Paraná registrou 70 mil casos de violência contra mulheres em 2024

Em 2024 foram registrados mais de 70 mil casos de mulheres vítimas de violência no Paraná, mais de 50 mil pedidos de medidas protetivas, segundo a delegada Luciana de Novaes, que comanda às 21 Delegacias da Mulher do Estado. Esses são dados que foram apresentados durante a audiência pública “Violência Política de Gênero” ocorrida na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). A discussão ocorre uma semana antes do Dia Estadual de Combate ao Feminicídio (22 de julho) e traz relatos de mulheres e parlamentares alvo de violência no legislativo e tentativa de silenciamento nos espaços que ocupam.

O Mapa da Segurança Pública de 2024 mostra que sete mulheres foram mortas por dia no Brasil. No Paraná, no primeiro semestre de 2024, o estado registrou 168 casos (69 consumados e 99 tentativas), sendo o segundo estado com mais ocorrências no período. Já neste ano, o Laboratório de Estudos de Feminicídios da UEL (Universidade Estadual de Londrina) contabilizou 87 feminicídios até março.

No próximo dia 22 de julho, é Dia Estadual de Combate ao Feminicídio. A data foi definida em memória à morte da advogada Tatiane Spitzner, de Guarapuava, vítima do crime. A data será marcada pela realização da 3ª Caminhada do Meio-Dia contra o Feminicídio, promovida pela Secretaria de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa (Semipi), do Governo do Paraná. Mais de 150 cidades confirmaram participação.

Parlamentares alvos de ataque institucional e social

A violência institucionalizada foi um dos focos do debate. Ana Júlia, deputada estadual do PT, disse que é necessário cada vez mais dar espaço e voz para as mulheres se manifestarem politicamente, ainda mais que “a gente acompanha cotidianamente alguma forma de violência de gênero nestes espaços. Sem mencionar a dificuldade de acessar posições de poder na nossa sociedade. Não é à toa que a gente tem dados alarmantes sobre feminicídio e violência de gênero”, observa a parlamentar que é alvo de um pedido de cassação do deputado bolsonarista Ricardo Arruda (PL) após ser denunciado por faltas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Já Camilla Gonda, vereadora em Curitiba do PSB, está em seu primeiro mandato. A parlamentar, de 24 anos, abordou a violência que ocorre no plenário como reflexo daquela que se reproduz de forma velada na sociedade. “A violência velada e a institucional são uma das piores. Ainda mais quando não há amparo do poder público, inibindo o combate”, criticou. A vereadora ainda denunciou o fato de ter sido constrangida nos bastidores por seus pares a “não divulgar essa violência que aconteceu. E o pior de tudo é o silenciamento”, comentou.  Assim como Ana Júlia, Gonda responde a sindicâncias por seus posicionamentos na Câmara Municipal.

A deputada federal Carol Dartora (PT-PR) é alvo de machismo e racismo desde a época em que era vereadora na capital paranaense. Segundo ela, falar do tema é abordar toda a sua trajetória. “Antes mesmo de assumir cargo como a primeira vereadora negra de Curitiba, eu já sofria ameaças de morte. Sai de uma ‘vida comum de professora de história’ para ter medo de ser morta por representar as mulheres”, se indignou. “Dentro de uma estrutura machista, o espaço público foi negado às mulheres. Nós ocupando esses espaços, somos corpos sujeitos a sermos atacados”, refletiu. A parlamentar foi alvo de 43 ameaças de morte desde que iniciou a vida pública.

Outro relato de violência de gênero foi feito pela vereadora Miss Preta, de Pinhais (PR), que está em seu primeiro mandato.  “Assim que tomei posse, eu já sofri o primeiro ataque. Mas eu adotei uma estratégia diferente. Eu quero ser marcada pela vereadora que trabalha pelo município. Mas eu percebi que se a gente se cala, a violência aumenta”, se emocionou. Ela foi alvo de ataques racistas na internet e leu algumas dessas agressões na audiência pública.

Violência e silenciamento

A delegada Luciana de Novaes, chefe da Divisão de Polícia Especializada, falou do alto índice de violência no estado. Ela coordena as 21 Delegacias da Mulher do Paraná. Para Luciana, não há espaços de representatividade garantidos. “Quando nós ocupamos espaços de gestão pública, conseguimos efetivar perspectivas de realidades para mulheres. Em especial na segurança pública. Pois, ao ocupar o espaço, a gente se preocupa com a qualidade do atendimento, com o rigor da investigação, ter um olhar sobre a perspectiva de gênero”, defendeu.

De acordo com o desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), é necessário que todos os setores públicos e privados tenham compromisso no combate à violência de gênero. Ele citou que o TRE promoveu a cassação de chapas eleitorais que não cumprem a cota mínima de 30% das candidaturas.

Para a Dra. Daiana Allessi Nicoletti Alves, advogada, professora, doutoranda em Tecnologia e Sociedade pela UTFPR, vice-presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB/PR e integrante do Coletivo Todas da Lei, “não há democracia real quando há exclusão de mulheres dos espaços de poder e decisão”.

A audiência contou com a participação da Dra. Desiree Salgado, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e doutora em Direito do Estado. Ela trouxe reflexão sobre os custos da violência de gênero em relação aos direitos fundamentais e individuais. Desirre ainda destacou o papel das redes de apoio. “A política sempre foi identitária. Ela sempre foi masculina/branca/proprietária. A minha luta é para que ela tenha mais identidades”, observou.

Marilda Ribeiro, advogada e representante do Coletivo de Mulheres do PT Paraná, trouxe uma reflexão sobre o controle dos corpos a partir da legislação. Segundo ela, a violência é um processo histórico em que as mulheres eram excluídas dos processos decisórios e jurídicos. Ela listou legislações passadas em que o homem determinava sobre o corpo das mulheres. “Nossa legislação, nosso Estado, legitimou esses absurdos porque as mulheres não estavam lá para decidir”, destacou Marilda reforçando a necessidade de pluralidade nos partidos políticos. “Querem nos retirar, nos desencorajar. Querem a nossa desistência porque querem os direitos e privilégios que tinham sobre nós, sobre nossos corpos”, conclui Marilda.

O encontro ainda teve a participação da Dra. Symara Motter, promotora de Justiça e presidente da Associação Paranaense do Ministério Público, Dra. Tailaine Cristina Costa, advogada, professora e integrante do Observatório de Violência Política Contra a Mulher.

Assista audiência pública sobre a violência política de gênero

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