A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) protocolou uma ação para evitar o possível fechamento da Escola Estadual Dona Argentina Vianna Castelo Branco, localizada no bairro Serra, na região centro-sul de Belo Horizonte. A unidade, que atende pessoas com deficiência há mais de 60 anos, enfrenta constantes ameaças de encerramento ou fusão por parte do governo de Romeu Zema (Novo).
A medida foi tomada em 25 de julho, após uma reunião com um grupo de pais e responsáveis legais de alunos matriculados na escola. Os familiares procuraram o órgão para denunciar as “constantes ameaças de fechamento”, que, segundo eles, se repetem sistematicamente ao fim de cada semestre letivo.
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De acordo com os pais, a escola tem passado por reduções no número de profissionais especializados, como terapeutas ocupacionais, e pela suspensão de oficinas consideradas fundamentais para o desenvolvimento motor e cognitivo dos estudantes. Os familiares também relataram sentir insegurança e desinformação sobre o futuro dos filhos, caso a instituição sofra alterações estruturais durante o ano letivo.
Padrão de ameaças e recuos
O caso da Escola Dona Argentina não é isolado. Em fevereiro deste ano, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) chegou a garantir por meio de nota a continuidade da escola e que não haveria alterações. No entanto, durante o semestre letivo, voltou a sinalizar o encerramento das atividades, criando um ciclo de instabilidade que mantém as famílias em constante estado de alerta.
A situação se repete com a Escola Estadual Pestalozzi, também especializada no atendimento a pessoas com deficiência, localizada no Barro Preto, região centro-sul. Segundo informações da Superintendência Regional de Ensino Metropolitana, ambas as escolas enfrentam “baixa adesão de matrículas”, o que motivou a possibilidade de integração entre as duas unidades.
No entanto, familiares da comunidade escolar relatam que outras famílias vêm tentando matricular seus filhos nas escolas especiais, mas o que encontram é uma “enorme burocracia”.
“Muitos pais tentam matricular seus filhos nas escolas, mas acabam desistindo, porque a Secretaria de Educação exige uma série de documentos e caminhos a serem feitos que acabam por desestimular a adesão. Fica parecendo algo proposital”, relata João, nome fictício do pai de um aluno especial que preferiu não se identificar por medo de represálias.
A superintendência informou à DPMG que “as tratativas do assunto se encontram em fase inicial e que nenhuma decisão concreta foi tomada, sem previsão para seu prosseguimento”. Contudo, a falta de transparência e as constantes ameaças têm gerado profunda insegurança na comunidade escolar.
Impactos na educação especial e nas famílias
A Escola Especial Dona Argentina é uma instituição de educação especial voltada para pessoas com deficiência de nível de suporte elevado. A unidade possui infraestrutura adequada e adaptada às necessidades específicas dos alunos, além de ser um espaço público que promove segurança e estabilidade, elementos cruciais para o desenvolvimento de pessoas com deficiência.
De acordo com representantes da comunidade escolar, a escola é referência há 60 anos, promovendo educação e atendimento individualizado para dezenas de estudantes neuroatípicos. A instituição possui equipe qualificada e adaptada para as necessidades específicas de cada aluno, garantindo um ambiente de estabilidade, segurança e rotina, pontos essenciais para o desenvolvimento psicológico e pedagógico.
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Em entrevista ao Brasil de Fato MG, João contou que o governo de Romeu Zema vem tomando decisões sem entender a dinâmica escolar e as necessidades dos alunos e das famílias.
“A incerteza contínua e a possibilidade de uma mudança abrupta vêm causando profunda insegurança em toda a comunidade escolar, o que impede um planejamento eficaz, colocando em risco uma instituição tradicionalmente eficiente com este público, sendo de difícil replicação”, ponderou.
O pai explicou ainda que, caso a Escola Dona Argentina se funda com a Escola Pestalozzi, famílias saíram penalizadas, visto que muitos pais se mudaram para as proximidades da escola do bairro Serra para garantir uma rotina mais estável e uma melhor assistência aos filhos.
“Ressaltamos na reunião que um ambiente tranquilo é crucial para este público, e o centro de BH e mediações definitivamente não é o local mais adequado”, ponderou João, que lembrou do trânsito intenso no centro da cidade, especialmente nos horários de pico.
“Essas coisas tornam o acesso à escola um desafio, em virtude das condições dos estudantes e deslocamento”.
Violação de direitos
Os familiares denunciam que as recorrentes ameaças de fechamento violam gravemente os direitos dos estudantes, além de comprometerem a estabilidade da equipe pedagógica e administrativa. De acordo com a comunidade escolar, “o encerramento das atividades de uma instituição de ensino, mesmo com uma alternativa, causa um impacto incalculável e multidimensional para os estudantes e familiares”.
