Culinária paraense supera preconceito após ser barrada na COP30

No amanhecer do Mercado Ver-o-Peso, em Belém (PA), o tucupi borbulha nas panelas, o jambu repousa em feixes úmidos e o cheiro da maniçoba, cozida por dias, toma conta do ar. Ali, entre bancas coloridas e vozes que se misturam, a cozinha paraense reafirma todos os dias sua importância como alimento e como identidade. Por isso, a notícia de que pratos típicos seriam vetados do cardápio da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) caiu como afronta — e foi recebida com indignação.

O edital que barrava açaí, tucupi e maniçoba, sob alegação de risco sanitário, soou, para muitos, como mais um capítulo de preconceito contra a Amazônia e sua gente. A reação foi imediata e levou a organização a recuar, permitindo que os sabores locais estejam presentes na conferência mundial marcada para novembro, em Belém.

Para o chef paraense Charles Alves, que comanda um restaurante na capital, o veto nunca se sustentou. “O tucupi é preparado há séculos, alimenta gerações e já foi servido até em outras COPs. A única justificativa para esse tipo de exclusão é o preconceito contra a nossa cultura e contra a Amazônia”, critica.

Tacacazeira prepara tacacá nas ruas de Belém – Foto: Pedro Guerreiro / Agência Pará

Entre as barracas do mercado, a cozinheira Maria das Graças Ferreira, que há 20 anos prepara maniçoba para vender em marmitas, reforça o argumento com simplicidade: “Comida de qualquer lugar pode fazer mal se for mal feita. Se um peixe não for fresco em São Paulo ou se uma carne não for bem guardada em Brasília, também faz mal. O problema nunca é a nossa comida, é o cuidado no preparo”.

A reação não ficou restrita aos paraenses. O turista paulista Rogério Nascimento, apaixonado pela culinária local, lembra da primeira vez em que provou tacacá. “Eu viajo o Brasil inteiro e nunca comi nada igual. A comida daqui é parte da experiência de conhecer o Pará. Imaginar uma COP sem isso seria como tirar o acarajé da Bahia”, compara.

Mais do que ingredientes, a polêmica revelou a luta pelo reconhecimento de uma culinária que é também patrimônio cultural. O açaí, base alimentar de milhões de famílias; o tucupi, legado dos povos indígenas; e a maniçoba, presença obrigatória nas festas do Círio de Nazaré, carregam história, memória e resistência.

Edital para quem?

Após a repercussão negativa, a organização da COP informou que o edital foi revisto e que a culinária paraense não será excluída. Vale lembrar, no entanto, que o documento impacta apenas os eventos oficiais da conferência do clima. A definição final dos cardápios seguirá diretrizes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) e da Vigilância Sanitária, mas agora com a garantia de que os pratos regionais terão espaço.

Assim, o episódio que tentou reduzir a força da gastronomia amazônica acabou por dar ainda mais visibilidade a ela. E, independentemente das normas da conferência, nas ruas de Belém, nos restaurantes e nas feiras, a culinária paraense seguirá disponível para ser descoberta e saboreada — durante a COP30 ou em qualquer época do ano.

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