A data não vai passar impune para o Jornal JÁ. Completa 40 anos no dia 21 de agosto na sede da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) com honras como jornal alternativo sem temor, com resistência e franqueza com os seus leitores. Abrigou dezenas de jornalistas e milhares de eleitores durante todo este tempo, fez matérias bombásticas, combativas, denunciando aquilo que os grandes veículos desprezavam. Sofreu processos por lutar pelo jornalismo decente, correto e ficou asfixiado economicamente por decisões judiciais que foram surgindo ao longo tempo por personagens insatisfeitos.
Este ano até a sua falência foi solicitada na Justiça. Hoje, não circula impresso. É um jornal da Internet. Lançado em 1985, o jornal acompanhou os fatos mais relevantes de Porto Alegre e a partir da cidade também buscou interpretar o que acontecia no país e no mundo.

Para celebrar a data, um grupo de jornalistas que participou do projeto nesses anos, liderados pelo diretor do JÁ, Elmar Bones, vai reunir profissionais da imprensa para debater problemas comuns, começando com um seminário e uma confraternização. “Como não estamos sós no barco do jornalismo, vamos convidar colegas e professores da academia para um painel sobre a História e os Desafios da Imprensa Independente”, diz Bones.
O encontro será nesta quinta-feira (21), a partir das 18h30, na sede da ARI (Borges de Medeiros, 915 – 8º andar). Haverá o lançamento da campanha dos 40 anos e logo após o Painel sobre Mídia Independente com a participação da editora-chefe do Brasil de Fato RS, Katia Marko, o editor do Nonada Jornalismo Rafael Glória, e as editoras do Matinal, Marcela Donini, do Sul21, Ana Ávila, e do Extra Classe, Valéria Ochoa, além do anfitrião, Elmar Bones.
Um jornal de opinião e cultura
Ao surgir em agosto de 1985, o JÁ se autodenominou “Um jornal de opinião e cultura”. E assim foi e avançou sobre outros assuntos ignorados pela grande mídia. Tinha inicialmente 32 páginas e circulava mensalmente. A capital gaúcha chegou a ter sete jornais e estava naquele momento reduzida a poucos veículos, muito comprometidos com anunciantes e políticos.
Logo a seguir o JÁ deu passos adiante na sua estrutura e criou, a partir de 1988, o JÁ Bom Fim, JÁ Moinhos, JÁ Cidade Baixa e JÁ Petrópolis. Em 1997 começaram os projetos culturais com as leis de incentivo: História Ilustrada de Porto Alegre, no formato de fascículos colecionáveis, pioneirismo no Sul. No ano seguinte, História Ilustrada do Rio Grande do Sul, também em fascículos encartados no jornal Zero Hora. Também entrou no ramo de livros, publicando A Espada de Floriano, de 2000, seu primeiro livro. Hoje já publicou mais de 40 títulos no jornalismo, história, literatura, cultura. Continua vendendo muitas obras, mas tem poucos assinantes no seu jornal. Na sua história teve até uma agência de notícias com informações sobre meio ambiente.
Em 2004 o JÁ se tornou o primeiro jornal do Sul do Brasil a ganhar o Prêmio Esso de Reportagem, na categoria nacional, com a reportagem “A Tragédia de Felipe Klein”, de autoria de Renan Antunes de Oliveira, falecido em 2020. Em 2004, publicou com minúcias e detalhes até então não explorados o caso Luiz Henrique Sanfelice, de Novo Hamburgo, o empresário que matou uma mulher e queimou o carro com ela dentro. Muita polêmica na hora. Ele fugiu para a Espanha, mas, azar dos azares, foi preso depois de ser visto pela tevê em jogo de vôlei. É ele quem está pedindo a falência do JÁ.
Em 2015, por ocasião de seus 30 anos, o projeto de Elmar ganhou o troféu Antônio Gonzalez, da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), por sua “Contribuição à Imprensa”. Em 2016 publicou em seu portal o “Dossiê Cais Mauá”, a primeira série de reportagens produzidas mediante financiamento coletivo. Duzentos leitores bancaram os custos da investigação para as reportagens sobre a privatização do porto de Porto Alegre. Foi um sucesso e gerou muitos debates.
