Resistência da cultura pesqueira e luta por território marcam celebração no Quilombo do Alto do Tororó (BA)

Na comunidade quilombola do Alto do Tororó, em São Tomé de Paripe, Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA), ancestralidade, cultura e resistência são reafirmadas com muita alegria em mais uma edição da Festa das Marisqueiras e Pescadores. Com mais de 40 anos de tradição, a festa foi resgatada nos últimos anos e, desde 2018, já contou com três edições. A mais recente, realizada no último sábado (28), reuniu dezenas de pessoas com roda de samba, capoeira, bumba meu boi, feira de artesanato e diversas outras atividades numa festa que vai além da celebração — é também o manifesto de uma comunidade que luta pela titulação definitiva do seu território.

“É uma prova de resistência, é um ato político e não se trata só de festa. A gente também usa nossa cultura pra chamar atenção das autoridades para que venham nos ver, nos enxergar. Também pra economia local é muito importante, já que o mangue já não tem mais nada para se tirar, por conta do racismo ambiental“, ressalta Fátima Lima, liderança quilombola do Alto do Tororó.

Para Bárbara Maré, o samba é ferramenta de aquilombamento da comunidade – Foto: Orikí Comunicação

A programação contou com mesas de debate com representantes do poder público, da comunidade e organizações parceiras, comercialização de produtos artesanais e da agricultura familiar, além de exibição de filme, mostra fotográfica, corrida de canoas e diversas apresentações culturais. A liderança quilombola Bárbara Maré, integrante do Grupo das Matriarcas do Samba, destaca a importância da arte para o território e o papel do samba como elemento de fortalecimento da memória viva.

“Eu acredito no samba como ferramenta de aquilombamento e de auto reconhecimento da população quilombola. Pra mim, é também um ato político. O samba nos movimenta e a nossa ancestralidade nos guia”, ressalta.

Demarcação do território

Forjado pelas mãos de pescadores e marisqueiras descendentes de povos africanos escravizados e indígenas Tupinambás, o Alto do Tororó é reconhecido como comunidade remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares desde 2010. Ao longo desses 15 anos, a comunidade aguarda a titulação definitiva de seu território enquanto enfrenta diversos desafios, como a pressão de empreendimentos privados e a presença da Base Naval de Aratu, que restringe o acesso das famílias ao mar — fonte histórica de sustento e identidade cultural.

João Paulo Diogo, da Assessoria Cirandas, coletivo que contribuiu com a organização da Festa em parceria com o grupo Tempero do Quilombo, elenca alguns dos principais desafios atuais da comunidade. “A destruição do manguezal, que representa um impacto significativo na sua segurança alimentar e geração de renda; os dejetos de soja que caem no mangue, apodrecem e comprometem a saúde do manguezal, causando a morte desse ambiente tão estratégico para a biodiversidade marinha; e um processo de sitiamento da Marinha do Brasil, onde a comunidade não tem condição de usufruir da totalidade do seu território”, explica Diogo.

A corrida de canos simboliza a relação ancestral da comunidade com o mar – Orikí Comunicação

Para Fátima Lima, a titulação do Quilombo do Tororó é central para a comunidade voltar a ter direito ao seu próprio território. “A gente espera ansiosamente pela titulação, que é pra garantir que a gente tenha direito a plantar novamente, a ter acesso livre a nossa mata. Porque a Marinha, quando chegou, já nos encontrou aqui. Aqui nós vivíamos da pesca, da mariscagem, da agricultura“, resgata.

O reconhecimento oficial e definitivo do quilombo significa a possibilidade de o território seguir vivo para os seus descendentes.

“Demarcar o quilombo do Alto do Tororó é garantir que haja a preservação da memória negra na cidade, assim como deste espaço que se configura singular por ser uma comunidade tradicional quilombola, pesqueira, de terreiro e extrativista. Manter seu território vivo é garantir que essa comunidade consiga perseverar, garantindo seus modos de vida pra futura geração”, ressalta João Paulo Diogo.

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