População de Porto Alegre será ouvida sobre a privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos

Movimentos sindicais e sociais lançaram oficialmente, nesta quarta-feira (16), o plebiscito popular contra a concessão e privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), em frente à sede do departamento na rua 24 de outubro, em Porto Alegre.

A iniciativa se articula à campanha nacional pela redução da jornada sem redução de salário, pelo fim da escala 6×1 e pela taxação dos super-ricos, denunciando os impactos da privatização da água e do saneamento.

Coordenador no RS do plebiscito nacional, Lucas Monteiro enfatiza que a defesa do Dmae público está diretamente ligada à mobilização por justiça fiscal e trabalhista. “Nós somos a favor das nossas estatais, precisamos fortalecer uma água pública de qualidade para a população de Porto Alegre”, afirma.

Monteiro ressalta a coerência entre os que se opõem à taxação dos super-ricos, defendem a superexploração dos trabalhadores, como a escala 6×1, e apoiam a privatização do Dmae, destacando a dimensão de classe presente na disputa. “O povo trabalhador precisa entender, e isso precisa ser construído com o povo de Porto Alegre, a necessidade de pautar os nossos bens públicos, uma gestão de qualidade dessa estatal que é tão importante, que tem um histórico de luta na cidade.”

Segundo ele, onde houver urna do plebiscito nacional, haverá também uma urna para o plebiscito do Dmae, em parceria com o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), a Frente em Defesa do Dmae e demais envolvidos na luta.

Lucas Monteiro é coordenador estadual do Plebiscito popular nacional – Foto: Jorge Leão

Instrumento de mobilização

Diretor do Simpa e membro da coordenação da Frente do Povo em Defesa do Dmae Público e Estatal, Edson Zomar aponta o plebiscito como uma poderosa ferramenta de mobilização. “Estamos realizando hoje um ato de lançamento oficial do plebiscito contra o processo de concessão e privatização do Dmae.”

Zomar explica que a iniciativa se refere diretamente ao projeto de lei enviado pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) à Câmara de Vereadores, cuja votação está prevista para setembro. O objetivo é ampliar o debate público e conscientizar a população para impedir que o Dmae público se transforme em empresa privada por meio de concessão. “Não será nem um negócio privado, será, na verdade, transformar a cidade em refém de um monopólio privado de uma área tão vital como a água e o saneamento, que também é uma questão de saúde pública”, alerta.

Ele destaca que essa é uma luta de toda a cidade, não apenas dos servidores municipais, e que o plebiscito é parte de uma estratégia mais ampla de mobilização, com audiências públicas e participação popular. “Já não basta a Equatorial, já não basta a Aegea, faltando agora o Dmae, pouco sobrará do serviço público existente a serviço do interesse comum da população.”

Edson Zomar é diretor do Simpa e membro da coordenação da Frente do Povo em Defesa do Dmae Público e Estatal – Foto: Jorge Leão

Privatização e concentração de riquezas

O presidente da Central Única dos Trabalhadores do RS (CUT), Amarildo Cenci, estabelece uma relação direta entre privatizações e a concentração de riquezas no Brasil. “Nós estamos levando o plebiscito do Dmae junto com o plebiscito nacional sobre a reforma tributária, de quem tem que pagar ou não pagar impostos nesse Brasil, porque os ricos não pagam e os trabalhadores estão pagando”, afirma.

Segundo Cenci, a luta inclui também a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1, pois todas essas pautas estão conectadas. “Os mesmos que estão lá especulando a dívida, os mesmos que ganham por não pagar impostos, usam esse dinheiro para comprar os equipamentos públicos, privatizar as empresas públicas e explorar a água, a energia elétrica, outras áreas estratégicas para ganhar ainda mais dinheiro.”

Ele critica a qualidade dos serviços privatizados e os interesses políticos por trás desses processos. “Entregam um serviço de péssima qualidade, como tem sido a Corsan depois de privatizada, como tem sido a Equatorial depois da CEEE privatizada, e é o que vai ser o Dmae.”

O presidente da Central Única dos Trabalhadores do RS (CUT), Amarildo Cenci, estabelece uma relação direta entre privatizações e a concentração de riquezas no Brasil – Foto: Jorge Leão

O dirigente demonstra confiança na mobilização popular. “Felizmente, o povo de Porto Alegre está dizendo não a essa privatização.” Cenci ainda aponta que Melo enfrenta dificuldades para aprovar a proposta na Câmara de Vereadores e menciona a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em andamento. “A CPI está apontando os atos, as negociatas às escondidas que são feitas na hora de se privatizar um patrimônio público, que sempre está a serviço de interesses desse ou daquele político, porque os dinheiros depois seguem abastecendo, financiando campanhas e tudo mais.”

Instaurada em junho, a CPI foi criada para apurar denúncias de corrupção, omissão e sucateamento do Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre. Presidida pela vereadora e líder do PT, Natasha Ferreira, a comissão contou com a assinatura de 12 parlamentares.

