Padres de Parintins torcem por Caprichoso e Garantido e atuam com fé e respeito em territórios rivais


Na tradição de Parintins, padres vivem a paixão pelo boi-bumbá e fortalecem a fé que une a cidade. Em Parintins, padres apoiam Caprichoso e Garantido enquanto trabalham em áreas diferentes
Matheus Castro, g1 AM
Em Parintins, a fé dança ao som da toada, e a devoção não cabe só nos altares. Aqui, até os padres têm um boi preferido. O vermelho do Garantido pulsa no peito do padre Luiz Carlos Oliveira, mesmo quando ele celebra missas a poucos passos do curral Zeca Xibelão. Já o azul do Caprichoso brilha nos olhos do padre Benedito Teixeira, mesmo do lado Garantido da cidade. Porque na ilha do boi-bumbá, o sagrado e o popular se abraçam como uma só crença.
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O Festival de Parintins começa nesta sexta-feira (27) em uma ilha no Rio Amazonas, na fronteira entre os estados do Amazonas e do Pará.
No Bumbódromo, Caprichoso e Garantido se enfrentam em uma disputa que move corações: o boi azul vem com o tema “É tempo de retomada”, enquanto o vermelho defende “O boi do povo, o boi do povão”.
Mais de 120 mil pessoas são esperadas para viver esse espetáculo, onde a fé também é consagrada em forma de festa.
Desde o início, a história dos bois e do próprio festival se misturam com a fé e a religiosidade popular. Isso porque, tanto Caprichoso quanto Garantido nasceram de uma promessa para São João. Já o festival surgiu de uma campanha para reerguer a Catedral da cidade.
ENTENDA: A fé em São João que deu vida aos bois Caprichoso e Garantido em Parintins no AM
Padre torcedor do Garantido ❤️
Religioso é Garantido e mora no Palmares.
Matheus Castro/g1 Amazonas
É nesse contexto que o padre Luiz Carlos Oliveira, de 37 anos, vive um dilema peculiar. Há dez anos na vida sacerdotal, ele é pároco da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, no bairro Palmares — reduto Caprichoso e a menos de 200 metros do curral azulado. Mas sua alma, essa é toda “encarnada”.
“Uma paixão que eu tenho pelo Garantido, né, sempre foi desde criança a minha paixão pela história, pelo boi. Não sei explicar o motivo, mas isso já veio do berço. Minha família toda garantida e eu mais ainda. Quando eu estava estudando, eu até fiz um estudo sobre os bois, e gostei ainda mais da história do meu boi”.
Igreja em Parintins, onde padre encarnado atua.
Matheus Castro/g1 Amazonas
Transferido em 2021 para o bairro do boi contrário, o padre garante que, apesar da convivência próxima com o “contrário”, seu coração não muda de lado.
“Como todo bom garantido, não deixo me contaminar com esse pessoal daqui, né? Eu estou sempre vermelho, continuo vermelho e vou sempre ser vermelho. Os fiéis brincam: ‘Seu único defeito é ser perreché!’ Eu sou perreché mesmo, não nego minha origem”.
Para ele, a relação entre fé e boi é profunda — mais do que muitos imaginam. O estudo que fez antes de se tornar padre reforçou essa visão.
“O boi e a fé têm muito mais coisas que os ligam do que se pensa. Até as cores combinam. A história do boi, com morte e ressurreição, se liga à história de Jesus. Eu não trato como profano, mas como algo que ajuda a compreender a fé que vem das origens do povo, dos nossos ancestrais”.
Padre torcedor do Caprichoso ⭐
Padre é Caprichoso desde pequeno
Matheus Castro/g1 Amazonas
Do outro lado da cidade — e do festival — está o padre Benedito Teixeira, de 60 anos, torcedor do Caprichoso com orgulho. Vigário da paróquia São José, na Baixa do São José, lado Garantido da cidade, ele não esconde sua torcida pelo boi azul.
“Todo mundo que nasceu em Parintins tem um boi. Eu tenho 60 anos e desde pequeno, seguindo minha mãe, que tem 93, mantemos esse amor pelo Caprichoso. Isso faz parte da nossa história”, disse.
Mesmo como sacerdote, ele acredita que assumir sua identidade cultural aproxima ainda mais a comunidade da igreja.
“Existe uma escala de prioridade: Deus, minha missão, meu trabalho. Mas a parte cultural é forte e presente. A gente tem que ser autêntico. A comunidade respeita quando sabe quem a gente é”.
Além de acompanhar o boi, ele também celebra missas nos galpões e abençoa os artistas.
“Faço no Caprichoso sempre a missa nos galpões com os artistas. A gente leva a Nossa Senhora do Carmo para visitar os galpões. E digo: quando a Mãe Catarina desejou a língua do boi e o boi morreu, o primeiro a ser chamado foi o padre. Então, o padre faz parte do auto do boi naturalmente”.
Em Parintins, ser de fé é também ser de boi. E entre rezas, ladainhas, toadas e galpões, o sagrado e a cultura se misturam — sem perder a essência.
Padre torcedor do Caprichoso trabalha em paróquia do lado Garantido da cidade
Matheus Castro, g1 AM
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