Quais são os direitos da criança dentro da escola? Entenda proteções e saiba identificar sinais de violência


Professora é investigada por agredir criança de 4 anos em escola particular no RS
O caso de uma professora filmada agredindo um menino de 4 anos com uma pilha de livros, em uma escola infantil de Caxias do Sul, chamou atenção para a responsabilidade da escola e dos profissionais da educação na proteção da infância. (entenda o caso abaixo)
Mas o que a lei prevê em situações como essa? Quais são os direitos da criança na escola?
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Para responder, o g1 conversou com a professora Ana Paula Motta Costa, da Faculdade de Direito da UFRGS, especialista em Direito da Criança e do Adolescente. Para ela, a educação é um direito fundamental e só pode acontecer em um ambiente seguro, protegido e adequado.
Responsabilidade compartilhada
Segundo Ana Paula, ao deixar um filho na escola, os pais partem da confiança de que a criança será cuidada por responsáveis.
“No mínimo, o direito da criança é estar protegida e cuidada por algum adulto que é responsável por ela na ausência dos seus pais ou dos seus responsáveis legais”, comenta.
Para a especialista, a escola não é apenas um lugar de ensino, mas também um espaço de cuidado e proteção, e que essa responsabilidade começa no momento em que os pais confiam seus filhos à instituição.
Assim, o dever não recai apenas sobre o professor, mas também sobre a instituição:
“Além de fiscalizar e acompanhar, [a escola] deve orientar os seus professores sobre como devem conduzir o trabalho com as crianças”, completa.
O que diz o ECA
Conforme a professora, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê diferentes formas de responsabilização em casos de violência, desde a esfera criminal até indenizações por danos morais.
Em algumas situações, a escola, inclusive, pode ser responsabilizada judicialmente e até ter suas atividades suspensas.
“Existem várias possibilidades de responsabilização institucional por maus-tratos, a ponto de chegar ao fechamento de uma instituição que trabalha com criança, o desligamento, o afastamento do seu dirigente”, explica Ana Paula.
O dever legal da escola e dos professores
A Constituição Federal, no artigo 227, estabelece que é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar os direitos das crianças e adolescentes, protegendo-os de qualquer forma de violência. Essa proteção abrange não apenas agressões físicas e psicológicas, por exemplo, mas também situações como o bullying, que podem comprometer o bem-estar e o desenvolvimento dos alunos no ambiente escolar.
“As crianças estão para a Constituição como um grupo social que, para atingir um patamar de igualdade de tratamento em relação aos adultos, precisa de um atendimento especial”, comenta a professora.
Ana Paula explica que a infância é uma fase peculiar e intensa do desenvolvimento humano, o que exige uma proteção especial por parte dos adultos. Durante esse período, a criança ainda não possui autonomia plena, e por isso depende do cuidado e da responsabilidade dos adultos para garantir seu crescimento saudável e seguro.
Essa proteção deve ser assegurada até que o processo gradativo de autonomia se estabeleça, momento em que o sujeito passa a assumir mais responsabilidades por si mesmo.
O papel dos pais
Para a professora, a família não pode se afastar da vida escolar.
A participação ativa dos pais na rotina é essencial para garantir a proteção e o bem-estar das crianças. Isso inclui atitudes básicas, como conversar regularmente com os professores, comparecer às reuniões escolares, acompanhar os registros enviados pela escola e observar atentamente o comportamento dos filhos.
“A gente conhece os filhos. Então, quando os filhos vão para a escola e voltam de um jeito diferente, e voltam reclamando muito de um respectivo professor ou de um funcionário ou de alguém nesse espaço escolar, os pais devem ficar atentos”, orienta Ana Paula.
Ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado ao validar automaticamente todas as reclamações dos filhos sobre a escola, desconsiderando a autoridade dos professores.
Conforme a professora, esse tipo de postura também é prejudicial, pois o docente precisa ter sua autoridade respeitada dentro do ambiente escolar. No entanto, essa autoridade, assim como a dos pais, tem limites: ela deve ser exercida com responsabilidade e sem ultrapassar os direitos da criança.
“A autoridade dos pais vai até o momento da escola assumir a responsabilidade sobre os filhos, mas não quer dizer que os pais tenham que se desonerar das suas responsabilidades”, diz.
A quem recorrer
Em casos de suspeita ou confirmação de violência, a escola, segundo Ana Paula, deve ser a primeira instância de diálogo, mas situações graves, como a agressão registrada em Caxias do Sul, exigem ação imediata dos órgãos competentes.
Os pais ou qualquer pessoa podem acionar o Conselho Tutelar, a polícia e até o Ministério Público da Infância.
O Disque 100 também é uma alternativa para denúncias anônimas.
Responsabilidade de todos
Para a professora, a proteção da criança é dever coletivo.
