
O PodNatureza de hoje está diferente: quem assume é a bióloga e doutora em Ecologia e Evolução da Biodiversidade pela PUCRS, Camila Miguel, coordenadora do Projeto Chelonia mydas, do Instituto Marcos Daniel (IMD).
Ela explica como o sexo das tartarugas marinhas não é definido por cromossomos sexuais, como nos seres humanos, mas pela temperatura da areia onde os ovos são incubados. Leia o artigo abaixo!
Mês mais quente ou frio pode decidir: ele ou ela?
Na maioria das espécies de animais, inclusive em nós humanos, o sexo é determinado durante a fertilização, ou seja, quando o espermatozoide encontra o ovócito. No entanto, alguns répteis, como as tartarugas marinhas, não possuem cromossomos sexuais “X” e “Y” que irão decidir se serão machos ou fêmeas. É a temperatura de incubação dos seus ovos que determinará o sexo. Mas como isso funciona?
Quando a tartaruga coloca seus ovos, o embrião dentro do ovo não tem um sexo definido. Conforme seu desenvolvimento progride, esse embrião vai entrar no período termosensível, que ocorre no terço médio da incubação (do 20º ao 41º dia). Durante esse período, a temperatura irá influenciar na produção de hormônios, que por sua vez irão determinar se os embriões desenvolverão características de machos ou fêmeas.

Estudos demonstraram que ovos incubados com temperaturas mais frias favorecem o desenvolvimento de machos, já temperaturas mais quentes favorecem o nascimento das fêmeas.
Existe ainda uma temperatura média (29 °C) que faz com que metade do ninho seja fêmea e a outra metade macho. No entanto, a temperatura do ninho deve estar entre 24 e 33 °C, uma vez que abaixo ou acima dessa faixa os embriões não se desenvolvem.
É por isso que no Brasil praticamente não há desovas de tartarugas marinhas na região sul do país, sendo encontradas desovas regulares somente a partir do litoral do Rio de Janeiro rumo ao norte.
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Em Regência, no Espírito Santo, pesquisadores do Projeto Chelonia mydas, do Instituto Marcos Daniel, estão colocando medidores de temperatura nos ninhos de tartarugas-cabeçudas, desde 2023. Eles querem verificar a proporção de machos e fêmeas que nasce nessa área. Uma vez que a região é conhecida por gerar uma quantidade maior de machos, fenômeno atribuído às temperaturas de incubação mais baixas em comparação as áreas de desova do norte do Brasil.

Essa pesquisa lança luz sobre os efeitos das mudanças climáticas que podem influenciar o sexo das tartarugas marinhas. Os pesquisadores Allen e Jensen estudam há anos as populações de tartarugas marinhas da Austrália e descobriram que as tartarugas mais velhas, que nasceram 30 ou 40 anos atrás, são em sua maioria fêmeas, em uma proporção de 6 fêmeas para 1 macho. Porém, tartarugas mais jovens, que nasceram nos últimos 20 anos, são 99% fêmeas.
À medida que a Terra passa por mudanças climáticas, o aumento das temperaturas médias pode resultar em condições de incubação que favoreçam somente as fêmeas ou que possam ser letais para o desenvolvimento dos embriões.
As tartarugas marinhas existem há mais de 110 milhões de anos, elas conviveram com os dinossauros e conseguiram sobreviver a todas as mudanças que ocorreram no planeta. Já enfrentaram climas muito mais quentes e também mais frios que os atuais. Por viverem há tanto tempo, elas podem ter desenvolvido mecanismos para conseguir se adaptar a essas mudanças.

No entanto, o aquecimento do planeta está acontecendo de forma tão acelerada que tudo indica que esses animais não conseguirão evoluir e se adaptar na mesma velocidade. Por isso elas precisam da nossa ajuda!
Estudos com populações de tartarugas marinhas da Europa demonstraram que em praias com mais palmeiras nasciam mais machos, pois a sombra fazia com que a areia ficasse mais fria. Desse modo, devemos lutar pela preservação da vegetação das praias, pois além de evitar a erosão e servir de alimentação e abrigo para diversos animais, ela também irá ajudar a manter as populações de tartarugas marinhas.