A audiência convocada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST), para marcar a Semana Camponesa no RS, continuou no período da tarde com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no auditório do Instituto. O debate teve como foco as demandas estruturantes nas áreas da educação, infraestrutura e moradia.

A coordenadora do setor de Educação do MST/RS, Clarisse Teles, apresentou a precariedade das estradas como um dos principais entraves ao direito à educação das crianças do campo. Segundo ela, há casos de estudantes em Santana do Livramento que dependem de ônibus escolares que atravessam pontilhões precários, e episódios de acidentes em São Gabriel. “As crianças não têm direito à escola em dias de chuva”, afirmou. Um dossiê com casos de quatro escolas foi entregue aos órgãos presentes.

Ela também destacou a importância do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e sugeriu uma reunião conjunta entre o Incra e o governo do estado para encaminhamentos sobre currículo e transporte escolar. Educandas do curso Técnico em Administração de Cooperativas (TAC 19), como Nikolly Lawinia Cardoso, relataram a necessidade de continuidade e expansão do Pronera. “Os projetos estão empacados, precisamos que sejam levados a sério”, pontuou.
Violência contra mulheres e omissão do Estado
Nilva Loeci Azevedo, do setor de Gênero do MST gaúcho, apresentou o cenário de múltiplas tarefas das mulheres assentadas, que além do trabalho na terra, também cuidam dos filhos e da organização dos assentamentos. Ela cobrou ações concretas do Estado no combate à violência de gênero. “A omissão do Estado valida a violência”, declarou.
O movimento desenvolveu um protocolo para lidar com casos de violência contra mulheres nos territórios, aplicado em processos formativos. Segundo Azevedo, casos de abusadores que permanecem nos assentamentos, mesmo com denúncias formais, evidenciam falhas institucionais. Ela pediu que o programa “Fomento Mulher” seja retomado como política pública ampla e efetiva.

Infraestrutura rural segue travada em licitações
Maria Asilvana dos Santos, assentada de São Gabriel, denunciou que crianças passam até seis meses fora da escola por conta das estradas intrafegáveis. Ela questionou a destinação de R$ 12 milhões para o município e afirmou que três empresas já desistiram da licitação para as obras, levantando suspeitas. “O Incra precisa fiscalizar, porque nós não temos o poder da lei”, cobrou.
O superintendente do Incra, Nelson Grasselli, respondeu afirmando que foram criadas comissões para acompanhar a execução das obras e que cada assentamento receberá cópias dos projetos para acompanhar. Ele detalhou que municípios como Santana do Livramento, Candiota e Hulha Negra já receberam valores expressivos e que cabe às prefeituras executar as obras.
Moradia: urgência para não perder recurso até dezembro

Grasselli detalhou que há um investimento previsto de R$ 17 milhões para moradias, envolvendo 220 unidades. No entanto, alertou que os recursos precisam ser aplicados até dezembro para não serem devolvidos. “Há famílias com casas condenadas, mas registradas como existentes no sistema da Caixa. É preciso laudo técnico para viabilizar novos projetos”, explicou.
Segundo ele, casos em que a casa já recebeu crédito no passado, mas foi destruída ou não existe mais, poderão acessar novamente os programas, mediante laudo de condenação. Grasselli anunciou ainda o credenciamento de cooperativas como novas entidades habilitadas para construção de moradias – o que, segundo ele, representa um avanço.
Fomento: recursos disponíveis, mas com limitações
Em relação ao “Fomento Mulher”, o Incra informou que o orçamento atual é de R$ 6 milhões para o Rio Grande do Sul, sendo R$ 5 milhões para assentamentos e R$ 1 milhão para comunidades quilombolas. O valor de cada projeto é de R$ 8 mil por família. Grasselli propôs que a destinação dos recursos seja feita em conjunto com o movimento.
O representante reconheceu que projetos do passado foram perdidos por falhas de gestão e que famílias que já acessaram o programa não poderão receber novamente. Ele também afirmou que o Incra trabalha para concluir até outubro a liberação de cerca de 11 mil projetos de crédito para assentados e outros mil para quilombolas.
Assistência técnica depende de complementação orçamentária
Grasselli informou que há um TED (Termo de Execução Descentralizada) com a Universidade Federal de Santa Maria no valor de R$ 4 milhões para assistência técnica, habitação e fiscalização de obras. A efetivação do projeto depende da liberação jurídica. Ele também cobrou a transferência de R$ 3 a R$ 4 milhões prometidos pelo MDA para contratação de técnicos. “Precisamos que o dinheiro chegue até agosto”, afirmou.
A coordenadora do Setor de Produção do MST/RS, Roberta Coimbra, cobrou informações sobre os contratos não executados nos governos anteriores, inadimplência nos programas de crédito e retomada da assistência técnica como política contínua. “Casas boas facilitam o trabalho das mulheres e melhoram a qualidade de vida”, destacou, defendendo que a habitação se torne um setor específico no movimento.
MDA propõe diálogo e participação nas conferências territoriais
Representando o MDA, o superintendente interino Vinicius Pasquotto reconheceu que há gargalos e afirmou que MDA e Incra estão “no mesmo barco”. Destacou a parceria com a Secretaria de Mulheres Rurais nos mutirões de documentação e a tentativa de garantir a presença da Defensoria Pública nos territórios.
Pasquotto citou o orçamento de R$ 250 milhões da ATER nacional, sendo R$ 100 milhões destinados à Secretaria da Agricultura Familiar, com R$ 25 milhões disponíveis para novos projetos. Ele apresentou iniciativas como o Proforest, o programa “Mais Gestão” e o edital “Da Terra à Mesa Dois”.
MST pede projeção orçamentária para 2026
Ao final da reunião, a dirigente nacional do MST no RS, Lara Rodrigues, criticou os dados divulgados pelo MDA, afirmando que parte dos 13 mil lotes anunciados como novos são apenas regularizações. “No Rio Grande do Sul não houve nenhum novo assentamento, com exceção do Rosinha”, declarou.
Ela afirmou que o movimento está mobilizado para cobrar do governo Lula mais ousadia política e projeção orçamentária. “Precisamos disputar o orçamento. Não dá para bater palma sem a materialização do Plano Safra e do Pronera”, concluiu.

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