
Instituto Tomie Ohtake, em Pinheiros.
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Uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (23) revelou que o distrito de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, concentrou mais recursos captados pela Lei Rouanet do que metade da capital inteira entre 2014 e 2023. Neste período, a cidade arrecadou um total de R$ 5,98 bilhões.
🔍A Rouanet, que é a principal política de incentivo à cultura no Brasil, permite que empresas e pessoas físicas invistam em projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura e, em troca, descontem parte do valor do Imposto de Renda que teriam de pagar ao governo.
O levantamento inédito foi realizado pelo Observatório Ibira 30 e pela Universidade Federal do ABC para identificar e evidenciar desigualdades históricas na distribuição de recursos na cidade. O Observatório Ibira 30 é ligado ao Bloco do Beco, associação cultural que atua no Jardim Ibirapuera, periferia na Zona Sul da capital.
Segundo a pesquisa, Pinheiros, um dos bairros nobres com maior infraestrutura cultural na cidade, foi responsável por concentrar 17,7% dos projetos captados. O número representa R$ 1,2 bilhão em projetos com verba via incentivo fiscal no período analisado.
Já o valor destinado a projetos de distritos com maiores índices de vulnerabilidade social, que estão nas periferias, foi de somente 1,38% do valor captado no período. Ou R$ 83 milhões. Segundo o estudo, 50% da população em São Paulo vive em regiões classificadas como periféricas.
A pesquisa categorizou os dados da Rouanet por territórios de São Paulo com base na Lei Municipal de Fomento à Cultura da Periferia, que divide a cidade em quatro áreas conforme a vulnerabilidade social. Pinheiros está na chamada “Área 1”, formada por regiões de alta renda, enquanto distritos como Parelheiros, Grajaú e Brasilândia estão na “Área 3”, a mais vulnerável.
Foi considerado para o levantamento o CEP cadastrado pela organização que captou o recurso.
No período analisado, Pinheiros registrou captação média de R$ 18.694 por habitante — o maior índice da cidade. O valor foi calculado a partir da divisão do total arrecadado no bairro pelo número de moradores. Na sequência aparecem Bela Vista, com R$ 9.260, e Bom Retiro, com R$ 7.478. Já Perdizes registrou R$ 896, Mooca ficou com R$ 256, Cidade Tiradentes, com apenas R$ 63, e Capão Redondo, R$ 12 por pessoa.
Outros 45 distritos não captaram nenhum centavo da Rouanet em dez anos. Entre eles estão regiões populosas como Jardim Helena, Itaim Paulista e São Mateus, que juntos somam quase 1 milhão de moradores.
Segundo a pesquisa, esse desequilíbrio territorial revela como o modelo de fomento da Lei Rouanet, baseado na captação direta de recursos com empresas, tende a beneficiar quem já está inserido em redes de poder, mercado e infraestrutura.
“Capão Redondo, Cidade Tiradentes, Parelheiros e Brasilândia, que concentram grande parte das favelas e dos loteamentos irregulares da capital, foram praticamente ignorados pelo mecanismo federal. A sobreposição dos mapas de captação, IDHM, cor/raça e presença de assentamentos precários revela, com clareza cartográfica, uma geografia da exclusão cultural”, diz trecho da pesquisa.
Distribuição de renda
Em Pinheiros, estão sediadas algumas das instituições culturais mais consolidadas da cidade, como o Instituto Tomie Ohtake, o Sesc Pinheiros e diversos teatros, galerias e produtoras com forte relação com o setor empresarial. Essa estrutura facilita a aprovação e a captação de projetos — enquanto a periferia enfrenta barreiras técnicas e logísticas para acessar o mesmo mecanismo.
A Lei Rouanet funciona por meio do modelo de mecenato: o projeto precisa ser aprovado pelo Ministério da Cultura, mas só sai do papel se quem estiver propondo a ideia conseguir atrair patrocínio ou doação de empresas.
Isso cria uma espécie de filtro de mercado que acaba excluindo iniciativas de territórios sem acesso a essas redes, segundo a pesquisa.
“Nesse sentido, a Rouanet opera como uma política regressiva: mais recursos para quem já tem capital político, econômico e cultural”, diz trecho do estudo.
Todos os dez distritos com maior volume de projetos aprovados e valores captados entre 2014 e 2023 pertencem integralmente à “Área 1”. São eles:
Pinheiros
Jardim Paulista
Consolação
República
Bela Vista
Itaim Bibi
Vila Mariana
Moema
Alto de Pinheiros
Perdizes
De acordo com a pesquisa, a “Área 1”, que concentra cerca de 17% da população de São Paulo, recebeu cerca de 89% do valor total captado pela Lei Rouanet na cidade entre 2014 e 2023.
Já a “Área 3” é composta pelos distritos com altos índices de vulnerabilidade social situados nas regiões periféricas do município, em que mais de 20% de seus domicílios têm renda de até meio salário mínimo per capita.
Exemplos de distritos nessa região, todos da Zona Sul:
Campo Limpo
Capão Redondo
Jardim Ângela
Jardim São Luís
M’Boi Mirim
Segundo a pesquisa, outros distritos com captação zero ou mínima, considerados periféricos são, na Zona Leste, Cangaíba, Ermelino Matarazzo, Iguatemi, Itaim Paulista, Jardim Helena, Jose Bonifácio, Lajeado, Parque do Carmo, São Lucas, São Mateus, São Rafael; na Zona Norte, Anhanguera, Perus, Jaçanã; na Zona Sul, Marsilac, Parelheiros, Jaçanã; na Oeste, Vila Jaguara.
A “Área 3” concentra 50,7% da população paulistana, mas recebeu apenas 1,38% do valor total captado pela Lei Rouanet em São Paulo entre 2014 e 2023.
“Essa territorialização é crucial porque revela com precisão quais territórios conseguem acessar os recursos de fomento cultural e quais permanecem invisibilizados, escancarando que a exclusão cultural nas periferias não é exceção, mas regra”, aponta o levantamento.
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