A Associação Americana de Juristas (AAJ) formalizou uma denúncia no Conselho de Direitos Humanos da ONU contra a situação dos venezuelanos que estão presos no presídio de segurança máxima de El Salvador. De acordo com o grupo de advogados, o Centro de Confinamento por Terrorismo (Cecot) viola os direitos humanos dos migrantes que foram presos nos Estados Unidos e enviados ao presídio salvadorenho.
O texto enviado pela AAJ afirma que o governo de Donald Trump construiu uma “narrativa falsa de criminalização dos migrantes venezuelanos, a maioria dos quais deixa seus países de origem por razões econômicas, acusando-os e criminalizando-os coletivamente sem provas”.
Ainda segundo os juristas, o uso da Lei de Inimigos Estrangeiros para prender e deportar migrantes venezuelanos a um presídio em um país terceiro representa uma “violação flagrante das proteções constitucionais nos Estados Unidos, previstas na Quinta e na Sexta Emendas, bem como dos ‘Direitos Miranda’ de cidadãos venezuelanos transportados ilegalmente em voos dos EUA para El Salvador”. A Quinta Emenda da Constituição estadunidense garante o direito de não autoincriminação. Já a Sexta Emenda assegura o direito a um julgamento justo, com a presença de um advogado e julgamento por júri. O chamado Aviso de Miranda, ou Lei de Miranda, refere-se ao direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si mesmo.
Segundo o grupo, esses venezuelanos estão sendo tratados como “reféns em um sequestro interestadual, sem precedentes na história estadunidense”. Os advogados pediram medidas contra as deportações ilegais realizadas pela Casa Branca sob o mandato do republicano.
A AAJ tem representação permanente perante órgãos da ONU e já havia denunciado a expulsão de migrantes dos EUA para o Cecot. O centro foi inaugurado em 31 de janeiro de 2023. De acordo com o presidente salvadorenho Nayib Bukele, o centro penitenciário era, naquele momento, o maior da América Latina, com uma capacidade de 40 mil presos. Hoje, o presídio tem cerca de 15 mil pessoas detidas, sendo 252 venezuelanos acusados de fazer parte do grupo criminoso Trem de Aragua.
Para isso, o governo usou a Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798. A legislação estabelece que qualquer pessoa que esteja nos Estados Unidos e seja considerada de uma organização terrorista está sujeita a ser deportada como “inimigo estrangeiro”. Esses cidadãos, no entanto, precisam ter mais de 14 anos e não podem ser naturalizados ou residentes permanentes dos EUA.
Para ser considerado um presídio de segurança máxima, o Cecot se tornou também um negócio para El Salvador. Primeiro porque o governo salvadorenho recebe 20 mil dólares (R$ 109 mil) por cada deportado que recebe dos EUA. Somente para os 252 venezuelanos, os EUA pagarão US$ 6 milhões (R$ 35 milhões) por um ano. Bukele pretende expandir o presídio para receber mais deportados dos EUA.
De acordo com o Wall Street Journal, o presidente salvadorenho teve uma reunião com a Secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, para tratar sobre a possibilidade de expansão. Essa é a única prisão que não está superlotada no país.
Desde que assumiu a presidência em 2019, o mandatário adotou uma política punitivista de encarceramento em massa que levou a mais de 85 mil prisões no período. Essas medidas de Bukele são questionadas e denunciadas por diversos organismos internacionais.
O encarceramento em massa é admitido pelo próprio governo, que assume ter prendido cerca de 8 mil pessoas inocentes. Atualmente, a população carcerária em El Salvador é de 115.605, o que representa uma taxa de 1.824 presos por 100.000 habitantes (quase 2% da população).
Como é o Cecot
O centro de segurança máxima está em Tecoluca, a cerca de 75 quilômetros da capital San Salvador. Conhecido por um forte esquema de segurança, o local tem 19 torres de vigilância com mais de 15 metros de altura, sempre com 600 policiais de turno na área externa e 1.250 na parte interna. A construção mobilizou 3 mil trabalhadores e foi coordenada pela empresa mexicana Contratista General de América Latina S.A.
O custo das obras não foi divulgado, já que em abril de 2022 a Assembleia Legislativa de El Salvador aprovou, sem análise, a Lei Especial para a Construção de Centros Penitenciários. Essa regulamentação autoriza que informações públicas relacionadas a contratos, fontes de financiamento e outros assuntos referentes a 2022 e 2023 sejam ocultados.
As celas comuns têm capacidade para 100 pessoas que dormem em beliches de metal, sem colchões. De acordo com um relato da CNN, as chamadas “celas de punição” para os detentos não têm luz e nem ventilação, tendo apenas uma cama de cimento e um banheiro.
O confinamento nas celas é integral. Os detentos têm direito a 30 minutos de exercícios por dia na frente das celas. As luzes permanecem acesas 24 horas por dia e o contato com o ar livre, visitas e ligações estão completamente proibidos. As refeições servidas são compostas por feijão, macarrão e duas tortilhas, sem talheres, acompanhados de café ou uma bebida doce. Três vezes por semana, comem um ovo cozido e, às vezes, um pão doce.
O Comitê das Nações Unidas contra a Tortura da ONU já alertou para o risco de que o Cecot pratique torturas ou maus-tratos contra detentos.
O que é a AAJ
A Associação foi fundada em 1975, com status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU. Reúne juristas da América Latina com o objetivo de lutar pela autodeterminação dos povos, pela “plena independência econômica” e pela “soberania estatal sobre suas riquezas e recursos naturais”.
O grupo também tem uma ação contra o “imperialismo, o colonialismo, o fascismo, o neocolonialismo e contra a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, os povos aborígenes e as minorias nacionais”. Outros objetivos incluem a defesa da paz efetiva baseada no princípio da coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e econômicos distintos; defesa e promoção dos direitos humanos e a implementação de melhores e mais eficazes garantias de proteção; e condenar e denunciar a legislação repressiva nos países americanos que contradiga ou distorça os princípios e objetivos desta organização.
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