
Quando um casal sem filhos se separa, a fatura entre eles costuma ser quitada com a partilha e a partida, cada um contabiliza o seu prejuízo, há quem se dê conta de que saiu no lucro, e ambos podem seguir a vida, talvez nunca mais encontrando com o outro, ponto final.
O mesmo não acontece, ou melhor, não deveria acontecer, quando um casal com filhos decide se separar. O casal perde um jeito de existir junto, mas pelos filhos vai ter que encontrar outra forma de se relacionar. Não há ponto final. Entre vírgulas ou reticências, o ex-casal passa a criar uma nova história, agora “somente” como pais.
A regra no nosso ordenamento jurídico em caso de divórcio ou dissolução de união estável é a guarda compartilhada. Ela determina que ambos os pais participem das principais decisões que envolvam os filhos, sem que a vontade de um prevaleça sobre a do outro.
Além disso, a lei estabelece que o tempo de convivência dos pais com os filhos seja distribuído de forma equilibrada entre eles, a fim de assegurar a manutenção dos vínculos, sempre pensando no que é melhor para o desenvolvimento da criança ou do adolescente.
Educação parental e a batalha da separação
Mas se de um lado a lei pretende resguardar os interesses dos filhos, do outro, a realidade é que eles se tornam joguetes dos pais, que travam batalhas intensas e extensas, judiciais e extrajudiciais, nas quais confundem sua experiência mal sucedida na conjugalidade com o exercício da coparentalidade.
A quem me procura como advogada para atuar em um divórcio colaborativo, eu sempre repito:
Meu cliente é o seu filho, é para ele que vou trabalhar.
Porque ao contrário do que se possa imaginar, a parte mais importante de um divórcio não é a decisão sobre guarda, convivência, pensão e partilha dos bens.
O fundamental do divórcio acontece depois: é sobre como os pais vão se relacionar entre si a partir dessas decisões.
Um divórcio saudável e funcional para os filhos demanda um trabalho pedagógico com os pais. A educação, nesse contexto, significa fazer com que os pais compreendam que: o encerramento da vida conjugal não põe fim à relação familiar entre eles e os filhos.
Os filhos devem se sentir livres para amar, para serem amados e para se relacionarem com ambos os pais; e os filhos estão autorizados a serem felizes na ausência de um dos pais.
Parece óbvio e simples, mas não é
Muitos filhos são obrigados a amadurecer “a fórceps” porque seus pais insistem em se manter na posição infantil de demandantes de uma necessidade não atendida. Muitos filhos são usados como confidentes ou advogados de um dos pais, ou atuam como mediadores entre ambos.
Muitos filhos chegam a questionar se foram realmente fruto do amor de seus pais tamanha a incapacidade de eles se relacionarem cordialmente.
E quando surge um novo integrante, como uma madrasta ou um padrasto, será necessário que todos ampliem suas habilidades e competências nas relações interpessoais, para que possam interagir com respeito e gentileza.
Evidente que não se trata de forçar vínculos de amizade, mas de educar-se para manter a dignidade nas ocasiões em que os encontros forem necessários.
““Si vis pacem, para bellum“. Este antigo provérbio romano significa “se desejas a paz, prepare-se para a guerra”.
Mas a paz também precisa ser treinada, ela não surge espontaneamente. A paz é uma escolha, que demanda ética e comprometimento. “Se vis pacem para pacem”, eu digo. Se queres paz, prepare-se para ela.
É necessário que o ex-casal se eduque
É preciso que o ex-casal se eduque para fazer a dolorosa travessia que o divórcio impõe, com menos sequelas para todos os envolvidos.
Para deixar os inevitáveis maus afetos de um lado da margem e seguir somente com a bagagem necessária para exercer a coparentalidade.
Para chegar íntegro ao outro lado, com respeito e maturidade emocional. Para que, tendo optado pela paz, consigam transmiti-la, através do exemplo, aos seus filhos.