
Jacira Roque de Oliveira (1964 – 2025) é a musa inspiradora de ‘Mãe’, música de 2015 que abriu o segundo álbum do rapper
Reprodução / Facebook Dona Jacira
♫ ANÁLISE
♬ Exemplo de mulher vitoriosa que superou as adversidades da vida enfrentada nas periferias do Brasil, criando como mãe solo filhos que cresceram, apareceram e prosperaram na sociedade, negando a probabilidade fria das estatísticas, Jacira Roque de Oliveira (25 de dezembro de 1964 – 28 de julho de 2025 sempre foi referência na vida do filho Leandro Roque de Oliveira, conhecido em escala nacional pelo nome artístico de Emicida.
É nas rimas do filho rapper que fica eternizada a força de Dona Jacira, como era chamada a escritora paulistana que morreu ontem, aos 60 anos, na cidade de São Paulo (SP), deixando quatro filhos, entre eles Emicida e o empresário e cantor Evandro Fióti.
Dona Jacira assinou algumas músicas com Emicida. Em outras, foi a inspiração do artista. No primeiro álbum de Emicida, O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui (2013), Dona Jacira entrou na roda de samba armada pelo rapper na música Crisântemo (Emicida, Dona Jacira e Felipe Vassão), faixa em que desabrochou a azeitada mistura de samba e rap do MC. Na letra de Crisântemo, Emicida versa sobre a dor dos que cresceram órfãos nas quebradas.
No segundo álbum de Emicida, Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa (2015), lançado dois anos depois, Dona Jacira teve a saga contada na letra da pungente faixa que abre o disco, Mãe (Jacira Roque de Oliveira, Emicida, Renan Inquerito e Dj Duh, 2015). A própria musa da música faz intervenção na faixa ao fim da gravação, tendo sido creditada como coautora de Mãe.
Dona Jacira, a rigor, esteve presente na obra de Emicida desde o primeiro mixtape do rapper, o hoje histórico Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe…, lançado em 2009. Nesse discos seminal, Emicida menciona a mãe nas letras de A cada vento, Ooorra…(A que deu nome a mix tape) e Triunfo.
“Parabéns, mamãe / Seu projeto de homem feliz deu certo!”, saudou o rapper em verso de A cada vento, música assinada por Emicida com Paulo Andre Romero Pinto e Felipe Rezende Derado. Enfim, Dona Jacira se foi, mas viverá para sempre na obra de Emicida. Até porque, como já ressaltou em verso, em tudo Emicida vê a voz da mãe.
♪ Eis a letra de Mãe, música lançada por Emicida há dez anos com letra que resume a trajetória heroica e vitoriosa de Jacira Roque de Oliveira:
Mãe
(Jacira Roque de Oliveira, Emicida, Renan Inquerito e Dj Duh, 2015)
“Um sorriso no rosto, um aperto no peito
Imposto, imperfeito, tipo encosto, estreito
Banzo, vi tanto por aí
Pranto, de canto chorando, fazendo os outro rir
Não esqueci da senhora limpando o chão desses boy cuzão
Tanta humilhação não é vingança, hoje é redenção
Uma vida de mal me quer, não vi fé
Profundo ver o peso do mundo nas costa de uma mulher
Alexandre no presídio, eu pensando em suicídio
Aos oito anos, moça, de onde ‘cê tirava força?
Orgulhosão de andar com os ladrão, trouxa
Recitando Malcolm X sem coragem de lavar uma louça
Papo de quadrada, 12, madrugada e pose
As ligação que não fiz tão chamando até hoje
Dos rec no Djose ao Hemisfério Norte
O sonho é um tempo onde as mina não tenha que ser tão forte
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
Outra festa, meu bem, tipo Orkut
Mais de mil amigo e não lembro de ninguém
Grunge, Alice in Chains
Onde ou você vive Lady Gaga ou morre Pepê e Neném
Luta diária, fio da navalha, marcas? Várias
Senzalas, cesárias, cicatrizes
Estrias, varizes, crises
Tipo Lulu, nem sempre é so easy
Pra nós punk é quem amamenta, enquanto enfrenta guerra, os tanque
As roupas suja, vida sem amaciante
Bomba a todo instante, num quadro ao léu
Que é só enquadro e banco dos réu, sem flagrante
Até meu jeito é o dela
Amor cego escutando com o coração a luz do peito dela
Descreve o efeito dela, “Breve, intenso, imenso”
Ao ponto de agradecer até os defeito dela
Esses dias achei na minha caligrafia
A tua letra e as lágrima molha a caneta
Desafia, vai dar mó treta
Quando disser que vi Deus
Ele era uma mulher preta
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
O terceiro filho nasceu, é homem
Não, ainda é menino
Miguel bebeu por três dias de alegria
Eu disse que ele viria, nasceu
E eu nem sabia como seria
Alguém prevenia, filho é pro mundo
Não, o meu é meu
Sentia a necessidade de ter algo na vida
Buscava o amor nas coisas desejadas
Então pensei que amaria muito mais
Alguém que saiu de dentro de mim e mais nada
Me sentia como a terra, sagrada
E que barulho, que lambança
Saltou do meu ventre e contente
Parecia dizer, “É sábado gente”
A freira que o amparou tentava reter
Seus dois pezinhos sem conseguir
E ela dizia, “Mais que menino danado
Como vai chamar ele, mãe?”
“Leandro” ”