordem de remoção.

‘Liberdade de expressão não é direito absoluto’

Sobre a manifestação do ministro André Mendonça, que divergiu da posição de outros colegas e defendeu a manutenção do modelo atual, Barbosa criticou. “Ele fez claramente uma defesa deste modelo, dizendo que cabe às plataformas fazerem isso em nome da liberdade de expressão. Mas a liberdade de expressão não é um direito absoluto, não é um direito superior a outros direitos fundamentais.”

Ela acrescenta que a posição do ministro segue uma lógica de autorregulação e se aproxima da abordagem dos Estados Unidos, de “baixíssima intervenção”. Para a especialista, essa visão ignora o papel das plataformas na amplificação de conteúdos prejudiciais à sociedade.

“É fundamental que o Supremo dê um indicativo de que outras legislações precisam ser consideradas em casos de conteúdo que geram dano. As plataformas precisam ser responsabilizadas, não só à luz do Marco Civil da Internet, mas também de outras normas brasileiras”, defende.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

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