Pai de estudante trans morta em Ilha Solteira diz que vai à delegacia todo dia desde desaparecimento da filha: ‘A gente quer justiça’


Polícia vai reconstituir uma das versões do crime envolvendo estudante de Ilha Solteira
Há pelo menos 60 dias, o pai da estudante trans Carmen de Oliveira Alves, de 26 anos, vai diariamente à Delegacia de Polícia em Ilha Solteira (SP) em busca de informações sobre a localização do corpo. A jovem desapareceu em 12 de junho, Dia dos Namorados, após fazer uma prova do curso de zootecnia na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A investigação apontou o namorado da vítima, Marcos Yuri Amorim, e o policial militar ambiental da reserva Roberto Carlos Oliveira como os principais suspeitos. Roberto foi indicado como amante de Marcos Yuri em um “triângulo amoroso”. Nesta quinta-feira (20), a polícia fará a reconstituição do crime no sítio de Marcos Yuri.
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O namorado e Roberto Carlos estão presos temporariamente, e o caso é tratado como feminicídio.
Em entrevista à TV TEM, Gerson Romualdo Alves, pai de Carmen, disse que a família precisa localizar o corpo para conseguir elaborar o luto.
“A família está comovida com esse caso da minha menina e a gente quer Justiça, que possa mostrar onde está o corpo para que a gente faça um velório digno. Hoje, faz 68 dias que eu venho todos os dias, chego 8h30 e saio sempre 18h30, a hora que fecha a delegacia, para não deixar esquecer a imagem dela”, comenta Gerson.
Carmen de Oliveira Alves )à esquerda), o namorado Marcos Yuri Amorim (ao centro) e o policial militar Roberto Carlos de Oliveira, suspeitos de crime em Ilha Solteira (SP)
Reprodução/Facebook
Recentemente, Marcos Yuri confessou à polícia que ela foi morta no sítio dele, mas atribuiu a autoria do feminicídio ao policial militar ambiental da reserva. Ele se manifestou após Roberto Carlos prestar depoimento, no início de agosto, e dizer que quem matou a estudante foi o namorado dela. (entenda abaixo)
Para Gerson, não há dúvidas de que o crime foi cometido pela dupla.
“Eu já sabia que seria um dos dois, me admira mais cada um acusando o outro. Mas, eu acho que, com o coração de pai, que foi os dois, estão só fazendo uma ‘jogada’”, comenta.
Gerson Romualdo Alves, pai de Carmen, em Ilha Solteira (SP)
Reprodução / TV TEM
Investigação
À reportagem, o delegado responsável pelas investigações, Miguel Rocha, explicou que, apesar das contradições nas versões dadas por Marcos Yuri e por Roberto Carlos, já é possível ter a certeza de que Carmen está morta e, neste momento, a autoria é atribuída aos suspeitos.
A perícia encontrou vestígios de sangue no sapato do Marcos Yuri e em uma lona, o que confirma o depoimento dos suspeitos de que o corpo foi enrolado no pedaço de tecido, antes de ser descartado.
A lona também foi encontrada e levada para análise. No sítio de Yuri, apontado como sendo o local do assassinato, a polícia informou que utilizou o luminol para a perícia. Os resultados dos exames não foram emitidos.
“A lona foi localizada no dia do cumprimento do mandado de busca e apreensão no sítio do Yuri, e foi usada para arrastar o corpo no sítio. Com o uso do luminol, foi possível apurar que realmente havia sangue”, comenta o delegado.
🔎 O luminol é um reagente químico utilizado em perícias para detectar a presença de sangue, mesmo em pequenas quantidades ou após limpeza, através da reação de quimioluminescência. Ele emite luz azul em contato com o ferro da hemoglobina, presente no sangue, permitindo que a polícia revele vestígios ocultos em cenas de crime.
Miguel Rocha, delegado responsável pela investigação, em Ilha Solteira (SP)
Reprodução / TV TEM
O delegado ainda explicou que Carmen foi morta após pressionar o namorado para assumir o relacionamento. Ela descobriu que ele cometia crimes, como furtos, o que também teria motivado o assassinato.
No computador dela, a polícia encontrou uma pasta deletada exatamente no dia 12 de junho. Ao recuperar a pasta, os policiais verificaram que se tratava de um dossiê que a jovem montou contra Yuri.
“Segundo ele [Marcos Yuri], seria a insistência da Carmen para ele assumir o namoro, que ele não aceitava. Tinha uma pasta criada com indícios da prática de roubo, mas o Marcos disse que não viu a pasta, a preocupação dele era apagar indícios do crime. No entanto, no nosso entendimento, ele [Marcos] sabia o conteúdo da pasta e talvez essa seja a motivação do homicídio”, explica o delegado.
Restos de ossos, aparentemente de animais, foram encontrados no sítio de Marcos Yuri e encaminhados à perícia. Em 31 de julho, a polícia também localizou alguns pedaços de um possível telefone dela na propriedade rural, e os restos também foram enviados para análise. Os resultados não foram divulgados até a última atualização desta reportagem.
Restos de um telefone destruído que foram encontrado pela Polícia Civil baseado nos detalhes de um suspeito pelo caso do desaparecimento da Carmen
Arquivo pessoal
Miguel Rocha esclareceu que, na versão de Marcos Yuri, Carmen foi morta após ambos terem uma discussão. Em seguida, o policial decidiu matá-la.
