Nova oposição. É assim que o governo da Venezuela tem chamado o grupo que ganhou forças nas últimas eleições. Em meio a um racha na direita venezuelana, este setor monopolizou os votos de opositores e dominou as 50 cidades em que o governo não conseguiu eleger prefeitos. O bloco, no entanto, ainda não tem uma liderança forte e está ganhando popularidade por meio dos partidos.
As principais legendas deste campo hoje são a Fuerza Vecinal e o Vamos Vamos Cojedes que conseguiram eleger prefeitos, mas com limitações. O primeiro esteve circunscrito a zona metropolitana de Caracas, enquanto o segundo venceu em cidades do estado de Cojedes, onde o grupo já tinha conseguido eleger um governador em maio.
O governo de Nicolás Maduro tem pedido que esse grupo se afaste dos setores de extrema direita e colabore com uma gestão pacífica no país.
“Acredito que surgiu um núcleo duro de uma nova oposição. E estendo as mãos para o diálogo em prol do país, para virar a página de tantos capítulos horríveis de golpes de Estado, pedido de bloqueio, pedido de sanções e de intervenção militar estrangeira. Chega. Junto com os jovens, que são os donos deste futuro e que transcenderão a todos nós, convido vocês a trabalhar juntos pelos venezuelanos”, afirmou Maduro em discurso depois do pleito de 27 de julho.
O racha da direita foi relevante porque o maior setor, liderado pela ultraliberal María Corina Machado, não participou do pleito. A ex-deputada chamou a abstenção após questionar as eleições presidenciais de 2024, que deram a vitória a Maduro para um terceiro mandato.
O seu grupo encabeçou protestos violentos depois do pleito alegando, sem apresentar provas, que as eleições foram fraudadas. A extrema direita se apoia em uma lacuna deixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O órgão não publicou os dados das eleições presidenciais nem de governadores e o site está fora do ar desde a alegação de ataques hackers.
Esse racha se estendeu ao longo de 2025. Enquanto o grupo de extrema direita usou o lema “Eu já votei em 28” – em alusão a data das eleições presidenciais de 2024 –, o grupo mais moderado entendia que era preciso estar nesses espaços para não entregar o governo para o chavismo.
O resultado foi uma vitória acachapante do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) nas eleições para governadores e deputados. A esquerda venceu em 23 dos 24 estados e conseguiu eleger 92% da Assembleia Nacional. Esse resultado foi visto pelos setores democráticos como o maior sintoma do fracasso do boicote.
Para o jornalista e analista de política internacional Eduardo Cornejo, esse novo grupo adotou a via eleitoral para tentar disputar o espaço com o chavismo como uma tática importante, questionando a efetividade de um boicote às eleições. .
“É uma oposição que se distancia dos setores extremistas da oposição venezuelana. Essa nova oposição, que agora tem assentos na Assembleia Nacional, é a representação de uma parte da direita que percebeu que jamais alcançaria uma fatia do poder pela violência. São pessoas que também tiveram a coragem de confrontar as pessoas que recebem mais recursos e apoio da mídia na Venezuela”, afirmou ao Brasil de Fato.
Além desses dois grupos opositores, há um outro setor, mais antigo e tradicional da política venezuelana. Partidos políticos consolidados como a Ação Democrática, Copei e Un Nuevo Tiempo participaram das eleições, mas não conseguiram apresentar unidade nas cidades para enfrentar o chavismo.
O coordenador do Centro de Estudos de Desenvolvimento Sustentável da Universidade Central da Venezuela (UCV), Manoel Sutherland, entende que esse grupo perdeu espaço em meio a essa disputa e a uma descrença dos eleitores na política tradicional. Ainda assim, eles não embarcaram em um questionamento dos resultados eleitorais de 2024. Ele cita o exemplo de Manuel Rosales, ex-governador do estado de Zulia e que não conseguiu manter seu poder.
“Esta segunda oposição também foi um pouco deslocada, que é a oposição clássica de Rosales. Esse grupo inicialmente apoiou o ex-candidato Edmundo González Urrutia nas eleições presidenciais de 2024, mas de forma muito moderada e distante. Ainda assim, pediram a publicação dos resultados. Esse setor agora tenta novamente participar, mas foi derrotada pela abstenção”, disse ao Brasil de Fato.
A grande diferença entre esses grupos é metodológica. A decisão de não aderir ao boicote eleitoral e muito menos às manifestações violentas é uma linha adotada pela “nova oposição”, que aposta no sucesso de “boas gestões” como principal ferramenta para aglutinar apoio.
