A Curitiba em que vivemos é construída diariamente, pelas mãos de homens e mulheres que a vivem nas ruas e em suas próprias casas, e isso não pode ser ignorado pelo poder público. O saber técnico não pode sobrepujar as pessoas, antes deve servir de instrumento para que elas consigam efetivar seus sonhos no espaço da cidade. Assim é que se constrói o Direito à Cidade, procurando garantir a todos os cidadãos habitação, transporte, serviços públicos e espaços de lazer, independentemente de sua condição socioeconômica, religião, gênero, raça, orientação sexual. Só assim podemos considerar democrático qualquer processo de tomada de decisão e de elaboração de leis.
Por isso a participação popular se faz importante na elaboração do Plano Diretor, é a forma que a população reflete sobre as questões urbanas, fortalece os vínculos com o território e atua de maneira direta nas decisões da cidade. O Plano Diretor é a lei que orienta o desenvolvimento urbano, indicando não apenas o crescimento da cidade, mas exigindo a função social da propriedade, desenvolvimento sustentável e a gestão democrática.
Atualmente Curitiba está passando pela revisão de seu Plano Diretor, cuja coordenação está sob responsabilidade do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Até o segundo semestre de 2026 teremos oficinas comunitárias, audiências públicas, fóruns, culminando com a votação e aprovação pela Câmara Municipal. O Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles tem acompanhado as etapas iniciais desse processo e deve participar até a aprovação final do novo Plano Diretor. O acúmulo de nossas pesquisas pode contribuir com um diagnóstico dos maiores problemas que Curitiba tem enfrentado historicamente, e com as possíveis resoluções para velhas questões. Além disso, nossos pesquisadores também participam, individualmente como cidadãos, apresentando as demandas que identificam em seus bairros e com suas avaliações. O Núcleo, desde a sua fundação, mantém o diálogo aberto com o poder público e com os diversos setores da sociedade civil, privilegiando os movimentos sociais que lutam pela construção de uma Curitiba mais democrática e inclusiva.
Nesta primeira etapa, acompanhamos algumas oficinas comunitárias, e trazemos nossas reflexões preliminares para fomentar o debate. A população dos bairros tem participado das oficinas e colocado os desafios que identificam como os mais urgentes para serem resolvidos na próxima década (tempo de vigência do Plano Diretor). As comunidades mais organizadas têm feito valer sua presença, elegendo entre as prioridades de sua regional: obras estruturais de prevenção a enchentes; regularização fundiária em áreas de ocupação; instalação de novos equipamentos públicos como postos de saúde e escolas; mudanças no sistema de transporte público, etc. A equipe do IPPUC tem feito um trabalho atento de escuta e sistematização que deve ficar à disposição da população em breve, acolhendo e orientando as áreas em que se encaixam cada demanda.
Os técnicos possuem um saber reconhecido e tem se esforçado para atender os participantes, mas cabe a Prefeitura fomentar a participação com mais efetividade. A divulgação das oficinas ainda é limitada, pois apesar de contar com a cobertura da televisão e com a realização de oficinas de imersão, a maioria dos participantes ficam sabendo apenas no dia do evento que ocorrerá a oficina comunitária à noite. Deste modo, as oficinas apresentam um número significativo de participantes, porém ficam restritas aos moradores que residem mais próximo às ruas da cidadania, via de regra os lugares onde são realizadas as oficinas.
Mas há a previsão de um instrumento que pode contribuir com a participação popular. São as oficinas livres, que podem ser realizadas de forma independente, sem o acompanhamento direto do IPPUC ou de outros agentes públicos. Movimentos sociais, ONG’s, Associações de Moradores e outros grupos podem organizar suas próprias oficinas, basta entrar em contato com o IPPUC, solicitar o material disponível e as orientações do método utilizado e estes serão enviados. Ao final da oficina, os organizadores deverão encaminhar as sistematizações ao IPPUC para que sejam acrescentadas às das demais oficinas que ocorreram nas regionais. Há um compromisso da equipe de coordenação em acolher os diagnósticos e desafios das oficinas livres com a mesma isenção que acolheram as demandas das oficinas comunitárias.
Importante que os movimentos sociais e comunidades que não participaram das oficinas até agora, se insiram no processo de revisão do Plano Diretor, aproveitando a oportunidade de organizar sua própria oficina livre. Mas a mobilização não se encerra por aí, para que as demandas e desafios que foram eleitos como os mais urgentes sejam inseridos no Plano Diretor é necessário manter a mobilização, participando também das próximas etapas. É fundamental o envolvimento nas audiências públicas e fóruns, e, sobretudo, acompanhar a votação na Câmara Municipal pressionando os vereadores para que votem a favor das reivindicações e dos direitos do povo, pois setores empresariais e políticos estarão presentes fazendo o mesmo movimento de pressão a favor de seus interesses. O Plano Diretor deve ser compreendido como um produto (Lei) e como um processo (gestão democrática), onde a participação é uma conquista da sociedade. Nesse sentido, não é possível construir uma cidade justa, equitativa e sustentável sem a pluralidade de opiniões e sem a atuação efetiva de quem vivencia diariamente a cidade.
*Luiz Belmiro Teixeira é doutor em sociologia (UFPR), coordenador do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano da Universidade Federal do Paraná (PPU/UFPR) e professor colaborador do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (PROFSOCIO/UFPR).
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