Afastamento de pastor em igreja do ES por depressão alerta para saúde mental na fé

Pastor Luciano Estevam
Imagem: Reprodução Instagram/ @pibara_

O pastor Luciano Estevam anunciou no dia 13 de julho que estava deixando a liderança da Primeira Igreja Batista em Aracruz (Pibara), no Norte do Espírito Santo, para tratar um quadro grave de depressão. O anúncio foi feito durante um culto após mais de 24 anos à frente da congregação.

A decisão de Estevam chamou atenção para os diagnósticos de doenças mentais em líderes religiosos e seus tratamentos. O pastor não foi o primeiro a falar sobre o assunto: os padres da Igreja Católica, Fábio de Melo e Marcelo Rossi, também já citaram suas próprias experiências.

Em comunicado, o pastor explicou que a doença causou danos físicos e emocionais e que, durante o tratamento, considerou ser melhor deixar de exercer o ministério pastoral.

Depressão no meio religioso

Segundo Karen Vasconcelos Calixto, psiquiatra e professora da Unesc, líderes religiosos, como pastores, enfrentam uma alta prevalência de depressão e burnout devido a uma combinação de fatores ligados à sobrecarga de responsabilidades, pressão espiritual e isolamento social.

Aproximadamente 56% desses líderes apresentam sintomas depressivos, 65% relatam solidão e isolamento, e um em cada três corre risco de esgotamento profissional.

Entretanto, o médico psiquiatra do Hospital Santa Rita, João Guilherme Tavares Marchiori, faz um lembrete: estudos científicos, em geral, mostram que a religiosidade reduz o risco de depressão.

“Líderes religiosos que estão submetidos a carga excessiva de trabalho, pressões excessivas por parte dos fiéis e conflitos internos sobre a própria fé têm mais risco de desenvolver depressão”, explicou.

De acordo com ele, é importante entender que não se pode generalizar e que a depressão pode ter diversas causas. Apesar de ter se afastado dos seus afazeres, Luciano Estevam não relacionou seu quadro de saúde ao cargo exercido.

Ainda há preconceito?

Em posts nas redes sociais que falam sobre o afastamento do pastor, internautas deixaram mensagens de apoio e encorajamento ao líder. Uma seguidora comentou: “Parabéns ao pastor pela sábia decisão” e outra disse “A importância de reconhecer o momento de cura e parar. Quem cuida precisa de cuidado”.

Mas nem sempre falar sobre depressão é fácil no meio religioso, como explica o especialista João Guilherme. Em alguns casos, ainda há resistência em debater saúde mental em determinados grupos religiosos.

“Doutrinas religiosas muito dogmáticas e fechadas para a ciência infelizmente transmitem esse tipo de preconceito para os seus seguidores, o que agrava o sofrimento de quem tem depressão e alguns casos podem levar a desfechos trágicos”, explicou.

O impacto da religião no tratamento

De acordo com Karen Vasconcelos Calixto, a religião pode impactar positivamente no tratamento, representando um apoio durante o momento difícil. “A espiritualidade pode oferecer conforto, sentido e resiliência, ajudando no enfrentamento da depressão por meio da fé, oração e comunidade”, afirmou.

Entretanto, ela explica que em alguns casos, o oposto também pode acontecer, principalmente quando a espiritualidade está relacionada a uma cobrança excessiva pessoal ou da comunidade.

“Quando a espiritualidade é associada a exigências rígidas ou à interpretação da doença como falta de fé, pode dificultar a aceitação do diagnóstico e o tratamento médico, perpetuando o sofrimento”, completou.

Quando o padre Fábio de Melo falou sobre sua saúde mental, chegou a dizer em comunicado que “há muitas pessoas que alimentam a ilusão de que a fé em Deus nos livra de ter o desequilíbrio químico que causa a depressão”.

A importância de abordar o assunto

A decisão do pastor Luciano de expor a depressão como motivo do seu afastamento temporário, assim como o relato de outros religiosos, foi essencial para que o assunto de saúde mental entre os líderes religiosos viesse à tona, segundo os especialistas.

Líderes religiosos são pessoas que têm poder de influenciar os outros e formar opiniões. Por essa razão, falar abertamente sobre saúde mental reduz o estigma e encoraja outras pessoas que passam por dificuldades emocionais a procurar o psiquiatra.

Karen Calixto ainda destaca que a transparência nestes casos ainda promove uma cultura de acolhimento e cuidado com o bem-estar emocional no meio religioso.

“A conscientização, o apoio e o tratamento são essenciais para que esses líderes possam exercer sua função com saúde e equilíbrio, protegendo-se dos riscos reais de burnout, depressão e até suicídio, que têm aumentado nos últimos anos no meio eclesiástico”, completou.

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