“A gente acredita que a lona foi usada para arrastar o corpo até os fundos do sítio. Ele [Marcos Yuri] fala que eles saíram da Unesp após uma apresentação em grupo. Ele chegou ao sítio e a Carmen já estava lá. Ela iniciou a discussão, colocou ele na parede ‘hoje você vai assumir o nosso namoro ou não?’. Ela estava muito nervosa e iniciou a discussão. Na versão do Marcos Yuri, a Carmen teria ameaçado ele de morte, afrontando-o, teria pego uma faca na cozinha de churrasco e teria tentado golpeá-lo. Segundo o Marcos Yuri, o Roberto teria decidido matá-la. Infelizmente, tanto o Marcos quanto o Roberto negam a ocultação do cadáver. A gente crê que aconteceu alguma coisa grave com o corpo”, finaliza o delegado.
Carmen de Oliveira Alves e o namorado Marcos Yuri Amorim, suspeito de assassinato em Ilha Solteira (SP)
Reprodução/Facebook
Versões contraditórias
Na terça-feira (19), orientado pela advogada, Marcos Yuri prestou um novo depoimento ao delegado no Centro de Detenção Provisória (CDP) de São José do Rio Preto (SP), onde está preso temporariamente. Até então, ele tinha dito que só falaria sobre o caso à Justiça.
À polícia, Marcos Yuri disse que teve uma discussão com Carmen e que ela pegou uma faca e o ameaçou. Diante disso, ele contou que empurrou a jovem, que caiu e bateu a cabeça no chão, ficando inconsciente.
Yuri disse que, sem saber o que fazer, pediu ajuda para Roberto Carlos. O policial militar pegou, então, uma barra de ferro e bateu na cabeça de Carmen. Em seguida, Yuri relatou que Roberto cortou o pescoço da estudante com uma faca.
O namorado ainda confirmou que ajudou a arrastar o corpo de Carmen até um curral, antes do policial militar o esconder. O local onde o cadáver foi descartado não foi informado pelo suspeito.
O policial, no entanto, negou a participação no desaparecimento da estudante trans e afirmou ao delegado que Yuri a assassinou e escondeu o corpo.
Questionado sobre as diferentes versões dadas pela dupla, o delegado informou que vai ouvir outras testemunhas nos próximos dias e que tem até o dia 6 de setembro para concluir o inquérito policial.
A perícia ainda analisa os ossos queimados encontrados no sítio de Yuri e o celular despedaçado, que podem ser de Carmen. Os restos foram localizados pela polícia após Roberto confessar que teriam destruído o telefone dela.
Até o momento, a investigação aponta que Carmen foi assassinada pelo namorado, com a ajuda do policial comparsa, que também é amante dele. A ocorrência, que foi inicialmente tratada como desaparecimento de pessoa, é investigada como feminicídio.
Suspeitos localizados e presos
Em 10 de julho, dois dias antes de completar um mês do desaparecimento da jovem, depois de buscas e protestos, a polícia prendeu os suspeitos. De acordo com o delegado, o envolvimento afetivo e financeiro entre os dois se revelou parte da dinâmica.
Conforme a investigação, o último lugar onde Carmen esteve foi a casa do namorado, Marcos Yuri, em um assentamento. Os policiais verificaram que Roberto Carlos, por sua vez, atuou como comparsa de Yuri, já que também tinha um relacionamento com ele.
O delegado responsável pela investigação, Miguel Rocha, pediu à Justiça a quebra de sigilo telefônico dos suspeitos e teve acesso a informações que indicam que Carmen não saiu de Ilha Solteira. Imagens de câmera de segurança também mostram que ela entrou na residência do namorado, mas não saiu do local.
No dia 10 de julho, a polícia cumpriu os mandados de prisão temporária, de 30 dias, contra Marcos Yuri e Roberto Carlos, que atuava como policial militar ambiental da reserva na cidade. A partir daí, o delegado deixou de tratar o caso como desaparecimento de pessoa e passou a classificá-lo como feminicídio.
Carmen de Oliveira, estudante transexual, desapareceu após sair da faculdade em Ilha Solteira (SP)
Reprodução/Facebook
Cronologia
•Desaparecimento
Conforme a mãe de Carmen relatou à polícia, um dia antes do sumiço, em 11 de junho, por volta das 23h, a jovem saiu de casa com uma bicicleta elétrica de cor preta. A bicicleta dela não foi localizada. Familiares ainda afirmaram que Carmen nunca havia desaparecido antes.
Após o ocorrido, parentes e amigos auxiliaram os policiais nas buscas e fizeram várias manifestações pedindo respostas para o caso. Entre os locais vasculhados estava a região próxima ao rio da cidade, onde o sinal do celular de Carmen foi captado pela última vez.
Também foram feitas buscas em uma área de mata próxima à universidade, onde foram encontradas marcas de pneus compatíveis com os da bicicleta elétrica que ela usava no momento do desaparecimento.
Segundo o boletim de ocorrência, a estudante estava na Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde fez uma prova do curso, antes de desaparecer. Ela foi vista pela última vez perto de um ginásio.
Investigação
O delegado responsável pelo inquérito policial afirmou que a investigação apontou as seguintes motivações para o assassinato:
Carmen pressionou Yuri para que assumisse o relacionamento. Apesar de a família da vítima conhecer a relação, ela não era pública;
Carmen descobriu que ele cometia crimes, como furtos, e elaborou um dossiê no computador com provas, que foi deletado posteriormente;
Havia um triângulo amoroso: o policial da reserva preso ajudou Yuri no crime e mantinha uma relação com ele, segundo a polícia.
Assassinato de estudante trans da Unesp: veja a cronologia do desaparecimento às buscas pelo corpo da jovem
Beatriz Santos/Arte g1/TV TEM
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