Em meio a preocupações do governo sobre o preço do gás de cozinha, a Petrobras anunciou a aprovação para retornar ao negócio de distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP). O aval do Conselho de Administração da empresa ocorre em um cenário em que o produto chega a custar R$ 140 para as famílias brasileiras, enquanto é vendido a R$ 37 pela Petrobras às distribuidoras.
A empresa abandonou o setor em 2020, no governo de Jair Bolsonaro (PL), ao vender a subsidiária Liquigás para grupos privados. O economista Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e do Observatório Social do Petróleo (OSP), aponta que a privatização levou a um aumento drástico nas margens de lucro para distribuidores e revendedores.
“A margem de distribuição e revenda saiu de R$ 28,67 para R$ 55,8, dado recente da última semana, ou seja, 92% de aumento, quase três vezes a inflação do período de 33%. É claramente um problema econômico a ser resolvido pelo governo federal e pela Petrobras”, enfatizou ele em conversa com o Brasil de Fato.
Segundo Dantas, o processo tornou um setor que já era muito oligopolizado ainda mais concentrado. “O oligopólio passou a ter apenas participantes privados, retirando o único agente estatal que teria outros objetivos senão a maximização do seu lucro. Geralmente isso se traduz em aumento de preços por si só. É que de fato ocorreu desde a privatização da LC gás em dezembro de 2020.”
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) classificou a decisão de retornar à distribuição do gás de cozinha como “estratégica”. No entanto, a entidade ressalta que ainda há necessidade de avanço em outros pontos. “Falta deliberar sobre a volta definitiva à distribuição e comercialização de gasolina, diesel, álcool e lubrificantes que era feita pela BR Distribuidora”, afirmou o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.
Segundo ele, é preciso levar à Justiça o “contrato draconiano que foi assinado na privatização dessa que era a 5ª maior empresa do Brasil no setor de distribuição”. Em nota, a Federação destacou a disparidade entre a redução dos preços nas refinarias da Petrobras e o que chega a consumidores e consumidoras.
Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que, entre janeiro de 2023 e abril de 2025, o valor do diesel nas refinarias apresentou uma redução de 23,9%. Já a gasolina e o GLP, no mesmo período, tiveram quedas de, respectivamente, 2,2% e 17%.”
A FUP pontuou que esse movimento não foi seguido de queda nos valores cobrados pelo produto final. “As reduções de preços nas refinarias não foram integralmente repassadas pelas distribuidoras ao consumidor final. No mesmo período, a gasolina apresentou um aumento de 25,5% nos preços, enquanto o diesel S10 e o GLP tiveram reduções de apenas 2,3% e 0,7%, respectivamente.”
Dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep) corroboram que, mesmo com a redução do preço dos combustíveis nas refinarias da Petrobras em 17,5% desde janeiro de 2023, os preços nos postos subiram 21,5%. A margem de ganho de distribuidores e postos sobre a venda da gasolina subiu 109% entre outubro de 2020 e maio de 2025, enquanto a do gás de cozinha cresceu 60% e a do diesel, 53%.
Ação mais abrangente é necessária
Mahatma dos Santos, diretor técnico do Ineep, afirma que o fenômeno é resultado “do amplo processo de desmonte e desnacionalização da Petrobras”, entre 2015 e 2022 e da ausência da empresa no segmento. “É evidente que há um desconforto da atual gestão da Petrobras e do governo federal e um desconforto geral da população brasileira com o fato de que as sequenciais reduções nos preços derivados de petróleo aplicados pela Petrobras em suas refinarias não estão sendo repassados integralmente aos consumidores finais.”
Para acelerar e ampliar o alcance da iniciativa anunciada, ele ressalta que é preciso iniciar um processo de retomada das empresas que foram privatizadas no segmento de distribuição. “Isso colocaria novamente a Petrobras como uma empresa integrada e capaz de ter uma política comercial ou uma política de preços efetivamente brasileira e preocupada com o interesse nacional.”
O economista Eric Gil Dantas aponta que o combate ao abuso de poder econômico deve ser feito não apenas pela Petrobras, mas também por órgãos como Procon, Ministério de Minas e Energia, e ANP. “As empresas aproveitaram o momento de caos, de subida e descida de preço dos combustíveis nas refinarias e a consequente perda de referência do consumidor final para aumentar drasticamente suas margens.”
Apesar da aprovação para o GLP, a Petrobras não detalhou como será a volta ao mercado de distribuição. Ainda não há informações sobre a possibilidade de venda direta de botijão para consumo final, por exemplo.
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