Uma paciente de 52 anos foi encontrada morta, na madrugada desta terça-feira (22), no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), após quatro dias de internação no local. O caso foi denunciado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que esteve no hospital psiquiátrico localizado em Taguatinga, região administrativa do DF, na manhã desta quarta-feira (23) para diligência.
A mulher foi internada no HSVP na última sexta-feira (18). Segundo informações obtidas pelo Brasil de Fato DF, ela apresentava um quadro de desequilíbrio de potássio e de inanição. Apesar de ser uma condição potencialmente grave, a instituição considerou que a paciente poderia continuar sendo monitorada no local, sem encaminhamento para emergência. Na madrugada de terça (22), a mulher foi encontrada desacordada no banheiro por outra paciente.
A coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, Keka Bagno, informou que durante a diligência, ao ser questionada sobre a morte, a direção do HSVP não soube, no primeiro momento, sequer informar o nome da paciente e as condições da morte. “Chama muita atenção a direção do hospital não saber o nome da paciente. Como é que morre alguém no seu serviço e você não sabe quem foi, quem era a pessoa, qual é a história dela?”, questionou Bagno.
Ainda de acordo com as informações, a direção do hospital observou que todos os procedimentos de reanimação foram realizados, mas a paciente não resistiu. O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) e a causa da morte segue em investigação.
O HSVP também foi o local de óbito de Raquel Franca, jovem de 24 anos encontrada morta na instituição na noite de natal de 2024. De acordo com o relatório de inspeção realizada em janeiro e divulgado em março deste ano, há “fortes indícios” de que a jovem foi vítima de “condutas prejudiciais e desassistência”. O documento também aponta que a rotina do hospital é de ócio e hipermedicalização dos pacientes, que sofrem violência verbal e contenções mecânicas, e recomenda à Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) o fechamento imediato da porta de entrada do hospital.
Segundo Bagno, a situação continua a mesma no hospital. “Percebemos [na manhã desta quarta (23)] o que já tínhamos percebido em dezembro, quando fizemos outra diligência. Naquele relatório a gente já indicava que as mulheres estavam hipermedicalizadas, e hoje nos deparamos novamente com mulheres hipermedicalizadas lá dentro. E o hospital estava mais cheio do que em dezembro”, afirmou ao Brasil de Fato DF.
A comissão responsável pela diligência apurou que havia, nesta quarta (23), 26 pacientes no Pronto Socorro do HSVP e 29 na enfermaria. Além do mandato do deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF), participaram da inspeção o distrital Gabriel Magno (PT-DF), os deputados federais Erika Kokay (PT-DF) e Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), o Conselho Regional de Psicologia (CRP-DF) e o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura (MNPCT). O grupo solicitou uma reunião com o Ministério Público para tratar do caso.
“O que presenciamos ali foi, de fato, uma prisão. Não há projeto terapêutico, tampouco qualquer proposta de ocupação criativa do tempo. Durante a visita, uma pessoa relatou que, após tomar café, vai para o banho de sol — ou seja, até a linguagem reproduz a lógica prisional. Ouvimos denúncias graves de tortura, incluindo relatos de enforcamento”, afirmou o deputado Pastor Henrique Vieira, presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Luta Antimanicomial da Câmara dos Deputados.
Fechamento do HSVP
O relatório apresentado em março, após a morte de Raquel Franca, recomenda à Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) a implementação de medidas para a desativação definitiva da instituição psiquiátrica, com o fechamento imediato da porta de entrada do pronto atendimento (PA) do HSVP. “Não dá mais para o São Vicente receber gente como se aquela prática fosse a prática correta de atendimento à saúde mental”, avaliou Fábio Felix, presidente da Comissão de Direitos Humanos da CLDF.
O Hospital São Vicente de Paulo foi inaugurado como instituição psiquiátrica em 18 de maio de 1976. Mais de 48 anos depois, apesar da política de desinstitucionalização instituída pela Reforma Psiquiátrica e outras legislações, o Hospital segue funcionando com internações prolongadas e violações. Por isso, organizações de saúde mental classificam a instituição como um “manicômio público e ilegal”.
Uma das normas contrariadas com a continuidade do funcionamento do HSVP é a lei distrital nº 975/95. Promulgado em 1995, o texto previa a “redução progressiva da utilização de leitos psiquiátricos em clínicas e hospitais especializados”, que deveriam ser extintos em um prazo de quatro anos, ou seja, até 1999. Há um atraso de mais de 25 anos no cumprimento da norma.
“O Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, pela legislação, já deveria ter sido fechado há mais de vinte e cinco anos. A engrenagem manicomial adoece não apenas as pessoas internadas, mas também os próprios trabalhadores. Há, inclusive, relatos de suicídios entre os funcionários, evidenciando o quanto esse sistema é adoecido e viciado”, destacou Vieira.
Saúde mental no DF
A Rede de Atenção Psicossocial (Raps), da qual os Caps fazem parte, é a alternativa para o modelo manicomial. A política propõe outras modalidades de assistência, por meio, por exemplo, de equipes multidisciplinares e da participação comunitária no tratamento. Já o atendimento de emergências em saúde mental deve ser feito em leitos psiquiátricos de hospitais gerais.
O DF, no entanto, tem uma das piores coberturas de Caps do país, contando com apenas 18 serviços desse tipo. Segundo a 13ª edição do relatório Saúde Mental em Dados, divulgado pelo Ministério da Saúde neste ano, o indicador de cobertura de Caps por 100 mil habitantes no Brasil é de 1,17, enquanto no DF esse índice é de 0,55, o segundo pior do país, ficando atrás apenas do Amazonas (0,49). Além disso, o DF conta com apenas uma Residência Terapêutica – moradia destinada ao tratamento assistido de pacientes que necessitam de suporte contínuo à saúde mental.
De acordo com especialistas, a existência do HSVP é um obstáculo para a ampliação da Raps no DF, tendo em vista o aporte de recursos direcionados para a manutenção da instituição. Segundo informações da Secretária de Saúde do DF (SES-DF), em agosto de 2023, o custo mensal médio do HSVP era de mais de R$ 5,7 milhões, chegando ao valor anual de R$ 69,3 milhões. Já para a manutenção de dois Caps do tipo 3, que possuem leitos para acolhimento noturno e oferecem atendimento 24 horas, a média mensal é de R$ 640 mil. Portanto, o recurso gasto para manter o HSVP seria suficiente para custear nove Caps 3.
Durante a reunião de apresentação do relatório de inspeção do HSVP, a subsecretária de Saúde Mental da SES-DF, Fernanda Falcomer, afirmou que o plano de desmobilização da enfermaria do hospital psiquiátrico seria iniciado em abril, com previsão de conclusão em setembro deste ano. “Não terá internação no São Vicente de Paulo a partir de setembro”, prometeu.
A reportagem procurou a Secretaria para esclarecimentos em relação à morte da paciente e para confirmar se o plano de desmobilização já foi iniciado, no entanto, não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.
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