Desde que Belém foi apresentada como sede da COP30, em dezembro de 2023, veio à tona uma enxurrada de manifestações questionando a infraestrutura e a capacidade da rede hoteleira da cidade. A partir daí, os governos estadual e federal dialogaram com empresários, sindicatos de hotéis e plataformas de hospedagens para aumentar o número de vagas.
Contudo, a especulação que levou ao aumento abusivo dos preços e a falta de disponibilidade de uma plataforma oficial que apresente acomodações para os vários públicos interessados culminaram na manifestação do presidente da COP30, André Corrêa Lago, que divulgou, nesta quinta-feira (31), uma solicitação formal de países para que a sede do evento mude, principalmente devido ao alto valor dos aluguéis.
A questão dos altos preços da hospedagem em Belém, assim como a consequente ameaça da petição formal pela mudança de sede, foram temas que dominaram boa parte do tempo do encontro de meio de ano da Convenção do Clima das Nações Unidas, ocorrida no final de junho em Bonn, na Alemanha, divulgou o site Sumaúma. A cobrança era para que a organização do evento adotasse medidas urgentes para que houvesse redução de preços.
Porém, conforme a reportagem, os empresários do setor se negam a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) proposto pelos governos federal e estadual, e dificultam o acesso a informações mais detalhadas sobre a quantidade de leitos disponíveis, gerando uma queda de braço velada entre a organização do evento e a rede hoteleira.
Segundo Adolfo Oliveira Neto, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), a organização da COP30 deu um passo decisivo expondo a especulação empresarial envolvendo as acomodações para a conferência. Contudo, para ele, essa manobra do mercado é consequência de uma organização que preteriu a participação popular no evento, que priorizaria a disponibilidade de leitos para as cúpulas de países membro da Organização das Nações Unidas (ONU), para empresários e lobistas, em detrimento do acesso de movimentos populares que discutem a pauta ambiental.
“Infelizmente, esse grupo [o dos ambientalistas] não foi pensado no planejamento da COP. Exatamente pra que diminuísse essa pressão social. Pra que as pessoas olhassem o preço e desistam de ir pra Belém”, argumenta. Adolfo pondera ainda que a Amazônia está em pauta no mundo todo. E a cidade, por estar localizada no Brasil, que possui um regime político mais aberto do que o dos países que sediaram as últimas COPs, atrai a atenção de ambientalista do mundo todo.
Nesse sentido, para o geógrafo, essa escassez de vagas atrapalha diretamente os movimentos populares, que em geral têm poder aquisitivo mais limitados, mas não deve impedir a participação deles, muito menos das cúpulas dos países e suas delegações. “Se o governo agir com celeridade. Porque ainda tem jeito de resolver”, condiciona.
“Nós percebemos que Belém não tem falta de vagas. E pela própria lógica do capital, na medida em que o governo começar a disponibilizar acomodações alternativas, ou mesmo que o evento sofra o risco de não acontecer devido à falta de vagas, a tendência é que os preços baixem, porque o empresário vai preferir diminuir o preço do que não receber nada”, analisou Adolfo.
Para ele, o problema nunca esteve na falta de vagas e na estrutura de Belém, e sim nas soluções adotadas pela organização do evento. Mas ele acredita que, apesar dos desafios, dificilmente haverá mudança de sede, como reforçou, nesta sexta-feira (1º), o próprio presidente da COP30.
A organização da conferência informou em abril que Belém já dispunha de 36.015 leitos. Navios cruzeiros contratados disponibilizarão mais 6 mil vagas e novos hotéis. Além disso, leitos em hotéis que estão finalizando as obras, escolas adaptadas como hostels, alojamentos militares e espaços religiosos disponibilizarão pelo menos 9.877 vagas. Só com essas, a demanda de 50 mil leitos está suprida. Vale lembrar que o governo antecipou as férias escolares do meio do ano, e em novembro as escolas da rede estadual e municipal estarão disponíveis, podendo aumentar a quantidade de vagas.
Amazônidas enxergam neocolonialismo em parte das críticas a Belém enquanto sede
Diante do cenário de ameaça de mudança de sede, ou até mesmo de fragmentar o evento para outras cidades, Rio de Janeiro foi uma das capitais brasileiras cogitadas para acolher emergencialmente o evento. Porém, durante a cúpula dos prefeitos em junho para analisar os avanços do Acordo de Paris, realizada na própria capital francesa, o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes, comentou sobre o assunto. “É preciso entender que a Amazônia não é feita só de árvore e bicho. Tem grandes cidades lá, que têm grandes desafios. E desde o início sabíamos que Belém ia ter desafios. Rio e São Paulo vão receber eventos paralelos, mas a sede da COP30 vai ser Belém”, pontuou.
Na ocasião, Paes recordou que o Rio recebeu críticas similares próximo às Olimpíadas de 2016. “Quantas vezes disseram que não ia ter hotel. Quantas vezes disseram que isso, que aquilo. Taí! Foi entregue. Fizemos uma das melhores Olimpíadas. E aí eu fico vendo Belém. E meu conselho pro governador do Pará e pro prefeito de Belém é isso: ‘até o dia do evento eles vão dizer que tudo vai dar errado. E é isso. Fazer evento internacional dá trabalho’”.
Para a proprietária da agência de turismo Monotour, Raquel Ferreira do Carmo, as críticas à infraestrutura de Belém para sediar um evento dessa magnitude costuma ter um componente neocolonial. “É preciso entender que a COP30 não é um evento turístico. As pessoas não vão vir pra cá pra passear. Óbvio que nós temos uma cultura e uma culinária belíssimas pra apresentar, mas com as vagas que temos, para o tipo de evento que vamos ter, Belém tem, sim, capacidade de receber todo mundo, não porque não temos problemas, mas porque o público que vai vir pra cá quer justamente denunciar esses problemas que enfrentamos”, enfatiza.
No entanto, ela reconhece que há problemas na organização. A plataforma de hospedagem prometida pelo secretariado da COP30 desde fevereiro, só começou a funcionar nesta sexta, e ainda com muita instabilidade. Toda essa escassez de informação atrapalhou uma busca mais descentralizada, e corrobora para o aumento abusivo dos preços.
“O que falta é uma organização para informar onde estão essas vagas, de acordo com o poder aquisitivo dos visitantes, mas Belém é uma cidade acolhedora. As pessoas são acolhedoras. Haverá muita hospedagem solidária, e mesmo agora há muitos empresários que têm consciência de não cobrar preços abusivos, porque eles têm interesse que os clientes voltem um dia. Então, vai ser desafiador? Vai. Mas vamos receber todo mundo”, pondera Raquel, que destaca como exemplo o Círio de Nazaré, uma manifestação religiosa católica que é realizada sempre no segundo domingo de outubro no Pará e costuma receber anualmente um público maior do que o previsto para a COP.
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