A crise na saúde pública do Distrito Federal continua se agravando, mesmo diante das sucessivas denúncias feitas por entidades que compõem a Frente em Defesa da Saúde do DF. O alvo principal é o déficit de servidores em todas as áreas, especialmente na enfermagem e na medicina, situação que tem sido comunicada aos órgãos competentes pela fiscalização do Poder Executivo.
Segundo levantamento do Sindicato dos Enfermeiros do DF (SindEnfermeiros), a rede pública opera com um déficit de mais de 1,8 mil enfermeiros. Apenas no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) faltam 146 enfermeiros , o equivalente a 12 mil horas de trabalho mensais descobertas. No Hospital Regional de Sobradinho (HRS), a carência chega a 44% do efetivo necessário. Já no Hospital Regional do Leste – Paranoá (HRL), que atende cerca de 350 mil famílias, a falta de profissionais é ainda mais grave: 103 enfermeiros a menos, um déficit de 49,5% na escala.
Apesar desse cenário, dados da própria Secretaria de Saúde mostram que enfermeiros e enfermeiras são a espinha dorsal da Atenção Básica. Em 2024, eles realizaram mais de 2,1 milhões de atendimentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), fizeram mais de 4 mil inserções de DIU e participaram de 5,7 mil partos pelo SUS.
Na medicina, a situação também é alarmante, o DF tem hoje um déficit estimado em 5 mil médicos , número equivalente ao total de profissionais atualmente ativos na rede, segundo o Conselho Regional de Medicina (CRM-DF). De acordo com a Demografia Médica 2024, o DF possui a maior concentração de médicos do país (6,3 por mil habitantes), acima da média nacional, o que evidencia que o problema não é a falta de profissionais no território, mas sim a dificuldade de atraí-los e retê-los no serviço público.
Para o presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF, Jorge Henrique, a sobrecarga de trabalho aumenta o risco de adoecimento físico e mental, afastamentos e acidentes de trabalho. Em 2022, os enfermeiros representaram 16,82% de todas as licenças médicas na rede, com afastamentos majoritários por ansiedade, estresse e outros transtornos mentais.
“Para a população, o reflexo é direto: maior demora no atendimento, redução na qualidade da assistência e sobrelotação dos serviços. Essa situação é resultado da falta de investimentos adequados no SUS e do descumprimento do dimensionamento mínimo de equipes”, diz ele.
Denúncias

As entidades têm entrado com representação em órgãos como o Tribunal de Contas do DF (TCDF), ao Ministério Público do Trabalho (MPT), ao Ministério Público do DF e Território (MPDFT), além da Comissão de Saúde da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
No caso do MPT, ajuizou ações civis públicas contra o GDF por conta do déficit de profissionais e a sobrecarga de trabalho em hospitais da rede pública. As ações envolveram os hospitais regionais do Guará, Gama e Ceilândia. Em duas delas (HRG e HRGu), a Justiça deferiu tutelas de urgência determinando que o GDF apresente plano de ação e cronograma para corrigir a falta de RH.
O MPT também tem inquéritos civis em estágio avançado sobre a falta de médicos e enfermeiros no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e no Hospital Regional de Planaltina (HRPL).
Outro caso relatado pelo SindEnfermeiros foi no Hospital na Região Leste (SES-DF), que atende em média cerca de 350 mil habitantes e a regiões administrativas ao redor, a carência de profissionais é de 49,5%. O déficit registrado é de 2.058 horas semanais de enfermagem, quando o ideal seria ao menos oito enfermeiros no plantão. “Isso é desumano, ilegal e inaceitável”, denuncia o Sindicato dos Enfermeiros em postagem nas suas redes.
A superintendente, recém-empossada da unidade, afirmou na época que estava realizando um diagnóstico situacional da unidade para mapear os problemas e buscar soluções.
Já em visita ao Hospital Regional Leste de Planaltina (HRLP), o sindicato constatou que o número de enfermeiros corresponde a apenas 54% do necessário. Já no Hospital Regional de Sobradinho (HRS), a cobertura chega a 44% do quadro ideal de profissionais.
“Apesar das constantes denúncias, o governo tem adotado respostas pontuais e insuficientes, sem um plano estruturante para recompor as equipes. A falta de prioridade política e a limitação de recursos destinados à saúde impedem avanços concretos, perpetuando o problema e agravando a crise no atendimento”, conta o presidente do SidEnfermeiros.
Para Jorge Henrique, a solução para reverter a crise na saúde pública do Distrito Federal passa, necessariamente, por mais investimentos e ações estruturantes. “O Sindicato dos Enfermeiros defende mais investimentos na rede pública de saúde, com nomeações imediatas para recomposição das equipes, reformas estruturais nos hospitais, ampliação da atenção primária e fortalecimento do SUS no DF. Também é fundamental o fim da terceirização na pasta, que precariza o trabalho e não resolve o déficit de servidores.”
Atuação da CLDF

