Déficit habitacional em Fortaleza atinge 82 mil famílias

O direito à moradia está assegurado pela Constituição Federal de 1988 e, de acordo com o texto constitucional, é competência comum da União, dos estados e dos municípios — entre outros — “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Embora essa garantia exista, muitas pessoas ainda não têm acesso a um lar. Na capital cearense, essa realidade se repete, mesmo com a ampliação de políticas como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa Entrada Moradia, que contribuem para a redução do déficit habitacional.

Renato Pequeno, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (IAUD-UFC), coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab), pesquisador do CNPq e do Observatório das Metrópoles, informa que, no caso de Fortaleza, os números apontam para mais de 82 mil famílias em situação de déficit. Desse total, 45% vivem em coabitação e quase 40% gastam mais de 30% da renda familiar com aluguel.
“Quanto à inadequação domiciliar, tem-se os dados apresentados pelo Plano Local Habitacional de Interesse Social de Fortaleza, de 2012, que apontaram para 843 assentamentos urbanos precários, englobando favelas, cortiços, conjuntos inacabados ou favelizados e loteamentos irregulares ou clandestinos.” Segundo ele, essas áreas concentram 41% da população de Fortaleza, distribuída em apenas 11% do território municipal, o que evidencia a extrema densidade e vulnerabilidade socioambiental.

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Pequeno explica que os estudos sobre o déficit habitacional são realizados a cada dez anos, a partir do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse déficit considera variáveis como coabitação, ônus excessivo do aluguel, cômodo cedido e moradia construída com materiais improvisados.

O déficit habitacional é um indicador da baixa efetividade das políticas públicas de provisão habitacional. Ganha ainda mais relevância quando se trata de famílias de baixa renda, que não conseguem acessar a casa própria.
“Vale ressaltar que esta situação de agravamento da problemática habitacional seria ainda pior não fosse a grande parcela da população que opta por ocupar um terreno em uma favela, ou mesmo autoconstruir a casa em um loteamento irregular desprovido de infraestrutura. Ou seja, o déficit existe quando o Estado não investe em política de provisão habitacional para os mais pobres e a população não tem condições de acessar o que o mercado imobiliário oferece.”

Além do déficit habitacional, segundo Pequeno, há também o problema da inadequação domiciliar, que atinge famílias que, embora tenham uma casa, vivem em condições precárias — seja por não possuírem o título de propriedade, por falta de infraestrutura e serviços urbanos, excesso de moradores por cômodo, número insuficiente de cômodos ou ausência de banheiro.

Luta popular

Kélvin Cavalcante, professor de História, militante do movimento por moradia digna e assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Ceará, afirma que há cerca de 200 mil pessoas inscritas no cadastro da Secretaria de Habitação de Fortaleza. “Existe uma relação histórica do déficit habitacional na cidade, que está profundamente ligada aos processos de urbanização excludente, à concentração fundiária, à ausência de planejamento urbano inclusivo e à desigualdade social. É importante entender que o déficit habitacional se divide em quantitativo e qualitativo: há famílias sem casa (déficit quantitativo) e outras vivendo em moradias precárias, com adensamento, risco ou falta de estrutura (déficit qualitativo).”

Cavalcante destaca o papel da luta popular ao pressionar e colaborar com o poder público na formulação de programas habitacionais mais abrangentes, que não se limitem à construção de casas, mas integrem políticas urbanas mais amplas. Isso inclui a garantia de equipamentos de saúde, educação, transporte público, pavimentação e outros serviços que assegurem o pleno direito à cidade. Ele também enfatiza a necessidade de regularização fundiária de áreas conhecidas como “assentamentos precários”.

Ocupações como ferramenta de garantia de direitos

Valdenir Viana, militante das lutas por moradia popular, afirma que as ocupações são uma das estratégias utilizadas para enfrentar o déficit habitacional e defende mais atenção por parte do poder público aos movimentos de luta. “É preciso que o poder público busque parcerias com lideranças sérias, associações e instituições.”