Os atos violentos acabaram minando a própria popularidade das lideranças da extrema direita. Elas optaram por sair às ruas logo depois do pleito, mas, depois de 1 ano e meio, abandonaram as manifestações e passaram a gravar vídeos nas redes sociais para pedir mobilização dos opositores.
Já os projetos políticos não diferem tanto ideologicamente entre esses três grupos. Todos esses setores de alguma maneira são liberais, mas o setor mais extremista defende um programa de privatizações muito mais amplo que os outros. Já a nova oposição não tem como principal objetivo vender a estatal petroleira PDVSA e muito menos abrir mão da gestão estatal sobre a saúde e a educação.
“Essa social-democracia, é uma espécie de Ação Democrática. Ela tem a ideia de, de alguma forma, fazer mudanças no chavismo, mas não mudanças tão radicais e liberais quanto o grupo de María Corina. O que eles tentam é se vender como autoridades técnicas nos assuntos e que não vão entrar nos embates políticos entre os dois polos. Eles têm grandes acordos com o chavismo e têm feito coisas juntos”, afirmou Sutherland
Na avaliação de Cornejo, esse novo grupo tem uma concordância com o governo em alguns temas e não busca radicalizar pautas liberais.
“Essa nova oposição concorda e converge em muitos aspectos com o governo venezuelano. Ou seja, com o governo bolivariano. Por exemplo, eles concordam com a independência dos Estados Unidos. Pode-se dizer que estamos em uma oposição um pouco mais nacionalista, que, por exemplo, rejeita essa perseguição selvagem e criminosa aos migrantes venezuelanos. Algo que María Corina e seu grupo nunca fizeram”, afirmou.
Falta de programa
Ainda que tenham diferentes tons do liberalismo, os grupos não apresentaram propostas concretas para diferentes setores. O partido de María Corina, Vente Venezuela, divulgou em 2023 o projeto “Venezuela Terra da Graça” visando as eleições presidenciais de 2024. Antes do pleito Legislativo de maio, a ex-deputada novamente apresentou uma atualização do programa.
Segundo a ultraliberal, os projetos giram ao redor de 12 temas: petróleo, gás, metais, energia, saúde, educação, transporte, finanças, imobiliário, tecnologia, turismo e agricultura. O texto afirma que o investimento de empresas e grupos privados nesses setores poderia levar a um faturamento de US$ 1,7 trilhão (cerca de R$ 9,1 tri) em 15 anos. Ela, no entanto, não especificou como funcionaria essa arrecadação.
Outro ponto levantado pela extrema direita é o aumento da produção de petróleo. Segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Venezuela hoje produz cerca de 1 milhão de barris por dia. A meta da extrema direita é aumentar para 6 milhões, mas também não detalhou de que forma faria isso.
Esse é um desafio enfrentado pelo governo de Nicolás Maduro, mas que, nos últimos meses, teve de lidar com a saída da petroleira estadunidense Chevron da Venezuela, o que reduziu as projeções para os próximos anos. A meta do Ministério do Petróleo é ampliar essa produção para 3 milhões de barris por dia até o fim de 2027.
Em meio à queda do apoio a María Corina, a direita não encontrou um nome para capitalizar essa força política opositora. Para Rodolfo Magallanes, professor do Instituto de Estudos Políticos da UCV, o perfil desse grupo ajuda nas negociações com o governo, mas para ter expressão é capilaridade, é preciso de um nome forte.
“Essa oposição está aberta à negociação e seria contrária às sanções contra a Venezuela. Essa oposição é mais aberta ao uso dos meios políticos, ao contrário do grupo de María Corina Machado que apoia recursos não-pacíficos para fins políticos. Essa oposição vê como impossível ou muito difícil coexistir com setores que pensem de maneira distinta. Mas falta alguém que vai centralizar esse sentimento”, disse.
A direita ventila hoje alguns nomes que podem angariar apoio popular até as próximas eleições em 2026. O principal deles é Alberto Galindez, governador reeleito para Cojedes e o único chefe do Executivo opositor em um estado. Ele tem experiência por já ter sido governador por outros dois mandatos e também é entendido como moderado, já que, mesmo tendo integrado a coalizão de María Corina, foi da Ação Democrática até 2015.
O problema, para este setor, é que ele não tem o carisma e a popularidade necessária até o momento.
“Alberto Galindez é um nome bom para todos agora, inclusive para o governo. Eu acho que ele pode ser o novo Manuel Rosales, que tem diálogo e trato com o governo. A tendência é que ele mantenha uma relação com o governo nesses próximos anos, até por estar um um governo de estado”, disse.
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