Entidades contestam governo gaúcho e alertam para ‘ilusão’ na queda do desmatamento no Pampa

Após o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2024, divulgado em maio pelo MapBiomas, apontar queda de 42% no desmatamento do bioma Pampa, o governo estadual celebrou os números como resultado do sucesso das políticas ambientais. Contudo, a Coalizão pelo Pampa alerta que o estado “vangloria-se” sem informar perda de vegetação e outro ponto fundamental do próprio relatório: “As reduções observadas em biomas com ecossistemas campestres, principalmente o Pampa (redução de 42%), são atribuídas às áreas de florestas, pois sistemas de detecção de supressão de campos nativos ainda precisam ser aprimorados e integrados ao MapBiomas Alerta”.

A nota da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) destaca a redução de 42% no bioma exclusivo do Rio Grande do Sul no Brasil. Complementa que o relatório aponta que o Pampa teve a menor área de desmatamento entre os biomas: 0,1% do total, ou 896 hectares.

A secretária da pasta, Marjorie Kauffmann, atribui os números à implementação de ações voltadas à preservação do bioma Pampa pelo governo estadual. “Uma das medidas foi a inclusão do Pampa como bioma no novo Código Estadual do Meio Ambiente. Também houve a migração do Cadastro Ambiental Rural para a plataforma federal e o acordo judicial que trouxe consensos relativos às tipologias existentes no Pampa”, diz a secretária na nota.

Para a Coalizão pelo Pampa, “os números divulgados pelo MapBiomas estão longe de atestar o sucesso das políticas públicas do governo gaúcho, ou de demonstrar valorização de boas práticas ou de diálogo democrático e relação transparente com diferentes setores da sociedade”. O coletivo, que reúne organizações não governamentais com atuação na área socioambiental, redes de pesquisadores, associações de servidores de órgãos ambientais e coletivo de povos e comunidades tradicionais, justifica a posição a partir da advertência do relatório:

“Tal advertência tem uma razão muito simples: o Bioma Pampa, restrito a uma área que corresponde a 69% do território do Rio Grande do Sul, possui vegetação predominantemente de campo, atualmente com 32% de cobertura campestre e apenas 12% de cobertura florestal. Portanto, o que o MapBiomas nos avisa, em última análise, é que os dados precisam ser interpretados com a devida cautela e que a queda nos alertas de desmatamento que seu sistema consegue detectar no Pampa não pode ser confundida com evidência de diminuição nas taxas de perda da vegetação campestre que compõe a maior parte do Bioma.”

Perda de cerca de 140 mil hectares de vegetação nativa campestre por ano

Formada por organizações não governamentais com atuação na área socioambiental, redes de pesquisadores, associações de servidores de órgãos ambientais e coletivo de povos e comunidades tradicionais, a Coalizão destaca ainda que o MapBiomas informa a perda de cerca de 140 mil hectares de vegetação nativa campestre a cada ano no RS, entre 2012 e 2023. “Em grande parte pela conversão em monoculturas agrícolas, sobretudo da soja, e não há nenhuma evidência de que isso tenha sido alterado significativamente em 2024.”

Para o movimento, o cenário no estado aponta para a direção oposta, a exemplo da “descaracterização do Código Estadual de Meio Ambiente do RS”, promovida pelo governo de Eduardo Leite (ex-PSDB, hoje no PSD). “A negligência na aplicação da Lei da Vegetação Nativa às formações campestres e as recorrentes investidas de setores econômicos visando fragilizar as normas e o licenciamento ambientais, bem como a fragilidade dos instrumentos de fiscalização e controle, têm aumentado a vulnerabilidade do campo nativo no estado.”

Confira a nota da Coalizão pelo Pampa

“Governo do RS ignora a perda anual de 140 mil hectares de vegetação campestre para comemorar a ilusão do Pampa conservado (Coalizão pelo Pampa)

O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2024, coordenado pelo Projeto MapBiomas e divulgado em maio deste ano, aponta que, em 2024, o desmatamento no Brasil diminuiu em mais de 30% em comparação com 2023 e que, pela primeira vez, todos os biomas apresentaram redução na área desmatada, com exceção da Mata Atlântica.