Segundo ele, as ocupações acontecem porque a população não tem acesso à moradia digna nem condições de pagar aluguel. “Diante disso, a única alternativa é ocupar, é colocar a vida em risco por um pedaço de terra para construir seu lar. Ou seja, a ocupação é consequência da ausência do poder público em cumprir o direito constitucional de garantir moradia, destinar terras ociosas para habitação popular e enfrentar a especulação imobiliária, que empurra os mais pobres para zonas sem infraestrutura. Tanto que um dos lemas dos movimentos de moradia é: ‘Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito!’”

Francisca Lilia de Oliveira Lima, costureira que vive em uma ocupação em Fortaleza, afirma que o local — atualmente com 61 famílias — precisa de atenção do poder público. “O poder público precisa avançar na segurança, dar mais atenção para os casos de ocupação, facilitar a vida de uma ocupação. Uma ocupação precisa de saneamento básico, precisa de nominação para ter uma vida um pouco mais digna e isso o poder público não ajuda. No nosso caso, a Enel até veio no local, mas a Cagece ainda não. Precisamos de saneamento básico, de iluminação pública, e tudo isso faz parte do poder público, mas a gente não tem essa facilidade.”

Ela reconhece o apoio da Defensoria Pública do Estado do Ceará: “A Defensoria já fez acolhimento e deu todo o apoio, graças a Deus. A gente está com um ano e quatro meses de ocupação e até agora está tranquilo. A minha comunidade é bem tranquila, mas precisa ser amparada por serviços da Cagece, iluminação pública, ter um lazer para as crianças, porque a gente não tem. As pessoas aqui são bem carentes, passam por dificuldades do dia a dia, e cada dia é uma vitória de sobrevivência.”

Prefeitura de Fortaleza na luta contra o déficit habitacional

O secretário do Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), Jonas Dezidoro, afirma que a capital cearense enfrenta, assim como outras metrópoles do país, um elevado déficit habitacional, agravado pela pandemia da Covid-19. “O último número oficial que temos data de 2012, do Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza (PLHISFor), com atualização em 2016: déficit de 84 mil moradias. Mas o número pode ser ainda maior. Diante disso, estamos trabalhando para atualizar nosso cadastro habitacional e obter dados mais precisos sobre essa realidade.”

Segundo Dezidoro, a mudança desse cenário depende de ações como destravamento de contratos, redesenho de programas e desenvolvimento de projetos inovadores. “É isso que estamos fazendo. Desde o início do ano, quando assumimos a Habitafor, assinamos contratos para a construção de três mil novas moradias para famílias em situação de vulnerabilidade social. Também estamos promovendo melhorias habitacionais na comunidade Marrocos, no bairro Siqueira.” Lá, 354 casas estão recebendo banheiro, saneamento, pia, lavanderia, pintura e acessibilidade. Além disso, estão em andamento processos de regularização fundiária que devem beneficiar mais de 40 mil famílias até 2028.

Dezidoro elenca as ações da Habitafor: “ampliar o acesso à moradia digna é a missão central da Habitafor, que norteia todas as nossas ações. Elas se baseiam em eixos da Política Habitacional de Interesse Social: regularização fundiária, com preparação de 40 mil documentos do programa Papel da Minha Casa; urbanização de áreas estratégicas; reformas habitacionais com o programa Morar Bem, que já beneficia mais de 350 casas no Siqueira; e produção habitacional, com três mil unidades em construção pelo Minha Casa, Minha Vida. E há mais conjuntos habitacionais em planejamento. Estamos aprimorando o olhar territorial para garantir uma política habitacional mais eficiente e sensível às realidades locais.”

Questionado sobre as perspectivas até o fim da gestão do prefeito Evandro Leitão, o secretário se mostra otimista: “até 2026, entregaremos as três mil moradias que estão em construção. E já estamos participando de seleções para novos conjuntos pela Caixa Econômica Federal. Estamos avançando em várias frentes para garantir moradia digna para os fortalezenses.”

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