O colecionador de arruelas: simbolismo e mitologia

“Arruelas”, da série “Em Conserva”, Recipiente contendo arruelas. Isaac, 2022.

Uma coisa que acontece sempre comigo é achar arruelas. Não importa o lugar, momento ou circunstância, de um modo ou de outro, sempre acabo encontrando arruelas no caminho. Como artista não poderia perder esta oportunidade e a partir de um dado momento, pelo sim ou pelo não, comecei a recolhê-las e já tenho uma coleção delas.

Para dar-lhes sentido agrupei-as e contive em um recipiente integrando-o a uma de minhas séries artísticas nomeada “Em Conserva”.

Um aparte: esta série é constituída por vários recipientes que “conservam” coisas que, usualmente não teriam necessidade de serem conservadas ou preservadas e seriam, portanto, descartadas já que sua guarda, duração ou manutenção não traria efeito prático nenhum, mas em termos artísticos não deixa de ser uma proposição bem interessante.

A imagem que abre este artigo mostra o recipiente e, em torno dele, algumas arruelas encontradas durante o período em que esta peça participava de uma exposição.

Voltando às arruelas. Caso alguém não tenha conhecimento da existência, função ou importância delas no mundo farei uma breve preleção:

Arruela é um objeto de tamanho variável e pequena espessura, configurado no formato circular ou de disco, com um orifício central.

É feito geralmente de metal, plástico, borracha entre outros materiais.

Sua função técnica normalmente é a de distribuir a carga de um parafuso ou porca sobre uma área maior do que a que o circunda para diminuir o risco de danos à superfície na qual está alocada e promover uma fixação mais eficiente.

Também tem a função de limitar a possibilidade de soltura do parafuso em situações de muita vibração ou excesso de uso.

Sua aplicação é comum em máquinas, aparelhos e ferramentas que necessitam de conexões, junções ou fixação por atarraxamento sob pressão.

Tendo em vista tais características e condições “arruelísticas” há algumas questões que me levam a refletir a respeito delas.

Antes devo esclarecer que não tinha qualquer interesse nelas, elas viviam sua vida e eu a minha, contudo, o fato de encontrá-las com certa frequência suscitou várias perguntas. A mais óbvia é: como elas se soltam?

Além disso, por que também não encontro as porcas ou parafusos que estariam junto delas? Outra pergunta, não tão óbvia, é: por que eu as encontro?

Não procuro, acho

O que me intriga é que, entre as pessoas que conheço, nunca ouvi nenhuma delas relatar a “habilidade” de achar arruelas, me intriga também o fato de ser capaz de encontrar arruelas e não encontrar, por exemplo, moedas que são tão circulares quanto elas, mas nunca rodam em minha direção ou vão se postar à minha espera em caminhos que, supostamente, passarei em algum momento, algum dia.

Enfim, deve haver alguma explicação para isto, é de se supor ou imaginar que exista.

Contudo, rememorando os vários momentos em que aconteceu de encontrar arruelas, não me pareceu, até agora, que houvesse algo inusitado, diferente ou distintivo que me levasse a estes achados, mas como lido com Arte, é possível criar relações de sentidos e significação que possam intuir, justificar ou, pelo menos, aventar motivos para a ocorrência de tais eventos, neste caso, é possível levantar algumas hipóteses.

Uma dela seria admitir ter uma espécie de magnetismo específico ou restritivo que só possibilitaria achar arruelas e nenhum outro objeto metálico, não mencionei antes que a maioria das que encontro são de metal e, em geral, desgastadas, prejudicadas pelo uso, pelo atrito ou oxidação, logo, sem qualquer valor.

Uma “prova” deste “magnetismo” é o fato de ter aumentado a incidência de encontros de arruelas durante o período em que o recipiente das arruelas participava de uma mostra como disse.

Outra hipótese, já que não há nenhum valor material envolvido nestes achados, pode-se aventar outra hipótese e, neste caso, muito mais interessante que seria buscar, por meio da Arte ou do contexto simbólico, identificar ou atribuir valores subjetivos que as arruelas pudessem ter, representar ou significar. Para isso basta querer… e crer…

Seguindo esta linha de especulação é possível partir da configuração “arruelística”, pois não há como ignorar que elas possuem forma de Círculo ou Disco.

Como se sabe a forma circular no contexto simbólico, místico e esotérico evoca sentidos e poderes presentes em várias crenças e culturas desde tempos imemoriais, logo, esse é um caminho promissor.   

Ao tomar seu aspecto técnico, a função de unir as coisas, pode-se inferir alguns aspectos simbólicos como a ideia de junção, união, conexão promovendo sentido de estabilidade, equilíbrio e proteção, portanto estariam destinadas a representar ou sugerir valores deste tipo.

A mitologia dos círculos

Nos contextos mitológicos é comum encontrar círculos cuja representação simbólica fazem referências à eternidade, infinitude, unidade, perfeição, totalidade ou conexão com a natureza, a astronomia/astrologia associando o sol a lua e os planetas a discos e ainda conectando-os ao sobrenatural.

A circularidade, por sugerir um elemento que não parece ter começo ou fim, pode ser associada a ciclos contínuos, como o vital: nascimento, vida e morte e, além disso, projetar também o renascimento.

Como forma geométrica, é percebida como estável, unitária, fechada e concisa, portanto, muito boa para representar totalidade, estabilidade e confiança, neste sentido pode significar proteção quando entendida como elemento de contenção ou fechamento, limitando e isolando o que está dentro do que está fora, portanto: proteção.

Em algumas tradições círculos são associados a portais para mediação, transposição ou, no mínimo, meditação. Em várias regiões e religiões as figuras circulares são usadas como referências místicas desde círculos de pedra no ambiente, auréolas, anéis e mandalas. Pois é, quem diria, as arruelas podem ser portadoras de sentidos simbólicos.

Bem, pelo que se vê, é possível associar tais encontros com um grande número de possibilidades esotéricas e potencialmente simbólicas e deixando de lado um certo ceticismo é possível admitir que encontrar arruelas não seria apenas algo fortuito, mas sim positivo e eu seria, portanto, um afortunado e feliz destinatário…

Pelo lado cético e objetivo da realidade nua e crua, sou apenas um simples colecionador de arruelas…

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