
Apesar de grandes empresas estarem reduzindo ou encerrando as ações afirmativas, outras estão indo na contramão e aumentando as oportunidades para mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e LGBTQIAPN+. Fim dos programas de diversidade? Como movimento dos EUA pode chegar ao Brasil
Como mostrou o g1 nesta sexta-feira (4), uma série de empresas norte-americanas restringiram ou acabaram com os programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca. E os efeitos já se mostram no Brasil.
Mas algumas empresas vão na contramão da tendência e estão aumentando as oportunidades para mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e LGBTQIAPN+.
Especialistas ouvidos pelo g1 reforçam que programas de diversidade eficazes não se limitam à contratação, e devem incluir plano de carreira, mentoria, políticas internas e acompanhamento para garantir o crescimento profissional de pessoas que fazem parte dos grupos minoritários.
🤔 Mas por que os programas de diversidade são tão importantes? Ações voltadas à promoção de oportunidades para grupos minoritários desempenham um papel essencial para corrigir desigualdades históricas e promover inclusão social no mercado de trabalho.
Programas de diversidade estão acabando? Entenda como o movimento dos EUA pode chegar ao Brasil
Segundo Natália Paiva, diretora do Movimento pela Equidade Racial (Mover), a ideia é que as políticas de inclusão não ofereçam apenas oportunidades de emprego, mas também garanta que essas pessoas possam ocupar cargos de liderança e influenciar em decisões importantes.
A representatividade é crucial para valorizar e reconhecer esses grupos, trazendo benefícios sociais e financeiros. A inclusão enriquece o ambiente de trabalho, promovendo um senso de pertencimento e autoconfiança entre os funcionários.
“Não se trata apenas de justiça social, mas de performance financeira. Empresas diversas atraem mais talentos e têm melhor reputação. O que queremos é acelerar essa agenda de forma consistente e estruturada”, completa a especialista.
Neiva Alves, da consultoria Carreira Preta, destaca que, apesar da resistência de algumas corporações – especialmente multinacionais que evitam divulgar vagas afirmativas por pressão das matrizes no exterior – há avanços consistentes.
A especialista ressalta que essas ações não são apenas simbólicas: a presença de profissionais negros em cargos de liderança traz representatividade e serve de inspiração para que mais pessoas de grupos minorizados se sintam pertencentes e capazes de alcançar espaços historicamente negados.
“Ter pessoas pretas dentro de grandes empresas, de grandes multinacionais, é uma representatividade para o nosso povo preto. É uma representatividade de ter pessoas pretas em locais onde antes não se via. Isso dá um conforto maior”, afirma Neiva Alves.
A pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Juh Círico, destaca que não basta contratar pessoas que fazem parte dos grupos de minorias sociais. É preciso garantir condições para que esses profissionais permaneçam e avancem na hierarquia corporativa.
Ao aderirem a esses programas, as empresas ajudam a romper barreiras históricas e promovem a reparação social, permitindo que pessoas negras, indígenas, com deficiência, LGBTQIAPN+, e pessoas 60+ acessem e se sintam pertencentes ao ambiente corporativo.
Trabalhadoras destacam a importância dos programas de diversidade para avançar no mercado de trabalho
Arquivo Pessoal/Reprodução Redes Sociais
👩🏾🎓 Programas de diversidade ‘mudam vidas’
Um exemplo de profissional que chegou a um cargo de liderança graças as ações afirmativas é Bianca Bastos, de 27 anos, que é coordenadora nas áreas de venda e distribuição da Heineken.
Formada em psicologia com o Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento ao Estudantil (Fies) do governo federal, por muito tempo Bianca sempre foi a única mulher negra nas áreas de recursos humanos (RH) por onde passou.
Isso despertou nela a vontade de construir um time diverso. Durante a trajetória no mercado corporativo, Bianca passou por todas as etapas profissionais: foi jovem aprendiz, estagiária, assistente de recursos humanos, analista júnior, pleno e sênior, até chegar ao cargo de coordenação.
Atuando na Heineken há cerca de três anos, a profissional chegou à empresa em 2022 como analista pleno no centro de distribuição de Aracaju, no Sergipe. No ano seguinte, foi promovida para analista sênior e transferida para a fábrica de Alagoinhas, na Bahia.
No ano passado, por meio de processos seletivos internos, passou para o cargo de coordenação e mudou-se para São Paulo. “Hoje eu cuido de quase 700 pessoas, de forma direta e indireta, olhando para toda capital paulista e região metropolitana”, explica.
Ela lidera uma equipe com diversidade racial e de orientação sexual. “Eu não queria construir um RH homogêneo. Meu sonho sempre foi ter um time diverso, e hoje tenho muito orgulho de dizer que consegui”, explica a profissional.
Para Bianca, representatividade importa porque inspira outras mulheres negras a acreditarem que também podem chegar lá. Além disso, ela reconhece que chegar a um cargo de coordenação aos 27 anos só foi possível graças à existência de vagas afirmativas.
Bianca Bastos, coordenadora nas áreas de venda e distribuição da Heineken, sobre a importância da representatividade nas empresas.
