O agronegócio, enquanto projeto de poder, não apenas patrocina, mas também se apropria e ressignifica elementos da cultura popular, explica a pesquisadora Ana Chã. Segundo ela, as estratégias de cultura buscam construir perante a sociedade uma imagem positiva que esconda as contradições do setor, como o uso exacerbado de agrotóxicos.
“Um dos mecanismos que o setor tem encontrado para construir essa imagem positiva é através da música e em especial através do financiamento de grandes shows, de feiras, de exposições agropecuárias. Sempre acompanhadas desse elemento musical”, pontua.
De acordo com Chã, o setor utiliza de duas ferramentas para estruturar esse projeto cultural. Um deles é através das leis de incentivo fiscal, onde os impostos são abatidos e se utilizam para fazer publicidade dos produtos e dos projetos.
Outro mecanismo são as parcerias e articulações com os municípios que querem promover shows, mas acabam gastando nesses eventos um percentual do orçamento direcionado à cultura e à educação. O objetivo principal é sempre o mesmo: a construção da imagem positiva e a publicidade sutil ao setor, reafirmado no estilo musical sertanejo.
Diante desse cenário, a cultura popular do campo fica de escanteio e o agronegócio se ocupa desse espaço. É nesse lugar dos territórios onde em especial o setor se apropria do legado das comunidades, da cultura popular e tradicional como forma de encontrar um vínculo maior com essas populações.
“Muitas vezes, os projetos locais, fazem parceria com mestres e mestras da cultura local, grupos locais. Financiam esses projetos, mas já com um objetivo diferente, que não é esse da celebração, do fazer comunitário, mas é de levar essas comunidades a terem uma imagem positiva do agronegócio. Sendo que, muitas vezes essas comunidades são diretamente afetadas pelos problemas ambientais e sociais que o próprio agronegócio causa”, salientou.
Seminário Nacional
A pesquisadora Ana Chã palestrou durante o Seminário Nacional “Por uma cultura popular do campo ”, analisando o movimento cultural do capital articulado ao modo de produção do agronegócio. O evento é realizado na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Brasília durante os dias 19 a 21 de agosto.
Durante o período, os participantes trazem à tona a discussão de uma política de cultura efetiva para trabalhadores do campo e resgatam o histórico da arte e cultura da reforma agrária.
No dia da abertura, estiveram presentes representantes do Ministério da Cultura, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
“Revolução cultural é cultura revolucionária”
Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Rafael Villas Bôas, o seminário serviu como fonte de reavivamento da história cultural dos movimentos sociais. “Revolução cultural é cultura revolucionária. Que esse seminário, possa nos reavivar que muita coisa foi feita e se ela não está na política pública, não é porque ela não existe. Se não conseguimos mudar o início, mudemos o fim.”
Durante o painel, o professor resgatou o acervo cultural que os movimentos carregam.
“[O MST] Era um movimento que colocava no eixo na sua centralidade as funções pedagógica, formativa, organizativa, de entretenimento, de identidade e de luta da cultura. Como tudo isso sumiu do debate das políticas públicas e dizem hoje que nós estamos contemplados em outras dimensões?”, questionou.
O professor também lembrou da atuação do Ministério da Cultura no processo de movimentação do projeto cultural em torno dos movimentos sociais em governos anteriores, e que esse cenário não é mais uma realidade.
“O primeiro escalão do Ministério da Cultura estava envolvido diretamente no processo para fazer com que esse movimento cultural dos movimentos sociais se movimentasse, ganhasse força e se espalhasse de novo pelo país. Isso hoje em dia não está colocado. Pode até ter o desenho da elaboração da ideia da proposta, mas não está colocado”, disse.
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