“No espaço escolar, todos que estão ali são responsáveis. Claro, institucionalmente, a escola é responsável, a professora que agrediu [também] é, mas o profissional que trabalha do lado, em ver a situação, em levar adiante para o seu superior, tudo isso faz parte do conceito de que a sociedade é responsável pelas crianças”, conclui.
Conforme Ana Paula, essa vulnerabilidade da criança está relacionada tanto à estrutura física, por serem pequenas, quanto à sua capacidade de compreensão, já que muitas vezes não entendem exatamente o que está acontecendo ao seu redor.
Por isso, ela defende que todos, não apenas os pais e educadores, mas qualquer pessoa, devem estar atentos e comprometidos com a proteção da infância.
Agressão em Caxias do Sul
Professora que agrediu menino de 4 anos é presa preventivamente
A professora Leonice Batista dos Santos, de 49 anos, foi presa preventivamente na manhã de sexta-feira (22). A criança agredida perdeu um dente e teve outros cinco comprometidos, precisando usar aparelho.
De acordo com a delegada Thalita Giacomiti Andriche, foi instaurado um inquérito para investigar o caso, que é tratado como maus-tratos qualificado pela lesão grave. Ela não descarta que o crime também possa ser enquadrado como tortura.
O advogado Henrique Bischoff Hartmann, responsável pela defesa de Leonice em Palmeira das Missões, informou ao g1 que ela “permanecerá em silêncio” e que será solicitado um pedido de habeas corpus.
Nas imagens registradas pela câmera de segurança da escola, a professora aparece gritando com o menino e, logo depois, atingindo ele com uma pilha de livros. É possível ouvir o barulho da batida. Em seguida, a docente coloca os materiais sobre uma mesa, pega um papel para limpar a criança e, por fim, a conduz para outro local. (veja acima)
Segundo os pais, a educadora foi a primeira a primeira a entrar em contato e afirmou que a criança havia sofrido uma queda no banheiro e batido a boca. No entanto, ao levarem o filho ao consultório de uma dentista, ouviram dela que os ferimentos talvez não fossem resultado de uma queda.
A escola teria entrado em contato por telefone em seguida. Os pais pediram imagens de câmeras de segurança para verificar o que realmente havia acontecido.
Pouco tempo depois, a escola retornou a ligação dizendo que o assunto era urgente e pedindo que eles eles fossem até a instituição. Lá, os pais viram o vídeo e ficaram sabendo o que aconteceu.
A Escola Infantil Xodó Da Vovó, que atende cerca de 90 alunos, demitiu a profissional após verificar as imagens das câmeras de segurança.
A direção divulgou, em nota, que “segue à disposição das famílias para quaisquer esclarecimentos e reitera seu compromisso diário com uma educação baseada no cuidado, na ética e no bem-estar das crianças”.
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Como está o menino
Conforme informado pelos pais, o menino está em recuperação, mas enfrenta restrições alimentares e emocionais.
“Ele não pode fazer força nos dentes. Então, é só papinha, só iogurte, sopinha, arroz e feijão amassado. É triste falar, é ruim. Sinto ele muito com medo. Qualquer barulho para ele, ele está assustado, até conosco. E é um trauma. Fica um trauma. Trauma para sempre”, desabafa o pai.
Apesar do choque, os pais afirmam que não culpam a escola, mas querem justiça: “Quero que ela vá presa. A situação é difícil. O pior de tudo é ver o filho da gente ter que almoçar de canudo, jantar de canudo. Isso é o que mais dói. Isso não se faz, é um inocente”, disseram.
Professora é investigada por agredir criança de 4 anos em escola particular no RS
Reprodução/ Câmera de segurança
O que diz a escola
“A Escola Xodó da Vovó lamenta profundamente o episódio ocorrido envolvendo uma professora e um de nossos alunos. A profissional foi imediatamente afastada, as autoridades policiais comunicadas e a família da criança está recebendo todo o apoio necessário. Reforçamos que a apuração dos fatos e a devida responsabilização estão sendo conduzidas pelas autoridades competentes, que contam com o total apoio e colaboração desta instituição.
Reafirmamos nosso compromisso inegociável com a segurança, o respeito e a integridade de todos os nossos alunos e não toleraremos situações que contrariem os valores desta Escola Infantil. Seguiremos colaborando integralmente com as autoridades e trabalhando para garantir um ambiente seguro e respeitoso para todos os nossos alunos.
A Escola Xodó da Vovó segue à disposição das famílias para quaisquer esclarecimentos e reitera seu compromisso diário com uma educação baseada no cuidado, na ética e no bem-estar das crianças. Estamos juntos com nossa comunidade para fortalecer ainda mais um ambiente de confiança, aprendizado e acolhimento.
Departamento Jurídico
Escola Xodó da Vovó”
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