As famílias argumentam que a interrupção da rotina escolar configura uma ofensa ao melhor interesse da criança e do adolescente (Art. 6º do ECA) e à prioridade absoluta (Art. 227 da CF/88). Além disso, ofende o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) por ignorar os direitos de acessibilidade, eliminação de barreiras, proteção contra negligência e discriminação.
Mobilização das famílias
A defensora pública e coordenadora da Secretaria Especializada da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência, Fernanda Fernandes, prestou atendimento sobre o caso em reunião realizada na unidade IV da DPMG, no bairro Lourdes, no dia 14 de julho, com a presença de familiares e responsáveis legais de alunos matriculados na escola.
Durante a reunião, Antônio Ferreira, que representa o grupo de familiares, ressaltou a importância da escola para toda a comunidade escolar, em especial para as pessoas com deficiência de nível de suporte elevado.
“É um lugar de segurança e acolhimento para os alunos, com uma estrutura adequada, coisa que outras escolas não conseguem oferecer. Além disso, é um ambiente importante para muitas famílias que não conseguem arcar com outros tipos de cuidados especializados, por isso estamos lutando pela permanência na Escola Especial Dona Argentina Vianna”, afirmou.
Histórico de resistência
O caso da Escola Pestalozzi também ilustra o padrão de ameaças do governo Zema. Em fevereiro, funcionários e pais denunciaram planos de transferir as atividades da Pestalozzi, que ocorrem em um espaço amplo na Rua Timbiras, no Barro Preto, para o prédio onde hoje funciona a Escola Estadual Dona Argentina Vianna Castelo Branco, no Serra.
A distância entre os dois locais é superior a 4,5 quilômetros, o que dificultaria a ida dos estudantes, principalmente os que fazem uso do transporte público.
“Os meninos estão acostumados a vir para cá. Aqui é uma área central. Muitos vêm acompanhados pelos pais, que moram em locais distantes, como Esmeraldas (MG), outros foram ensinados a virem para cá de ônibus. Mas é o único trajeto que eles sabem fazer, se pedir para ir para outro lugar é outro processo”, relatou uma servidora que também preferiu não se identificar.
O terreno no qual a escola do Barro Preto funciona foi doado há 90 anos pela psicóloga e pedagoga russa Helena Antipoff, convidada pelo governo de Minas Gerais para trabalhar com educação especial. Em 1935, o governo mineiro criou o Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte.
Em situação similar à escola Dona Argentina, a E.E João Moreira Salles, localizada no bairro Minaslândia, na região nordeste da capital, vem sofrendo com ameaças de fechamento, sob a justificativa de baixa adesão.
Para evitar o encerramento das atividades no local, a comunidade escolar está divulgando um chamamento para que outras famílias matriculem seus filhos especiais na escola. “Se não conseguirem novos alunos, terão que dispensar professores e funcionários”, diz um dos comunicados divulgados.
Ação da Defensoria
O Procedimento Administrativo de Tutela Coletiva (PTAC) protocolado pela DPMG busca garantir direitos coletivos e promover caminhos de solução extrajudicial. Entre as principais reivindicações propostas, estão a realização de reuniões com as famílias dos alunos matriculados para prestar orientações em caso de eventual mudança, visita técnica aos espaços da escola e instrumentos judiciais e extrajudiciais para a garantia do direito à educação de pessoas com deficiência.
Após a reunião em julho, a Defensoria Pública enviou um ofício para a SEE solicitando informações sobre os questionamentos apresentados pelas famílias. Em resposta, a Secretaria afirmou que o Plano de Atendimento Escolar (PAE) para 2026 ainda está em fase de construção e que nenhuma decisão foi tomada sobre uma eventual mudança na escola.
De acordo com a comunidade escolar, há “um grave problema de comunicação dos órgãos superiores com a escola”, uma vez que “as recorrentes mensagens de encerramento das atividades escolares com prazos insuficientes” representam “uma postura contraditória à informação publicada no mês de fevereiro deste mesmo ano, que assegurava sua continuidade, mas que durante o semestre letivo, sinalizou o seu encerramento”.
Próximos passos
Em comunicado ao Brasil de Fato MG, membros da comunidade escolar disseram que continuarão na luta para que o governo Zema não feche as escolas, pois enxergam essa ação como mais uma forma de sucateamento do ensino especial. Afirmam ainda que estão conversando com sindicatos e autoridades políticas para que haja uma audiência pública no intuito de ampliar o debate acerca deste tema e defender o funcionamento das escolas ameaçadas pelo governo Zema.
Outro lado
O Brasil de Fato MG entrou em contato com o governo de Minas para comentar sobre as denúncias. O texto será atualizado, caso haja um posicionamento.
O post Governo Zema ameaça fechar escolas especiais em MG e deixa famílias de PCDs em alerta apareceu primeiro em Brasil de Fato.