Dourado, símbolo da conservação no Brasil, é considerado invasor no Rio Iguaçu e ameaça peixes endêmicos


Dourado (Salminus brasiliensis)
Glauber Ramos / iNaturalist
O dourado (Salminus brasiliensis), conhecido como “rei do rio” e símbolo da conservação na América do Sul, pode estar se tornando uma ameaça em uma das regiões de maior diversidade de peixes do Brasil.
Pesquisadores identificaram a presença da espécie no Rio Iguaçu, no Paraná, onde ela não ocorre naturalmente devido ao isolamento geográfico criado pelas Cataratas do Iguaçu.
O estudo, publicado na revista Neotropical Ichthyology e liderado pelo professor Iago Vinicios Geller, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em parceria com pesquisadores Universidade Federal do Paraná (UFPR), indica que o dourado se configura como um invasor biológico na bacia.
“Apesar de ser nativo da Bacia do Prata e do Rio Paraná, o dourado não é nativo do Iguaçu. As cataratas funcionam como uma barreira natural imensa. A fauna dali evoluiu de forma isolada, resultando em espécies únicas, como os tradicionais lambaris. A prova disso é que o registro oficial do dourado no Iguaçu é recente. Ou seja, por mais que muitos insistam no contrário, ele não é nativo dessa área”, explica Geller.
Cataratas do Iguaçu são o principal cenário do Parque Nacional do Iguaçu
Urbia Cataratas
A espécie também pode ser encontrada em rios nas bacias do Uruguai, alto Rio Chaparé e Mamoré, ambos na Bolívia, bem como nas bacias ligadas ao sistema lagunar da Lagoa dos Patos.
De grande porte, os machos desta espécie podem atingir até 5 kg e as fêmeas até 26 kg. Habita preferencialmente ambientes lóticos e encachoeirados, sendo que durante a maior parte de sua vida têm vida solitária.
Espécies endêmicas sob ameaça
Segundo a pesquisa, a bacia do Iguaçu abriga 93 espécies nativas de peixes, das quais 80 já foram catalogadas. Dessas, 17 estão sob algum grau de ameaça de extinção, conforme a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
A maioria é composta por espécies de pequeno porte, como lambaris, que correm maior risco diante da presença de um predador de topo de cadeira como o dourado.
“É importante lembrar que ‘lambari’ é um nome popular para mais de 20 espécies diferentes. A abundância de indivíduos não significa que a diversidade não esteja em declínio. Se não houver medidas de conservação, podemos perder parte desse patrimônio biológico único”, alerta o pesquisador.
Monitoramento pela ciência cidadã
Para mapear a expansão do dourado, os cientistas utilizaram registros de pescadores em redes sociais como Instagram, Facebook e YouTube. Entre 2013 e 2023, foram identificados 243 registros da espécie em 15 municípios da bacia, distribuídos ao longo dos trechos alto, médio e baixo do Iguaçu.
Geller ressalta que o levantamento não tem objetivo de medir abundância, mas de comprovar a ocorrência da espécie. “Foram descartadas postagens repetidas, sem localização definida e de influenciadores ou pousadas que lucram com a pesca”, explica.
Dourado (Salminus brasiliensis)
Arquivo TG
Falhas na legislação e propostas de mudança
Atualmente, o dourado é protegido integralmente por lei no Paraná, inclusive na bacia do Iguaçu, onde é invasor. Para os pesquisadores, a legislação é equivocada. “Estamos enfrentando sérios problemas na fiscalização e regulamentação. Apesar dos alertas, nenhuma ação concreta tem sido tomada”, critica Geller.
Uma iniciativa para mudar esse cenário já tramita na Assembleia Legislativa do Paraná. O deputado Goura (PDT) apresentou um projeto de lei que autoriza a pesca do dourado especificamente na bacia do Iguaçu e no litoral do estado, mantendo a proteção nas demais bacias onde ele é nativo.
Futuro preocupante
Além de analisar o cenário atual, o estudo também projetou a ocorrência futura da espécie por meio de modelagem computacional. Os resultados apontam que, com as mudanças climáticas previstas, o Iguaçu tende a se tornar ainda mais adequado para a espécie do que sua região de origem.
“Em todos os cenários avaliados, a bacia do Iguaçu e outras regiões do Sul, como Santa Catarina, permanecem altamente favoráveis ao dourado. Isso reforça a necessidade de medidas urgentes de controle”, conclui o pesquisador.
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