A recente regulamentação do ensino à distância (EaD) no Brasil representa um avanço, apesar de ainda estar longe de garantir qualidade na formação universitária, na avaliação do professor de Educação na Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara, em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Para ele, a nova norma federal corrige parte da desordem do setor, mas mantém de pé um modelo que privilegia o lucro em detrimento da formação profissional de qualidade.
“A educação de qualidade, tanto na educação básica como na superior, é efetivamente presencial. As melhores universidades do país e do mundo trabalham nesse formato”, defende. Cara argumenta que os cursos, especialmente os de medicina, enfermagem, odontologia e licenciaturas, não podem ser realizados à distância, pois exigem interação profunda e contínua entre estudantes, professores e o conteúdo prático.
A nova legislação limita o ensino remoto em cursos da área de saúde, psicologia e direito, e exige que ao menos 20% das aulas sejam presenciais ou síncronas, passo visto pelo professor como um avanço modesto diante do cenário anterior, onde a maioria das formações não exigia sequer aulas ao vivo. “Por incrível que pareça, isso é um avanço. Um avanço vergonhoso, mas é um avanço”, afirma o educador.
Democratização sem qualidade
Apesar de reconhecer que o ensino remoto ampliou o acesso ao ensino superior, Daniel Cara faz um alerta: a expansão aconteceu às custas da qualidade. “É uma falsa democratização. Tem que ser uma democratização da qualidade, não da vaga”, pontua. Ele lembra que muitos estudantes buscaram esse caminho por necessidade, e não por escolha, pois muitos vêm de contextos de vulnerabilidade, onde o diploma pode significar uma chance de inserção no mercado de trabalho.
“O brasileiro luta para conquistar o diploma. Mas esse diploma, que deveria ser uma porta de entrada, se torna o começo de um trauma, porque depois a pessoa não consegue se manter no mercado, vive em desalento”, lamenta.
Segundo o educador, há casos pontuais de “pessoas brilhantes” que conseguiram se formar em cursos EaD com pouco apoio, mas essas são exceções. Na maior parte dos casos, o modelo entrega muito pouco. “A sociedade brasileira valoriza mais o certificado do que o aprendizado”, critica.
Lucro acima da educação
O professor destaca ainda o papel das instituições privadas na precarização do ensino superior, “responsáveis por bilhões de reais negociados nas bolsas de valores tanto do Brasil, como fora do país”. De acordo com ele, o setor cresceu de forma desordenada, com foco no lucro e pouco compromisso com a formação. “A larga maioria dos estabelecimentos privados não tem nenhum tipo de compromisso com a educação, nem com o país. Estou sendo absolutamente franco”, declara.
Para Cara, a nova regulamentação do governo federal foi uma conquista por estabelecer pela primeira vez critérios mínimos para o funcionamento dos cursos à distância. O texto também obriga as instituições a oferecerem estruturas físicas, como polos presenciais com professores e atendimento.
Outra novidade é a definição de uma nova categoria: o curso semipresencial, que deve ter ao menos 70% da carga horária presencial. Para o educador, essa mudança deve impactar diretamente as margens de lucro das instituições. “Esse decreto cria algo novo. Na prática, é um recado do governo: se é para expandir em grande quantidade, que seja o semipresencial, e não o EAD puro.”
Ele defende que o setor privado do ensino superior precisa ser regulado de forma mais rígida e aponta que o atual decreto deve ser apenas o primeiro passo. “A educação superior está diretamente relacionada ao desenvolvimento do país. E o Brasil está muito atrasado nesse sentido”, afirma. “Espero que os cursos ofertem a educação que o povo brasileiro merece”, finaliza.
Para ouvir e assistir
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