O relatório chama a atenção, já nas suas primeiras páginas, que “As reduções observadas em biomas com ecossistemas campestres, principalmente o Pampa (redução de 42%), são atribuídas às áreas de florestas, pois sistemas de detecção de supressão de campos nativos ainda precisam ser aprimorados e integrados ao MapBiomas Alerta.”

Tal advertência tem uma razão muito simples: o Bioma Pampa, restrito a uma área que corresponde a 69% do território do Rio Grande do Sul, possui vegetação predominantemente de campo, atualmente com 32% de cobertura campestre e apenas 12% de cobertura florestal. Portanto, o que o MapBiomas nos avisa, em última análise, é que os dados precisam ser interpretados com a devida cautela e que a queda nos alertas de desmatamento que seu sistema consegue detectar no Pampa não pode ser confundida com evidência de diminuição nas taxas de perda da vegetação campestre que compõe a maior parte do bioma.

Outro conjunto de dados fornecido pelo próprio MapBiomas, os mapas anuais de uso e cobertura do solo, mostram que, no RS, cerca de 140 mil hectares de vegetação nativa campestre foram perdidos a cada ano, entre 2012 e 2023, em grande parte pela conversão em monoculturas agrícolas, sobretudo da soja, e não há nenhuma evidência de que isso tenha sido alterado significativamente em 2024. Muito pelo contrário: a negligência na aplicação da Lei da Vegetação Nativa às formações campestres e as recorrentes investidas de setores econômicos visando fragilizar as normas e o licenciamento ambientais, bem como a fragilidade dos instrumentos de fiscalização e controle, têm aumentado a vulnerabilidade do campo nativo no estado. A descaracterização do Código Estadual de Meio Ambiente do RS, promovida pelo atual governador de forma açodada e sem debate com a sociedade, é um exemplo claro disso.

Tal situação tem levado a uma rápida e notória degradação das paisagens naturais do Pampa, com perda da biodiversidade e do potencial de desenvolvimento sustentável da região, comprometendo os serviços ambientais proporcionados pela vegetação campestre — inclusive na sua função de atenuar as mudanças climáticas e os desastres meteorológicos.

Portanto, devagar com o andor: ao contrário do que foi alardeado na imprensa e demais mídias, os números divulgados pelo MapBiomas estão longe de atestar o sucesso das políticas públicas do governo gaúcho, ou de demonstrar valorização de boas práticas, de diálogo democrático e de relação transparente com diferentes setores da sociedade.

Organizações não governamentais, redes de pesquisadores, povos e comunidades tradicionais, servidores públicos de órgãos ambientais, entre outros setores da sociedade preocupados com a conservação do Pampa, seguem reivindicando:

  • participação efetiva na construção de políticas públicas e projetos governamentais estratégicos;
  • cumprimento e regulamentação da legislação ambiental vigente para a proteção do bioma;
  • valorização das cadeias produtivas sustentáveis;
  • planejamento da ocupação e uso do solo;
  • promoção do turismo sustentável como ferramenta de valorização dos territórios tradicionais;
  • efetivação dos processos de regularização e proteção dos territórios tradicionais;
  • desenvolvimento de ações de fortalecimento da autonomia das comunidades em relação à sustentabilidade de seus territórios;
  • implementação de políticas públicas de comunicação sobre os campos nativos;
  • adoção de ações de fiscalização da supressão ilegal de campos nativos pelos órgãos competentes.