Em 2020, a edição impressa foi suspensa, circulando apenas em edições especiais temáticas, de circulação dirigida. A crise financeira era grande, o grupo estava sufocado, mas resistindo bravamente contra tudo. Perdeu patrocínios oficiais ao longo do tempo e foi reduzindo de tamanho e de finanças. Mas não completamente. Elmar resistiu com alguns amigos e colaboradores e tocou o barco. Resiste firme até hoje, mas com problemas sérios na Justiça. O isolamento do mercado foi implacável.

Quem é
Elmar Bones nasceu em Cacequi em 1944, está com 81 anos, mas viveu a infância e a adolescência em Livramento, participando de uma geração enorme de grandes figuras santanenses do jornalismo nos anos 1970 e 1980 e que se espalhou Brasil afora.
Para ele, o jornalismo surgiu por acaso: tinha 17 anos quando foi contratado para atuar no balcão de anúncios do jornal A Plateia. Achava os textos muito repetitivos, não eram apenas classificados, mas principalmente anúncios sociais, como aniversários e obituários. Fez de tudo por ali e foi observado. Nascia o jornalista, que depois passou por Veja, Gazeta Mercantil, Folha da Manhã do Grupo Caldas Júnior, Coojornal – repórter, editor, diretor, chefe de redação. Fez muitas outras coisas até surgir o JÁ com seis sócios.
Livro
A JÁ Editores lançou em 2012 o livro Uma reportagem, duas sentenças, de Elmar Bones, contando o grande golpe contra a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) em 1987, quando Lindomar Rigotto – irmão do ex-governador Germano Rigotto – trabalhava na diretoria financeira da estatal.
Em 2001, fazendo um balanço geral do caso, Bones publicou a reportagem “O Caso Rigotto – Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas”, onde denuncia o esquema de fraudes na CEEE e todo o imbróglio daí resultante. Lindomar, assassinado em 1999, passou a ser investigado pelo Ministério Público em 1995 pelo desvio na construção de 11 subestações da CEEE. Em 2012, Elmar Bones declarou que a ação civil pública corre em segredo de Justiça, ainda não saiu do primeiro grau e já tem mais de 110 volumes e chega, hoje, perto de R$ 1 bilhão. A outra morte era de uma jovem, lançada do alto de um prédio no Centro Histórico da Capital.
Julieta Rigotto, mãe de Lindomar e de Germano, abriu dois processos judiciais, acusando o autor da reportagem de “calúnia, injúria e difamação” e outro, com base na Lei de Imprensa, já extinta, cobrando indenização por dano moral. As duas ações foram julgadas no mesmo Tribunal de Justiça. Na ação penal, Elmar Bones foi absolvido, já na cível, o jornal foi condenado a pagar indenização no valor de R$ 17 mil, que em 2012 já superava os R$ 100 mil. O livro de Elmar Bones relata a história do caso e os processos judiciais que sofreu.
Segundo o autor, o livro revela um esquema político, articulado com ações na Justiça, para encobrir uma fraude – a maior já registrada entre as 139 Comissões Parlamentares de Inquérito que ocorreram no Rio Grande do Sul desde 1947 e até 2012. A fraude na CEEE foi quase oito vezes o “caso Detran”, o mais rumuroso escândalo da Assembleia gaúcha.
Para Bones, o processo contra o JÁ, desde o início, tem o objetivo de manter esse assunto submerso, para que o tempo se encarregue de lançá-lo no esquecimento.
O livro relata isso na visão de Bones: como a mesma reportagem, o mesmo objeto, produz duas sentenças aparentemente contraditórias. “Juridicamente, é explicável. Mas em termos de liberdade de imprensa é inaceitável. Se a nossa reportagem é correta, baseada em fatos verdadeiros e tratando de assunto de relevância social, como diz a sentença, confirmada no próprio tribunal, por que temos que pagar uma multa por isso? Outra coisa que procuro mostrar no livro são os efeitos colaterais que uma condenação dessas desencadeia na vida de um pequeno jornal”, afirma o autor.
* Jornalista
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
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