
Festa do Reinado movimenta Bom Despacho com cortejos, fitas e tradição secular
A festa de Reinado — também conhecida como Congado — é uma das expressões culturais e religiosas mais marcantes do Centro-Oeste de Minas Gerais. Com missas, danças, batuques, cortejos e procissões, o evento celebra a devoção a santos como Santa Efigênia, São Benedito e, principalmente, Nossa Senhora do Rosário.
O Reinado tem origem nas tradições africanas trazidas ao Brasil por negros escravizados e libertos. Essas manifestações misturam fé católica e ancestralidade negra, e continuam vivas por meio das guardas, cortejos e símbolos passados de geração em geração.
Um dos maiores exemplos dessa tradição acontece em Bom Despacho, onde a festa é mantida há mais de dois séculos e é considerada a maior do município. Durante os dias de celebração em agosto, a cidade “para” para reverenciar sua história e sua fé.
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Como surgiu o Reinado em Bom Despacho
A devoção a Nossa Senhora do Rosário, figura central da festa na cidade, ganhou forma com a construção de uma capela dedicada a ela por volta de 1900. Anos depois, a estrutura foi demolida e reconstruída em 1929, dando lugar à atual Igreja de Nossa Senhora de Bom Despacho.
Segundo o padre Antonio Carlos Ferreira do Couto, a organização da festa é dividida entre os festejos religiosos, coordenados pela Igreja, e os festejos do Reinado, realizados pelos próprios reinadeiros, como são chamados os integrantes das guardas.
“A festa de Nossa Senhora tem sua organização, com festejos religiosos coordenados pela igreja e os festejos do Reinado, organizados pelos reinadeiros. É uma forma de manter viva a nossa história e a nossa fé”, afirmou o padre.
Estrutura da festa: tronos, coroas e cortejos
Devotos e integrantes de guardas de Congo e Moçambique se reúnem em frente à Igreja Matriz durante os festejos do Reinado. A celebração é marcada por trajes brancos, mastros decorados e fitas coloridas que cruzam o céu
Guilherme Marques/TV Integração
Um dos destaques do Reinado são os tronos, as coroações simbólicas e a figura da Rainha, que conduz a festa junto aos demais membros da corte. A celebração ocorre tradicionalmente por volta de 15 de agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora, reforçando o caráter religioso do evento.
A festa conta com duas principais denominações de guardas:
Moçambiques: responsáveis por conduzir a imagem de Nossa Senhora do Rosário;
Congos: têm o papel de proteger os Moçambiques durante os cortejos.
A organização também inclui as chamadas coroas perpétuas — mantidas por famílias que colaboram todos os anos com a alimentação dos participantes e são simbolicamente nomeadas reis e rainhas — e as coroas rotativas, assumidas por famílias diferentes a cada ano. Nestas, os príncipes e princesas (geralmente crianças) são responsáveis por oferecer os cafés tradicionais da festa.
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Hoje, o Reinado em Bom Despacho conta com mais de 32 cortes e cerca de 2 mil dançarinos. A festa envolve toda a comunidade, que colabora com doações e trabalho voluntário, garantindo a continuidade da tradição.
A história da Guarda Moçambique Nossa Senhora do Rosário
Guarda Moçambique de Nossa Senhora do Rosário
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Um dos símbolos dessa tradição na cidade é a Guarda Moçambique Nossa Senhora do Rosário, criada por João Matias, avô do atual capitão Clésio Silva. Devoto fervoroso, João atuava anteriormente como fiscal em outra guarda moçambiqueira, sob a capitania do Sr. Bernardes.
“Meu avô, o João Matias, era um homem de muita fé e devoção à Nossa Senhora do Rosário. Ele já dançava Reinado há muitos anos”, contou Clésio.
Após a morte de Bernardes, por volta de 1943, o comando passou para Antônio Matias, irmão de João, que mais tarde transferiu a liderança para Sebastião Rosa da Silva. Em 1968, com autorização do padre Henrique e do Capitão-Mor Dunga, nasceu oficialmente a guarda idealizada por João Matias. “Foi um momento muito importante para a nossa família e para a comunidade”, afirmou Clésio.
A primeira formação teve:
Zé Osvaldo como capitão;
Célia da Varinha como rainha da guarda;
Ruth e Heloísa como princesas;
Taíde como Rei-Congo;
Berenice como princesa;
Eustáquio e Otaviano guiando o lado esquerdo da guarda;
Salvador no lado direito.
Um marco importante foi a morte do Capitão-Mor Dunga, em 16 de maio de 1988. Em 1990, o tio Chico passou a atuar como fiscal da guarda por sete anos, até se afastar. A liderança então foi assumida por Sebastião Pedro da Silva, que permaneceu à frente até 2018.
No dia 21 de julho de 2001, João Matias faleceu, deixando um legado de sabedoria e devoção. Com o afastamento de Sebastião Pedro por questões de saúde, o comando passou para Clésio, que já atuava como segundo capitão.
“Desde 2019, eu sou o capitão. A guarda permaneceu na família. Meu sobrinho Gabriel é o segundo capitão. Infelizmente, a nossa rainha, Dona Cessa, que foi fundamental na fundação da guarda, também faleceu. Mas a tradição continua com Daiane Carolina como rainha”, disse Clésio.
A Guarda Moçambique Nossa Senhora do Rosário segue ativa, com Clésio e Gabriel — bisneto de João Matias — à frente. Para eles, manter viva a tradição é um compromisso com a fé, a cultura e a história da cidade.
“Nosso objetivo é manter viva a história e a virtude que a guarda representa, passando-a de geração em geração, exatamente como o meu avô pediu”, concluiu Clésio.
Integrantes de uma guarda desfilam sob fitas coloridas no adro da igreja, durante a festa do Reinado. As vestimentas em tons escuros com bordados chamam atenção pela elegância e tradição.
Julia Oliveira/Arquivo Pessoal
*Estagiários sob supervisão de Mariana Dias
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