(*) Coalizão pelo Pampa é formada por:

➢ Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul – AFFZB
➢ Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do IBAMA-PECMA no Estado do Rio Grande do Sul – ASIBAMA-RS
➢ Associação dos Servidores da FEPAM – ASFEPAM
➢ Associação dos Servidores da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado do RS – ASSEMA/RS
➢ Associação Amigos do Meio Ambiente de Guaíba – AMA-Guaíba
➢ Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan
➢ Associação para Grandeza e União de Palmas – AGrUPa
➢ Centro de Estudos Ambientais – CEA
➢ Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa
➢ Ecos do Pampa-UERGS
➢ Grupo de Estudos Frutifica-Ação/UERGS
➢ Grupo Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade TEMAS/UFRGS
➢ IGRÉ-Associação Sócio-Ambientalista
➢ Instituto Curicaca
➢ Instituto de Conservação Eco dos Campos
➢ Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – INGÁ
➢ Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul – NEJ-RS
➢ Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas – NEPRADE/UFSM
➢ Rede Campos Sulinos
➢ Rede Sul de Restauração Ecológica
➢ Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul – SEMAPI RS
➢ Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Rio Grande do Sul-SINTERGS
➢ UPP Camaquã – União pela Preservação do Rio Camaquã”

Confira a nota da Sema

“Relatório do MapBiomas aponta queda de 42% no desmatamento do bioma Pampa em 2024

O último relatório divulgado pelo MapBiomas com o balanço do desmatamento de todos os biomas brasileiros no ano de 2024 trouxe uma boa notícia para o Rio Grande do Sul. O bioma Pampa, que no Brasil é exclusivo do Estado, teve uma queda de 42% no desmatamento. O bioma aparece com a menor área de desmatamento do relatório: 0,1% do total, ou 896 hectares, segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD), divulgado em 15 de maio.

“O Rio Grande do Sul vem implementando uma série de ações voltadas à preservação do bioma Pampa, que ocupa 68% do território do Estado. Uma das medidas foi a inclusão do Pampa como bioma no novo Código Estadual do Meio Ambiente. Também houve a migração do Cadastro Ambiental Rural para a plataforma federal e o acordo judicial que trouxe consensos relativos às tipologias existentes no Pampa. Temos a convicção de que a preservação das espécies nativas presentes no pampa gaúcho estarão cada vez mais protegidas”, informou a titular da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann.

De acordo com o RAD, todos os biomas brasileiros tiveram redução na área desmatada em 2024. A exceção foi o bioma Mata Atlântica, que se manteve estável com relação a 2023. De acordo com o MapBiomas, os resultados apontados neste bioma foram influenciados pelos eventos meteorológicos extremos que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio do ano passado. Caso esses eventos não tivessem ocorrido, o bioma teria registrado uma redução de pelo menos 20% na área afetada em relação ao ano anterior.

A perda de vegetação atribuída aos deslizamentos de terras na enchente histórica também foi registrada no relatório desenvolvido pelo SOS Mata Atlântica, divulgado neste mês de maio. De acordo com o estudo, os eventos classificados como “desastres naturais” responderam pela maior parte dos 3.307 hectares desmatados no ano.

Outras iniciativas

Corredores EcológicosEsses corredores promovem a conservação da biodiversidade por meio de estratégias de gestão territorial que mantêm ou recuperam processos ecológicos, conectando áreas protegidas e facilitando a dispersão de espécies, além da recolonização de áreas degradadas. A Sema tem trabalhado na implementação do Corredor Ecológico da Quarta Colônia, que conecta os biomas Pampa e Mata Atlântica.

Rota dos Butiazais – Esse é um acordo de cooperação técnica entre a Sema e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que prevê ações de pesquisa, extensão rural e normatização do uso sustentável de espécies de butiá, fruto nativo do bioma Pampa. A rota conecta pessoas em prol da conservação e uso consciente da biodiversidade nas áreas de ocorrência dos butiazais no Brasil, Uruguai e Argentina.

Trilhas de Longo Curso – Essa iniciativa visa promover experiências turísticas, incentivar a cultura, o esporte e o lazer, além de gerar renda e trabalho para as comunidades locais. Atualmente, o Rio Grande do Sul conta com 12 Trilhas de Longo Curso implementadas e lançou, em 2024, o decreto que institui o Programa Estadual de Trilhas de Longo Curso, que busca ampliar as experiências positivas do contato dos visitantes com o ambiente natural.