Arte g1
“Eu me vejo nesse lugar de missão, de representatividade para deixar um legado. Então, a tocha, ela não pode ficar na minha mão, ela tem que ser passada. Eu vivo todos os dias para passar essa tocha para outras meninas”, finaliza Bianca.
Outro exemplo parecido é Niellen Santos, de 34 anos, que é coordenadora de governança e processos comerciais na Bayer. Formada em administração, ela é ex-participante do programa de trainee para lideranças negras da empresa.
Antes de chegar na Bayer, Niellen passou por um período de estagnação na carreira. Isso porque, mesmo sendo qualificada, ela não conseguia crescer profissionalmente. Até que, em 2022, ela se deparou com uma propaganda do programa de trainee para lideranças negras.
Niellen conta que o que a motivou a se inscrever no programa foi ver uma mulher negra ilustrando a campanha — e, mais do que isso, saber que se tratava de uma funcionária da empresa.
“Fiquei impactada porque não era simplesmente uma artista contratada para ilustrar, era uma pessoa de dentro da companhia”, lembra a profissional. O programa de trainee teve duração de um ano e meio, onde Niellen liderou um projeto estratégico.
Essa foi a primeira vez em que ela teve autonomia para idealizar e conduzir um projeto, reportando diretamente a diretores da empresa. Niellen lembra que o programa “foi um divisor de águas na carreira e na vida pessoal”.
Hoje, como líder, ela coordena uma equipe formada por pessoas negras, trans e de áreas periféricas — um reflexo do compromisso com a inclusão. “Me brilha o coração ter autonomia para compor um time com histórias que eu posso ajudar a transformar”, diz.
Niellen destaca que sonhar e alcançar cargos de liderança é possível, quando existem políticas que rompem o ciclo de exclusão. Para ela, as políticas de inclusão são fundamentais para acelerar mudanças na sociedade e abrir caminhos para profissionais de minorias sociais.
Segundo ela, essas iniciativas foram determinantes para sua trajetória, oferecendo oportunidades que antes pareciam inalcançáveis. Ela defende que ações afirmativas são essenciais para corrigir desigualdades históricas e impulsionar o desenvolvimento de talentos.
Ela ressalta que diversidade vai além de uma causa social — é também uma estratégia que impulsiona inovação e melhora os resultados das empresas.
Niellen Santos, coordenadora de governança e processos comerciais na Bayer, sobre os programas de diversidade.
Arte g1
Quem também conquistou um espaço no mercado corporativo com vagas afirmativas foi Maria Carolina Cardoso, de 43 anos, que é formada em Comércio Exterior na Universidade Estadual de Pittsburgh, nos EUA, e em Logística aqui no Brasil na ESAMC.
Diferentemente de Bianca e Niellen, Maria não está em um cargo de liderança. Atualmente, ela atua como compradora plena na Prysmian,uma multinacional do setor industrial, sendo responsável pela operação de fretes nacionais e internacionais na América Latina.
Apesar da qualificação e experiência no exterior, Maria relata ter enfrentado inseguranças no início, temendo que sua contratação fosse vista apenas como resultado de uma política de cotas.
Com o tempo, entendeu que toda a sua competência e trajetória também foram determinantes. “Foi importante o programa, sim, ele me abriu portas. Mas eu também sou capaz”, afirma.
A profissional ainda destaca o impacto positivo de ser a única mulher negra retinta em seu departamento e como isso inspira outras profissionais.
Maria Carolina ressalta que as iniciativas inclusivas são fundamentais para garantir oportunidades e acelerar mudanças estruturais dentro das empresas.
Maria Carolina Cardoso, compradora plena na Prysmian, sobre os programas de diversidade.
Arte g1
Já a trajetória Mariana Alves, de 31 anos, é marcada pelo compromisso com a educação e a luta por inclusão. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), além de mestrado e doutoranda pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília.
A profissional hoje atua como analista de educação do Instituto Sonho Grande. A contratação se deu por meio da Consultoria de Diversidade Étnico-Racial Carreira Preta. “Até então, achava que boas oportunidades estavam muito distantes de mim, apesar da minha formação.”
Mariana afirma que ser entrevistada por profissionais sensibilizados com desigualdades estruturais fez toda a diferença. “Ambientes que valorizam a diversidade fortalecem o senso de pertencimento e mostram o poder da representatividade”, afirma.
Para a educadora, as políticas de inclusão são fundamentais para criar acesso a oportunidades e corrigir distorções históricas. “Apenas com ações afirmativas as empresas se comprometem com a progressão de carreira de mulheres negras e outros grupos minoritários”.
Mariana Alves, analista de educação do Instituto Sonho Grande, sobre os programas de diversidade nas empresas.
Arte g1
Mariana também defende a criação de legislações mais rigorosas para garantir a efetiva inclusão, e cobra dos gestores um papel ativo: “Não basta contratar. É preciso acompanhar, acolher e garantir que essas pessoas tenham as mesmas condições de crescimento”, completa a profissional.
SAIBA MAIS
Por que tantos profissionais preferem se demitir a deixar o home office?
Conheça o ‘Chronoworking’, método de trabalho que segue o ritmo biológico