Premiar o esforço ou proteger o fracasso? O dilema do nosso tempo

A meritocracia, em termos conceituais, é um sistema de organização social no qual as recompensas e oportunidades são distribuídas com base no mérito individual — isto é, no esforço, nas habilidades e nos resultados alcançados por cada um. Trata-se de uma lógica que valoriza a responsabilidade pessoal e a competência como critérios de ascensão. No entanto, o mérito, nos dias de hoje, tornou-se um conceito desconfortável. Como uma escada esquecida num canto da sala, ele permanece ali, silencioso, mas essencial para subir. Enquanto parte da sociedade insiste em nivelar o terreno à força, a escada do mérito continua a oferecer o caminho mais honesto e exigente para quem deseja alcançar algo por si mesmo. Em tempos marcados pela exaltação da fragilidade e pela banalização da responsabilidade, a meritocracia se tornou um valor contracultural. Ainda assim, é nela que repousa a musculatura moral que sustenta qualquer sociedade livre e próspera.

Premiar o esforço não significa ignorar desigualdades de origem, mas reconhecer que ele é o único caminho ético de superação real. Como afirma Friedrich Hayek, em The Constitution of Liberty, “a liberdade significa responsabilidade. É por isso que a maioria dos homens a teme”. De fato, a meritocracia incomoda porque exige esforço contínuo, recusa desculpas fáceis e rejeita a ideia de que resultados devam ser distribuídos como consolo. Ela pressupõe que cada indivíduo seja agente de sua própria história, não um coadjuvante à espera de resgates estatais.

O contraponto a esse valor está cada vez mais presente em políticas que, sob o pretexto de justiça social, acabam cristalizando desigualdades. Ao transformar a exceção em regra e o amparo emergencial em dependência permanente, essas iniciativas substituem a autonomia por tutela e minam a dignidade do cidadão. Thomas Sowell, ao refletir sobre esse fenômeno, adverte: “Quando as pessoas têm o direito de obter o que não conquistaram, isso significa necessariamente que outras têm a obrigação de abrir mão do que conquistaram”. A lógica da compensação infinita dilui o sentido do esforço e transforma o fracasso em zona de conforto institucional.

A Responsabilidade Pessoal e a Meritocracia

Esse ambiente cultural, no qual a autovitimização é premiada e a superação individual é tratada com desconfiança, corrói a responsabilidade pessoal, que é o cimento da liberdade. Ayn Rand, defensora intransigente do indivíduo, apontava que “negar mérito é negar justiça”. Em um país onde grande parte da população ascendeu pela via do trabalho e da educação, rechaçar a meritocracia é desconsiderar milhões de trajetórias reais que provam o contrário do fatalismo estatista. Basta lembrar que mais de 70% dos empreendedores brasileiros vêm das classes C, D e E, segundo dados do Sebrae. Eles não esperaram um decreto de inclusão; criaram seu próprio espaço.

Valorizar o mérito, portanto, não é um capricho ideológico, mas uma política pública inteligente. Diversos estudos apontam que sociedades que premiam o esforço são mais produtivas, inovadoras e resilientes. Um relatório do Banco Mundial (2020) mostra que países com maior mobilidade social isto é, onde o esforço individual tem maior impacto sobre os resultados de vida apresentam também níveis mais altos de crescimento econômico sustentável. Da mesma forma, o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation revela que países com ambientes mais meritocráticos, como Suíça, Irlanda e Cingapura, lideram rankings de inovação, empreendedorismo e competitividade global. Como mostrou Milton Friedman, “os grandes avanços da humanidade não vieram de governos centralizados, mas de indivíduos livres buscando seus próprios interesses”. Não se trata de egoísmo, mas de compreender que, ao criar valor para si, o indivíduo também beneficia o coletivo desde que não haja obstáculos artificiais impostos por quem crê que igualdade se cria por decreto.

O Dilema Moral e a Cultura do Mérito

O dilema do nosso tempo não é apenas econômico, mas moral: seguir protegendo o fracasso com narrativas de culpa coletiva, ou retomar a cultura do mérito, que convida à responsabilidade e à ação. Escadas não desaparecem porque alguém decidiu que subir é injusto. Elas continuam ali, esperando por quem esteja disposto a subir degrau por degrau. O mérito pode não ser visível como a retórica populista, mas é ele quem sustenta, move e transforma.

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