Portal do Sertão se articula rumo à Marcha de Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver: “O Estado tem que nos reparar”

Caravana Portal do Sertão - ft Alan Suzart - MOC - mulheres negras
Foto: Alan Suzart/MOC

“Pela Reparação e pelo Bem Viver, o Brasil nos deve!”. Com essa afirmação que carrega séculos de luta e o peso da história, mulheres negras de diversos municípios do Portal do Sertão ocuparam, no sábado (19), o Colégio Estadual de Tempo Integral (CETFS), no bairro Aviário, em Feira de Santana, para construir juntas o caminho até a Marcha Nacional de Mulheres Negras 2025, que acontece em 25 de novembro, em Brasília.

Mais que um encontro regional, a Caravana do Portal do Sertão foi um chamado à ação: um dia inteiro de organização política, reencontros, articulação entre territórios e afirmação de um projeto de futuro baseado na justiça racial. Participaram mulheres negras de Feira de Santana, Tanquinho, Irará, Amélia Rodrigues, Água Fria, Serrinha, Antônio Cardoso e Terra Nova, entre outras cidades da região, reafirmando que não aceitam – e nunca aceitaram – viver à margem. Elas exigem terra, dignidade, segurança, justiça, educação e o direito de viver bem.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

“Rumo à 1 milhão de Mulheres Negras em Brasília”

A Marcha retorna uma década após a histórica mobilização de 2015, agora para reforçar que a dívida com o povo negro não foi esquecida. Para Suely Santos, da Rede de Mulheres Negras da Bahia, já passou da hora de superar a discussão das políticas públicas e direitos humanos. Isso é o básico para uma sociedade que se diz democrática.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Suely Santos | Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

“Queremos reparação histórica pelo processo de escravidão, pelo crime contra a humanidade que foi o tráfico de negros e negras para as Américas, conforme foi acordado em Durban. Não estamos brincando, estamos indo à luta e vamos exigir do Estado brasileiro reparação pelos mais de 400 anos trabalhados gratuitamente para a construção desse país”, afirmou.

A Conferência de Durban, realizada pela ONU em 2001, na África do Sul, foi um marco internacional no reconhecimento da escravidão e do tráfico transatlântico de africanos como crimes contra a humanidade, reforçando o direito à reparação histórica para os povos africanos em diáspora.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Para Suely, que esteve em Durban, em 2001, esse novo momento do movimento traz ainda mais responsabilidade em levar o legado e o debate da Reparação e do Bem Viver novamente para a sociedade. Vale reforçar que a Reparação não é só uma pauta das mulheres negras – é um projeto para o país.

“Nós vamos exigir justiça pelo período em que, após a dita abolição da escravatura, a gente ficou ao léu, não teve direito à terra, à educação e foi obrigada a se confinar em favelas, em comunidades sem infraestrutura, sem condição nenhuma de uma vida normal, justa. Então, pela Reparação e pelo Bem Viver, nós não vamos abrir mão. Vamos a Brasília dizer ao Estado brasileiro que ele nos deve – e que cometeu um crime contra nós.”

Caravana Portal do Sertão

“Bem Viver é o futuro”

A ideia do Bem Viver mostra que é possível construir uma nova forma de vida em sociedade, com mais igualdade, justiça social e ambiental. Um modelo em que mulheres negras tenham voz e presença nos espaços de decisão, educação e trabalho digno — e não apenas nos lugares de exclusão, como a informalidade, a pobreza e o silêncio.

“Não há possibilidade de você ter um Bem Viver se a população negra não for reparada por todos os anos de escravidão. É um vácuo na nossa existência, é um dilaceramento cultural sem precedentes. Então o Bem Viver vem no sentido contrário, vem na contramão até mesmo do socialismo. Porque ele traz para a sociedade brasileira novas experiências civilizatórias que vão desembocar, certamente, num modelo novo de desenvolvimento nunca visto – e que é para toda a sociedade”, explicou Suely.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

Karine Teixeira Damasceno, uma das organizadoras da Caravana e integrante do Comitê Impulsor do Território Portal do Sertão, reforçou a importância de construir uma agenda coletiva junto a esses territórios onde o Estado costuma não chegar.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Karine Teixeira Damasceno | Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

“É importante dizer que a gente está na área periférica de Feira. E nós estamos marchando para levar nossa pauta, nossa perspectiva de Reparação e Bem Viver a Brasília. Então o desafio para nós aqui hoje é pensar quais estratégias precisamos adotar, nós que estamos não só na periferia de Feira de Santana, mas na periferia do Brasil.”

Em um dia de rodas de conversa, análises históricas, estratégias de mobilização, a programação também teve encontros afetivos entre as militantes e muito samba de roda, com o grupo Samba de Mães. Para muitas, como Mércia Guerra Freitas, do Quilombo Santo Antônio, em Antônio Cardoso, a luta também é uma herança que se planta para o futuro.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Mércia Guerra Freitas | Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

“Estamos construindo algo que Maria Helena [sua filha], de um ano e três meses, hoje, vai conseguir colher lá na frente – e que a gente já está colhendo o que as nossas ancestrais começaram a plantar. É preciso movimentar as mulheres pela garantia dos seus direitos. Isso faz com que a gente tenha esperança de que as coisas não estão boas, mas vão ficar. E a gente precisa se levantar para que fiquem.”

Tânia Márcia Pereira, da Rede de Mulheres Negras da Bahia e do Força Negra, reforçou a dimensão estratégica dessa ação.

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Tânia Márcia Pereira | Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

“Vamos levar nossas pautas, em carta, para entregar ao presidente. Estamos em marcha por essa reparação e pelo Bem Viver do povo negro, para que possamos ir e vir com segurança, com o mínimo de dignidade que temos direito.”

Caravana Portal do Sertão - Mulheres Negras
Foto: Jaqueline Ferreira/Acorda Cidade

A Marcha está sendo “gestada e parida por elas”, num processo de mobilização urgente, de quem sabe que o tempo da espera já passou. É uma convocação à transformação estrutural do Brasil. Um murro no estômago para todos que ainda subestimam a força do Movimento de Mulheres Negras no Brasil e no mundo. É a reafirmação de que o povo negro tem memória, propósito. Tem projeto de nação – e não abrirá mão de viver bem, com dignidade.

“É fundamental que você se organize, que chame sua comunidade, sua escola, suas colegas de trabalho para a construção desse importante momento. Pela reparação e Bem Viver, rumo à Marcha de 2025”, completou Suely.

Veja mais fotos na galeria abaixo:

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