Foto: Fernanda Ferreira | AScom SindEnfermeiro DF
Em 22 de maio o Governo do Distrito Federal, por meio do Decreto Nº 44.549, determinou o contingenciamento orçamentário no valor de R$ 1 bilhão atingindo principalmente áreas que prestam serviços diretos à população. Foram bloqueados R$ 342 milhões do Fundo de Saúde, 79 milhões da Secretaria de Educação e mais de 25 milhões da Secretaria de Transporte/Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília.
A deputada distrital Dayse Amarílio (PSB-DF) questiona o impacto da medida na reposição de servidores, especialmente diante do déficit de 1.740 enfermeiros na rede pública, e pediu detalhes sobre a distribuição dos valores, ações afetadas e alternativas para excluir a saúde do corte.
“Como enfermeira, deputada e presidente da Comissão de Saúde da CLDF, tenho participado das fiscalizações ao lado do Sindicato dos Enfermeiros e cobrado, incansavelmente, a nomeação de servidores, porque sabemos que nosso maior problema é o déficit de profissionais. Infelizmente, também estamos enfrentando dificuldades para receber algumas informações, como no caso de um requerimento enviado ao executivo onde trouxemos questionamentos a respeito do contingenciamento e seus impactos na saúde do DF”, destacou a parlamentar.
Para Amarílio se trata de um plano para privatizar a saúde pública. “Nossa luta é contra a expansão das privatizações, pois tememos que o sucateamento atual esteja sendo usado como justificativa para entregar a nossa saúde pública,” conclui a parlamentar.
O que o GDF diz?

Em nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) afirmou que mantém diálogo transparente com os órgãos de controle e responde prontamente a todos os questionamentos, estando “sempre à disposição para esclarecimentos”.
A pasta informou que tem atuado de forma contínua para ampliar o quadro de profissionais da rede pública. No início de 2025, o GDF abriu chamamento público para contratação temporária de 200 médicos. Entre 2024 e 2025, foram nomeados 448 técnicos de enfermagem, 294 enfermeiros, 572 agentes comunitários de saúde, 595 agentes de vigilância ambiental, 50 auditores de atividades urbanas e 733 médicos especialistas efetivos, aprovados em concurso. Também houve contratação temporária de 662 médicos generalistas, 13 neonatologistas, 195 motoristas e 324 padioleiros, além da ampliação da carga horária de 20 para 40 horas semanais para 1.018 servidores.
O último concurso para médicos foi aberto em 2022 e segue válido até 24 de setembro de 2026. Segundo a SES-DF, mais de 30 médicos generalistas aprovados em processo seletivo simplificado foram convocados recentemente. No caso da enfermagem, o concurso de 2022 ofertou 101 vagas imediatas e cadastro reserva; desde então, 548 enfermeiros foram nomeados. Ainda há 4.995 candidatos aguardando convocação.
A secretaria reconheceu que a reposição de equipes enfrenta dificuldades comuns a todo o Sistema Único de Saúde (SUS) e ao setor privado, e depende de orçamento e autorizações legais.
A pasta destacou ainda a implementação de uma Política de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), com comitês regionais e unidades de referência voltados à promoção da saúde, prevenção de doenças e oferta de práticas integrativas, além de atendimento psicológico para servidores. Os Núcleos de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho também fazem encaminhamentos para acompanhamento psicológico ou psiquiátrico quando necessário, incluindo casos identificados em exames periódicos ou perícias ocupacionais.
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O post Mesmo após denúncias, saúde do DF ainda continua com déficit de servidores apareceu primeiro em Brasil de Fato.