A comissão terá duração inicial de 120 dias, prorrogáveis, e deve apresentar um relatório com responsabilidades e propostas de reestruturação do órgão, além de medidas que garantam sua continuidade como serviço público essencial, em meio a críticas de setores que veem risco de privatização.

Mobilização contou com a presença de parlamentares gaúchos – Foto: Jorge Leão

Disputa de consciências

Também integrante da coordenação da Frente em Defesa da Água e do Dmae Público, Zadi Zaro ressalta a importância da disputa por corações e mentes na cidade. “A gente vem construindo essa luta que tem como uma estratégia a realização de um plebiscito popular em Porto Alegre, que se soma ao plebiscito nacional como uma via para fazer a disputa pelo conjunto da cidade, já que a água é um direito básico, fundamental, a que Porto Alegre sequer tem acesso, se considerarmos as suas comunidades”, defende.

Zaro critica o projeto da prefeitura por falta de transparência. “A prefeitura está colocando mais em risco ao pedir para a Câmara um cheque em branco com aquele projeto que sequer diz qual é o caráter dessa concessão, o que ela vai alcançar, o que vai representar.”

Zadi Zaro ressalta a importância da disputa por corações e mentes na cidade – Foto: Jorge Leão

Zaro descreve a precariedade nas periferias. “Altos dos morros não têm água, dependem de caminhão-pipa, com as mangueiras de borracha defasadas e estourando, caminhões que muitas vezes precisam que um vereador autorize para ir lá levar. As pessoas ficam durante o verão dias sem água, e no inverno também com dificuldade. As nossas baixadas têm sido áreas de alagados e não têm saneamento básico.” Para ela, o plebiscito e os comitês populares são meios fundamentais para fazer a disputa pela cidade.

Recorte de classe, gênero e raça

Pelo coletivo Multiplicidade, Hack Basilone chama atenção para os recortes de classe, gênero e raça presentes na luta pelo direito à água. “O acesso à água precisa ser levado enquanto consciência para a cidade como um todo.”

Segundo ele, é fundamental que a população periférica tenha acesso à informação e possa se manifestar por meio do voto. “Tenho certeza que a maioria dessa população sabe que afeta desigualmente.”

Hack Basilone chama atenção para os recortes de classe, gênero e raça presentes na luta pelo direito à água – Foto: Jorge Leão

Basilone destaca os impactos concretos da falta d’água nas periferias. “Recai muito sobre as periferias a falta de acesso à água, uma água que não tem qualidade,  assim como já aconteceu com a privatização da energia elétrica, que também recaiu sobre as zonas marginalizadas.”

Nessa discussão, enfatiza o militante, é preciso observar o recorte de gênero e raça. “Geralmente, as responsáveis pelo lar são mulheres e também pessoas que têm mais dificuldade de conseguir emprego. Nas tarefas domésticas, a gente utiliza água. Se a pessoa precisa buscar ou armazenar água, isso é tempo e energia que poderiam ser dedicados a outras atividades. Se privatizar, vai piorar, e todo mundo sabe disso.”

Resgate das estatais

Representando o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a Unidade Popular (UP), Luciano Schafer enfatiza que o movimento é contra a privatização de qualquer serviço público. “O MLB e a Unidade Popular são contrários à privatização de qualquer serviço público por dois motivos. O primeiro é que piora o serviço, principalmente pela precarização que precede essa venda. A gente tem visto aí,  inclusive aqui em Porto Alegre, uma CPI que trata da precarização do Dmae. Isso prova que é uma situação clara.”

Luciano Schafer enfatiza que o MLB é contra a privatização de qualquer serviço público – Foto: Jorge Leão

Schafer afirma que barrar a concessão do Dmae é parte de um projeto maior de retomada das empresas estatais. “A Unidade Popular, por acontecer de ser um partido, mostra que esses partidos da direita, da burguesia, estão aí vendendo, trocando o nosso patrimônio pelo lucro da burguesia.”

“A gente precisa barrar essa situação, essa venda, essa concessão que eles chamam, mas que na verdade é a privatização do Dmae, para inclusive iniciar o processo de resgate das outras empresas que já foram privatizadas, como a Carris, a CEEE, a Corsan, e assim por diante, no Brasil inteiro”, conclui.

Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) e a Frente em Defesa do Dmae estarão organizando o plebiscito – Foto: Jorge Leão

Contraponto

O Brasil de Fato RS fez contato com a assessoria de imprensa do município solicitando a posição da Prefeitura Municipal de Porto Alegre , mas até o momento da publicação não tínhamos recebido resposta.

A assessoria do Dmae disse que o movimento lançado ontem é independente e não cabe ao departamento opinar sobre um movimento social independente.

O post População de Porto Alegre será ouvida sobre a privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos apareceu primeiro em Brasil de Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.