O tarifaço do presidente estadunidense Donald Trump sobre as exportações brasileiras para os EUA surgiu como um balde de água fria sobre os planos do agricultor familiar Cleiton Nascimento, de Viana (ES). Ele criou em 2020, durante a pandemia, a C&C Café de Açaí, usando parte da produção orgânica da fruta realizada por sua família. O negócio prosperou e Cleiton negociou uma parceria para levar seu produto para o mercado dos EUA. As taxas de Trump, no entanto, paralisou seus projetos.
“A gente que é pequeno produtor tem aquele objetivo de levar nosso produto para fora para conseguir um rendimento melhor. Só que veio o tarifaço e a gente teve que recuar para ver até onde isso vai dar”, contou ele, com certa frustração.
“Isso acaba afetando nossa expectativa de crescimento. Ficamos desmotivados. Mas acreditamos que essa onda de tarifas uma hora vai passar.”

Cleiton concedeu uma entrevista ao Brasil de Fato na Feira da Agrobiodiversidade, que faz parte da 22ª Jornada de Agroecologia, que acontece no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, até domingo (10). Além dele, vários outros agricultores familiares, produtores de orgânicos e assentados da reforma agrária expõem seus produtos na feira. Boa parte deles está preocupada.
Um dos aflitos é o engenheiro agrônomo João Arilo, que trabalha como auxiliar de produção da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária do Norte Pioneiro (Coanop), que fica em São Jerônimo da Serra (PR). Lá, famílias assentados produzem café especiais, que são vendidos localmente. Não há exportação. Mesmo assim, João diz que os impactos do tarifaço também podem atingir a cooperativa.
Isso porque, com a sobretaxa de 50% para a exportação de café do Brasil para os EUA, a tendência é que grandes produtores deixem de vender seus grãos para o mercado estadunidense. Isso tende a reduzir os preços do café internamente. Se a queda for significativa, a produção artesanal poderia não se pagar.
“A produção envolve muitos custos: insumos, mão-de-obra, colheita, limpeza dos grãos. Então, se o preço cair, isso afetaria o produtor”, afirmou.
O Brasil é o maior produtor mundial de café. Em 2024, colheu 54,2 milhões de sacas de 60 kg do grão, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Quase toda essa produção foi exportada. Também em 2024, foram enviadas 50,5 milhões de sacas de café ao exterior, 28,8% a mais que em 2023.

Larissa Kenner, assistente comercial da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), pensa como João. Ela explicou que a Cootap produz arroz orgânico desde 1999. Vende o produto usando a marca Terra Livre principalmente para o poder público, que o inclui na merenda escolar, por exemplo. Segundo ela, a produção deste ano está colhida e garantida. Se sobrar arroz no mercado nacional por conta do tarifaço, entretanto, a produção do ano seguinte pode ser afetada.
“O tarifaço não tem um impacto hoje. Mas a gente fica receoso porque isso pode afetar o plantio, a colheita e venda da próxima safra se o preço cair”, disse ela.

“O tarifaço preocupa porque pode afetar os valores que nossa produção vai ser vendida”, ratificou Cristiane Macedo, auxiliar administrativa da Cooperativa Agroindustrial de Produção e Comercialização Conquista (Copacon), de Londrina (PR), que produz produtos de milho orgânico cultivado por assentados.
O grão quase não é exportado pelo Brasil aos EUA. Ainda assim foi taxado.
Apoio ao pequeno
Jovana Cestille é agricultora agroflorestal no assentamento Eli Vive, em Londrina, e também levou parte de sua produção para ser exposta na Jornada de Agroecologia. Segundo ela, todos seus colegas produtores estão apreensivos com o tarifaço. Eles esperam que o governo atue para minimizar seus efeitos.
“Precisaremos que as políticas públicas do governo cheguem aos agricultores de assentamentos. A gente precisa de compra de estoque para garantir preços e crédito para investir na produção”, disse ele. “Precisamos que o acesso a esse crédito facilitado ao pequeno produtor porque ele não tem avalista ou bens de garantia.”
Jovana disse que o governo precisa pensar de forma estratégica ao ajudar os pequenos produtores. Para ela, a alta de preços não é desejável porque dificulta o acesso da população ao alimento de qualidade. Agora, se o preço dos produtos agrícolas cai muito, a produção fica insustentável.
“Precisamos de um equilíbrio para garantir a soberania alimentar”, afirmou. “Precisamos produzir com qualidade e que os consumidores tenham acesso a produtos de qualidade.”

Soberania alimentar
Diego Moreira, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), disse que o tarifaço precisa ser encarado como um tema de soberania. Ele disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem agido bem em não ceder às pressões de Trump. Ressaltou, contudo, que Lula precisa também ver o tema como uma oportunidade rediscutir a produção e distribuição de comida no país.
“Isso pode ser uma oportunidade para o governo brasileiro fortalecer o mercado interno, fortalecer um programa nacional de abastecimento, fortalecer um programa nacional de produção de alimentos”, afirmou ele.
Moreira usou como exemplo o caso do suco de laranja. Cerca de 95% da produção do Brasil é exportada, sendo que 42% vai para os EUA, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR). Para ele, o governo deveria agir para mudar essa situação a partir do tarifaço.
“Os americanos consomem muito suco de laranja, que não é uma cultura tão do brasileiro na sua alimentação do dia a dia. Mas por que nós não vamos aumentar o consumo do suco de laranja na alimentação do povo brasileiro? Por que não aumentar a possibilidade de brasileiros consumirem cafés especiais?”, questionou. “Diante do tarifaço, podemos fomentar esses hábitos.”
Para Moreira, uma visão voltada ao mercado interno tenderia a fortalecer a economia brasileira no longo prazo. Ele defendeu que cooperativas de produtores rurais sejam ouvidas em debates sobre medidas contra os impactos do tarifaço.
Governo prepara ações
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na quinta (31) que há “casos dramáticos” de impactos do tarifaço no Brasil. Por isso, segundo ele, o governo segue tentando negociar com os EUA a reversão total da medida anunciada por Trump como uma retaliação ao Brasil por conta dos processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de tentar dar um golpe depois de perder a eleição.
O governo também discute internamente medidas para conter os impactos do tarifaço. Empréstimos emergenciais, abatimento de impostos e até compras governamentais de produtos que deveriam ser exportados estão em discussão.
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro dos Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, disse que as medidas seriam anunciadas pelo governo assim que o tarifaço entre em vigor. Até agora, não foram.
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