Certificação Ambiental para Extrativismo Sustentável – A Sema emite certificações para aqueles que possuem áreas de flora nativa e desejam extrair ou coletar produtos e subprodutos, como frutos, folhas, sementes e óleos essenciais, respeitando os limites da legislação atual e praticando métodos sustentáveis. Essa certificação aproxima o órgão ambiental das ações no campo e ajuda a monitorar o impacto das atividades humanas na natureza.

Cadastro Ambiental Rural (CAR) – É um registro eletrônico de informações ambientais, obrigatório para todos os imóveis rurais. A ferramenta do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR) promove a identificação e integração das informações das propriedades, contribuindo para o planejamento ambiental, monitoramento, combate ao desmatamento e regularização ambiental.

Reposição Florestal Obrigatória (RFO) – Medida legal para atenuar, compensar ou reparar impactos ambientais causados pelo corte de árvores nativas, buscando a recuperação de áreas degradadas. A Sema é responsável por analisar e emitir pareceres técnicos para os projetos de RFO, que no bioma Pampa envolvem o manejo conservacionista dos campos nativos, estratégias para a reintrodução de espécies ameaçadas e a erradicação de espécies exóticas invasoras.

Estratégia Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (GEF – Pró-espécies) – Esse projeto, desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente e executado pela Sema, visa mitigar impactos sobre espécies ameaçadas que não estão em áreas protegidas nem contempladas pelos Planos de Ação Nacional (PAN). Por meio do GEF – Pró-Espécies, são promovidas ações para combater a caça, pesca e extração ilegal de espécies silvestres.

Programa Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa do Estado do Rio Grande do Sul (Proveg-RS) – Tem como objetivo promover, integrar e articular políticas e ações que induzam à restauração e conservação da vegetação nativa no Estado. O Proveg-RS contribui para a conservação dos ambientes nativos e a recuperação de áreas degradadas, preservando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

Campos do Sul – Visa garantir a conservação dos campos nativos dos biomas Pampa e Mata Atlântica. Por intermédio da oferta de assistência técnica especializada, o Campos do Sul incentiva proprietários rurais a adotarem boas práticas ambientais e de manejo, assegurando a proteção dos serviços funcionais e ecossistêmicos dos ambientes campestres e sua diversidade biológica.

Implementação de Planos de Ação Territoriais para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (PATs) – Essa iniciativa, adotada em nível nacional, visa definir estratégias para a conservação de espécies criticamente ameaçadas de extinção que carecem de planejamento. A Sema é executora de dois PATs: o PAT Planalto Sul, que envolve os campos de altitude e a Floresta Ombrófila Mista no bioma Mata Atlântica; e o PAT da Campanha Sul e Serra do Sudeste, abrangendo os Campos da Campanha e a Serra e Encosta de Sudeste, no bioma Pampa.

No âmbito do bioma Pampa, a Sema coordena o Plano de Ação Territorial (PAT) – Bagé, que busca melhorar o estado de conservação das espécies focais e seus habitats, promovendo práticas sustentáveis.

Projeto GEF – Terrestre – Desenvolvido pelo governo federal em parceria com a Sema, esse projeto envolve comunidades locais e proprietários nas áreas ao redor das Unidades de Conservação (UCs). Ele atua por meio de estratégias que visam qualificação, regularização e ações nas unidades existentes, trabalhando na restauração da vegetação nativa e na proteção de espécies ameaçadas.

Sobre o MapBiomas – O MapBiomas é uma iniciativa colaborativa criada em 2015 que reúne diversas instituições para mapear anualmente o uso da terra no Brasil e monitorar mensalmente a água e o fogo desde 1985. Utilizando tecnologias como o Google Earth Engine, o projeto busca tornar acessíveis informações sobre o território, além de apoiar a conservação ambiental e o combate às mudanças climáticas.

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