O amor está no doce de morango ou na vitrine digital?

Foto: Arquivo

De repente, ele estava em todos os lugares. O tal morango do amor, uma releitura da tradicional maçã do amor, tomou conta das redes sociais como uma febre. Em vídeos rápidos, receitas simplificadas e imagens convidativas, o doce passou a dominar a cena. O impacto foi direto: a bandeja de morango chegou a custar R$ 15 em feiras da Grande Vitória, inflacionada pela alta demanda de doceiros e também de consumidores movidos pela estética e pelo desejo de pertencimento digital.

Mas o que há por trás dessa onda que parece inofensiva e até divertida? Por que um doce tão simples despertou tanto interesse? A resposta pode estar em algo mais profundo do que o açúcar e mais simbólico do que o próprio morango coberto.

Vivemos em uma sociedade que fala sobre amor o tempo todo, mas tem cada vez mais dificuldade em experimentá-lo de forma real. A viralização do morango do amor é sintomática. Não apenas pelo nome, que resgata a ideia romântica e nostálgica do afeto açucarado, mas também pela simbologia: o vermelho vibrante, o formato provocante, a lembrança do amor enfeitado das quermesses.

A maçã do amor virou morango: mais delicado, mais acessível, mais próximo da realidade de muitos. E talvez, justamente por isso, mais desejado. Existe uma ânsia em adoçar o cotidiano. Mas também há, com o perdão da metáfora, uma fome de afeto.

Não estamos falando só da vontade de comer. Estamos falando da vontade de se mostrar comendo. A necessidade de registrar, compartilhar, viralizar. Estar por dentro, ser parte do que todos estão fazendo. O consumo já não é apenas do produto, mas da imagem que ele gera.

E aí eu me pergunto: será que essa febre não revela, no fundo, a ausência do sentimento que o nome do doce evoca? Será que a ânsia por adoçar a vida não fala mais sobre a falta de doçura real nas relações, nos encontros, nos vínculos?

Talvez estejamos consumindo mais do que morangos cobertos de açúcar. Talvez estejamos tentando cobrir, com calda brilhante e vídeos bem editados, uma certa solidão coletiva.

E, nesse caso, o morango do amor viralizou porque o amor mesmo anda raro. E a gente tenta compensar isso com aquilo que está mais à mão: um doce bonito, uma publicação, um like.

Não é só uma sobremesa. É um reflexo.

E, como toda tendência, talvez passe. Mas o que fica, ou deveria ficar, é a reflexão sobre o que estamos realmente buscando enquanto nos distraímos com receitas.

Talvez seja hora de lembrar que nenhum doce substitui o sabor real do afeto. E que o amor, o verdadeiro, não é feito só de cobertura.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.