
O município de Cachoeira tem uma forte ligação com a produção e o consumo de licor. A bebida adocicada, que normalmente surge da mistura de álcool com frutas, é tão importante para a economia e a cultura local que se tornou patrimônio imaterial do município em 2021. A iguaria produzida lá é tão popular que a cidade, há muitos anos, é utilizada como um sinônimo de qualidade.
Que o licor de Cachoeira é famoso, isso é inegável, mas o que muita gente não sabe é que o solo da cidade heroica abriga uma fábrica que produz a bebida há cerca de cem anos. A trajetória do Licor Roque Pinto se entrelaça com a própria história de popularização da bebida na cidade. Com um cardápio com mais de 30 sabores, a empresa resiste ao tempo apostando na boa sintonia entre tradição e modernidade.

De pai para filho
O Licor Roque Pinto surgiu sem interesses comerciais. No início do século XX, o fundador Francisco Pinto começou a produzir a bebida no mês de junho para oferecer aos clientes da charutaria que tocava. Um licor de jenipapo aqui, outro de maracujá acolá, e os fregueses gostaram tanto das doses que começaram a frequentar o ambiente muito mais pela cortesia do que a procura de charutos.

Após o falecimento de Francisco, o filho Roque Pinto, que na época tinha apenas 18 anos, foi obrigado a assumir a charutaria. Diante de uma grande responsabilidade, o homem que viria a estampar os rótulos do licor mais famoso de Cachoeira decidiu seguir os passos do próprio pai para garantir o sucesso dos negócios da família, e isso incluía continuar produzindo e distribuindo de cortesia as doses da famosa bebida.
Mas o licor era tão bom que a produção teve que ser expandida e começou a ser vendida por causa da grande procura entre os fregueses, antes apenas de charutos, agora consumidores do bom licor.

“De tanto as pessoas insistirem, ele começou a vender o licor. Ninguém dizia que ia na Oceano, que era o nome da fábrica, todo mundo só dizia que ia ‘lá em Roque Pinto’. Roque Pinto, Roque Pinto, então ficou como Licor Roque Pinto. Mas somente agora, na gestão do filho dele, Roseval Pinto, que ele decidiu patentear a marca. Já tem mais de 10 anos que o Licor Roque Pinto é uma marca registrada”, disse Dona Cida, esposa de Roseval Pinto.
Receita especial
Roseval, ou apenas Rose, como ele mesmo faz questão de ser chamado, é a terceira geração a comandar a fabricação dos licores. E o produtor faz questão de seguir à risca a cartilha do pai e do avô para garantir o sucesso na venda dos produtos. Rose contou ao Acorda Cidade que, mesmo depois de um século, a receita original do licor de jenipapo ainda faz muito sucesso.

“Ele é o principal porque, quando começou tudo, era só comercializado o de jenipapo e o de maracujá. A pedido dos amigos, a gente foi colocando outros sabores, porque tornou-se já um vício do cliente, quando chega aqui, perguntar: ‘E aí, qual é o lançamento deste ano?’ E a gente acabou se enquadrando com isso, a cada ano produzir um sabor diferente. E até eu sou cobrado”, disse.
Rose continuou: “Além do de jenipapo, tem uns sabores inusitados, como o licor de pimenta, que foi uma criação de meu pai. Na época, achei que ele estava avariado, já estava chegando na idade, mas não, foi um sucesso e hoje ainda é um licor bastante pedido. Tem o licor de La Crème e, em homenagem a meu pai, eu também lancei o ‘Pinturula’, que tem um sabor muito gostoso. 80% dele é o leite de gado, uma das coisas que meu pai gostava muito e isso me inspirou nessa fabricação”.

O proprietário do Licor Roque Pinto explicou que um sabor especial já está sendo desenvolvido para ser lançado em 2026. Preocupado com as palavras para não estragar a surpresa, Rose adiantou que a novidade do cardápio sairá da mistura de uma fruta com um ingrediente bem conhecido, que é produzido por um inseto.
Um procedimento secular
Rose disse que muitas pessoas ficam curiosas para entender como é o processo de fabricação dos licores Roque Pinto e adiantou que não “é nada de outro mundo”. O gestor disse que o segredo da fabricação está em unir paciência, amor e mãos da família, tudo isso junto em um procedimento que valoriza a qualidade da matéria-prima.
“Tudo começa com uma boa fruta. Se você tem uma boa fruta, você faz um bom suco. Se precisar de uma infusão, a gente coloca na infusão. Se precisar de uma maturação, a gente bota no processo de maturação. E aí vai. E a fruta, por si só, vai dizendo o que ela quer, e a gente vai só adicionando. E o final é sempre alguma coisa maravilhosa”, disse Rose.

Questionado sobre qual é o segredo do sucesso do Licor Roque Pinto, Rose demonstrou muita humildade ao descrever que a garantia da boa fama vem do esforço e do trabalho desenvolvido há mais de 100 anos, apostando na tradição.
“Isso garante sabor e qualidade. Você trabalha com a fruta da região, você pensa, em primeiro lugar, na qualidade do produto, e depois você vê o resto. O resto é o lucro daquilo que você está produzindo. E, no fundo, tem assim aquele toque especial de um avô, de um pai, de uma família no meio. Então isso enriquece muito o nosso licor, a tradição de saber fazer”, disse Rose.

O segredo do sucesso
Em todos os momentos da conversa com Rose ficou evidente o quanto a família é a base que sustenta a empresa. Sabendo da responsabilidade que carrega, ocupando um cargo que já foi do próprio pai e do avô, que começou tudo lá no século XX, Rose falou da satisfação em saber que está tocando um legado que provavelmente será seguido pelo filho, que já trabalha na fábrica.

“No início, quando eu recebi a notícia que meu pai faleceu, parecia que o chão abriu, eu entrei. Eu não sabia de nada, mas depois comecei a ter aquela responsabilidade de dar sequência àquilo que eles construíram. É um peso grande, mas depois, com o passar do tempo, vai se conformando. Isso serve de exemplo para outras famílias. Os nossos pais não vão embora, eles deixam um legado com a gente que permanece o tempo todo conosco. A gente sente a presença em todos os atos e toques. É isso que faz a gente ter um legado e continuar com ele por muitos e muitos anos, assim como meu filho está aqui comigo agora”, concluiu Rose.
Reportagem escrita pelo estagiário de jornalismo Jefferson Araújo sob supervisão
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