
Quem convive com uma pessoa idosa com Alzheimer sabe que os dias nem sempre são lineares. Há momentos de calma, de ternura, de conexão… e há momentos de confusão, de agitação, de tristeza. Um dos episódios que mais desestabilizam a rotina da família e dos cuidadores é o que chamamos de Síndrome do Pôr do Sol.
Esse nome um pouco poético, esconde uma realidade desafiadora: no final da tarde, quando a luz do dia começa a baixar, muitos pacientes apresentam sintomas como irritabilidade, confusão mental, desorientação e, não raramente, uma vontade intensa de “ir embora” – mesmo estando em casa.
Às vezes, eles dizem que precisam “voltar pra casa”, como se estivessem num lugar estranho. Outros ficam mais ansiosos, inquietos, angustiados. Tudo isso pode ser assustador, especialmente para quem está começando a lidar com a doença.
Ninguém tem culpa
Mas antes de tudo, quero deixar uma mensagem clara: isso não é culpa de ninguém, nem do idoso, nem de quem cuida dele. É uma manifestação da própria doença, que altera a forma como o cérebro percebe o tempo, o espaço e até a luz.
No hospital de transição onde atuo e no meu dia a dia como geriatra, vejo com frequência famílias cansadas, muitas vezes se sentindo impotentes diante dessas crises. E eu sempre digo: há sim formas de amenizar esse sofrimento. Pode não ser possível evitar totalmente, mas é possível acolher, entender e cuidar com mais leveza.
A primeira coisa que ajuda muito é entender por que isso acontece. Com a chegada do entardecer, há uma mudança natural na luminosidade do ambiente, e isso afeta o funcionamento do cérebro — especialmente em pessoas com Alzheimer, cujo relógio biológico já está fragilizado.
O corpo começa a se preparar para o descanso, mas a mente doente entra em alerta, como se algo estivesse errado. O escurecer do dia pode trazer um sentimento de insegurança, solidão ou abandono. Para quem já está confuso, tudo isso ganha proporções maiores.
O que fazer quando o sol se põe
Aqui vão algumas medidas simples e muito eficazes, que eu mesmo oriento no dia a dia, tanto para cuidadores quanto para as equipes que atuam conosco no hospital:
- Ambiente tranquilo e familiar
No fim da tarde, diminua os estímulos. Apague luzes fortes, desligue a televisão barulhenta, evite conversas agitadas. Ao mesmo tempo, procure manter o espaço familiar e reconfortante. Fotografias de família, objetos pessoais queridos… tudo isso ajuda o idoso a sentir que está num lugar seguro.
- Música e afeto
A música tem um poder incrível. Se possível, coloque canções que a pessoa gostava de ouvir na juventude. Pode ser um bolero, um hino da igreja, um samba antigo… o que for familiar e afetivo. Isso resgata memórias boas e traz uma sensação de pertencimento.
- Rotina durante o dia
Uma noite tranquila começa durante o dia. Evite que o idoso durma demais ao longo do dia, pois isso atrapalha o sono noturno.
Atividades leves, como caminhar no quintal, regar as plantas, dobrar panos, ouvir histórias, ajudam a manter o corpo e a mente mais organizados. Evite bebidas estimulantes (como café ou refrigerantes escuros) após o almoço e prefira refeições leves no fim da tarde.
- Acolher, não corrigir
Quando o idoso disser que quer “ir embora”, evite dizer “você já está em casa, pare com isso”. Em vez disso, acolha. Diga: “Está tudo bem, você está seguro. Vamos sentar aqui um pouquinho, depois a gente vê isso”. Muitas vezes, o simples fato de se sentir ouvido e acompanhado já acalma.
Não enfrente isso sozinho
Cuidar de alguém com Alzheimer é um ato de amor, mas também exige rede de apoio. Grupos de orientação, acompanhamento profissional, espaços de escuta… tudo isso ajuda a dividir o peso emocional dessa jornada. No nosso hospital de transição, cuidamos não só do paciente, mas também da família – porque entendemos que o cuidado precisa ser ampliado, humano, contínuo.
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A Síndrome do Pôr do Sol é só uma das muitas expressões do Alzheimer. Cada paciente vive a doença de um jeito, e cada família encontra caminhos próprios para lidar com ela. Mas é importante lembrar que ninguém está sozinho nessa caminhada. Há formas de cuidar melhor, de sofrer menos, de construir momentos de paz mesmo em meio à doença.
Aos poucos, com paciência e afeto, vamos aprendendo a respeitar o tempo do outro, a escutar com mais empatia, a oferecer o que há de mais precioso: presença e amor.
Se você tem um familiar que vive essa realidade, não desanime. Procure ajuda, compartilhe experiências, busque orientação com profissionais que entendem de geriatria e cuidados continuados. À medida que o sol se põe, podemos sim transformar o entardecer em um momento mais leve, mais calmo… mais humano.