Lobby empresarial suspendeu a eleição do Conselho de Meio Ambiente de BH, avaliam especialistas

Ambientalistas de Belo Horizonte denunciam que a suspensão da eleição do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), que estava prevista para acontecer no dia 13 de junho, é fruto de um lobby — pressão — organizado por entidades vinculadas ao empresariado da capital mineira. 

O processo contava com 82 organizações da sociedade civil inscritas, com recorde de candidaturas vinculadas à pauta da defesa ambiental. Dessas, 62 chegaram a ser homologadas. Em 2021, quando aconteceu a última eleição do Comam, foram apenas 32.

Para o engenheiro ambiental Felipe Gomes, a suspensão do processo de escolha representou um “ataque à democracia”, já que a quantidade de entidades credenciadas indica a insatisfação da população com a atual composição e decisões tomadas pelo conselho. Dessa forma, impedir a realização da nova eleição, na avaliação dele, seria uma forma de “acobertar” o desagrado popular. 

“O Comam se tornou um órgão que aprova supressão de árvores, eliminação de nascentes e intervenção em área de preservação permanente.  O conselho está deixando a cidade cada vez mais cinza, atendendo aos interesses da especulação imobiliária e de quem lucra com a economia marrom e nada sustentável. A suspensão da eleição é um ataque à democracia e aos belo-horizontinos”, comenta. 

Atuação de entidades empresariais

Na avaliação de Nunes, o recorde de candidaturas ambientalistas ajuda a explicar a interrupção do processo, que aconteceu após movimentação de entidades vinculadas ao empresariado, como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL), a Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas) e a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (Federaminas). 

As entidades protocolaram quase 20 pedidos de recursos para tentar inabilitar parte das demais organizações habilitadas para disputar as vagas do segmento de desenvolvimento econômico do conselho. O argumento era de que as organizações não têm relação com o setor. 

Atualmente, o Comam é composto por sete representantes do poder público municipal e sete da sociedade civil. Os últimos compreendem duas entidades de defesa do meio ambiente, duas de promoção do desenvolvimento econômico, uma de categorias de profissionais liberais, um representante de universidades e um representante de sindicato de trabalhadores de categorias profissionais não liberais.

Para Nunes, a tentativa de inabilitação de entidades como a aKasulo, que, entre outras coisas, visa a inclusão da comunidade LGBTI+ no mercado de trabalho, sob a argumentação de que a organização não tem relação com o tema do desenvolvimento econômico, é um “contrasenso”. 

“Você vai falar que uma cooperativa de reciclagem, uma entidade focada no fomento à agroecologia,  uma entidade que atua pela inclusão de pessoas LGBTQIAPN+ no mercado de trabalho e outra que atua com a capacitação de pessoas em situação de rua não atuam pelo desenvolvimento econômico? De qual desenvolvimento econômico nós estamos falando?”, questiona o engenheiro ambiental.  

“Só se estivermos falando do desenvolvimento econômico que lucra com a supressão de árvores e nascentes, com poluição e com concreto. Um desenvolvimento econômico social, que propõe ações voltadas à economia verde, como a reciclagem, deveria sim ocupar o Comam”, continua. 

Suspensão da eleição

Após a série de recursos, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) suspendeu o processo, com a argumentação de que queria evitar a judicialização da eleição. A PBH prorrogou o mandato dos atuais conselheiros representantes da sociedade civil por mais seis meses e disse que irá publicar um novo edital. 

Felipe Gomes era candidato a ocupar uma vaga no Comam pelo Sindicado dos Engenheiros de Minas Gerais (Senge), uma das entidades questionadas pela Fiemg. Atualmente, o Senge já é membro do conselho, mas, mesmo assim, foi inabilitado de participar do processo deste ano, após o recurso da federação ser acolhido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA). O ambientalista teme que, com um novo edital, as entidades sejam novamente impedidas de participar. 

“É um absurdo. Fizeram isso, inclusive, sem permitir a ampla defesa e o espaço ao contraditório. É uma afronta à Constituição. As candidaturas de ambientalistas e de entidades ligadas a um novo modelo econômico fazem enfrentamento direto à economia que nos colocou neste cenário de emergência climática. E os setores que lucram com a mineração, com a especulação imobiliária e com a ocupação de áreas de preservação não concordam”, avalia o engenheiro ambiental. 

Após a suspensão, o processo foi de fato judicializado, com a impetração de dois mandatos de segurança, que pedem a reversão liminar da decisão da PBH, e de uma Ação Popular, de autoria da deputada federal Duda Salabert (PDT).  

Na segunda-feira (16), a Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) também enviou um pedido de informações à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) e ao Comam, assinado pelos vereadores Bruno Pedralva (PT), Juhlia Santos (Psol), Luiza Dulci (PT), Pedro Patrus (PT) e Wagner Ferreira (PV).

Mobilização ‘assustou’ os poderosos

Para Márcia Marques, mestre em geografia e análise ambiental e coordenadora de integração do projeto Manuelzão do Instituto Guaicuy, até agora, a atuação do poder público foi desanimadora. 

“É tão difícil a sociedade civil conseguir se organizar. E aí vem o poder público, por meio do Executivo, e acaba por desfazer todo o processo. Isso é muito ruim, porque dá uma sensação de impotência. As pessoas se organizaram porque elas não concordam com as liberações do conselho e vêm as instituições que têm dinheiro, que são, na verdade, detentoras do poder, e acabam por desfazer esse processo”, lamenta. 

A ambientalista ainda avalia que a suspensão da eleição indica que a atual composição do conselho e até mesmo a prefeitura se “assustaram” com a amplitude da mobilização popular. 

“Eles já estão acostumados com a composição do conselho. Quando chegou esse número grande de pessoas inscritas, se assustaram. Não assustou uma ou outra organização, mas todo o processo, inclusive o próprio poder público, que não estava aguardando que tivesse um interesse tão grande da sociedade civil. E, consequentemente, buscaram os caminhos que eles tinham de atrapalhar esse processo. A participação da população não é benquista por alguns setores”, explica. 

“O perfil das candidaturas era de pessoas que estão realmente acompanhando os problemas ambientais da cidade. Não só os ligados ao setor industrial, como mineração, mas também vários processos vinculados à expansão urbana. Por isso que, para eles [empresariado], não é interessante ter um conselho que realmente seja atuante e que cobre estudo de impacto ambiental, licenciamento sem ser simplificado, etc”, finaliza. 

O outro lado

O Brasil de Fato MG procurou a PBH para comentar sobre as denúncias. A matéria será atualizada caso haja um posicionamento.

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