Prefeitura abre ‘cápsula do tempo’ e descobre que projetos para futuro da cidade e desejos de moradores guardados há quase 20 anos sumiram


Cápsula do tempo desaparece em cidade do ES
Um momento que deveria ter sido de emoção para moradores de Linhares, no Norte do Espírito Santo, acabou ganhando um desfecho inesperado. Uma solenidade marcada para a acompanhar a abertura de uma “cápsula do tempo”, na última sexta-feira (22), revelou que os inúmeros documentos lacrados em uma urna há quase 20 anos sumiram.
Dentro da cápsula existiam relatórios da cidade, como o Planejamento Estratégico 2005-2025, levantamentos feitos durante quase três anos para o 4° Fórum das Águas do Rio Doce, cartas de alunos da rede pública, recortes de jornais, sonhos e desejos de moradores para o futuro da cidade, entre outros.
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A escultura onde a cápsula se encontrava desde 2008 precisou ser movida e teve a base modificada para a construção de uma pista de skate no local, há cerca de oito anos. A suspeita é de que o material tenha sumido neste processo.
Procurada, a Prefeitura de Linhares informou que está em contato com as empresas responsáveis pela obra para apurar mais informações. (confira a nota na íntegra abaixo)
O produtor rural José Roberto Guasti, vereador na ocasião em que a cápsula foi selada e um dos idealizadores do projeto, estava presente na solenidade de abertura e não escondeu a frustração com a descoberta.
“Seria um diagnóstico bem interessante, aguardado com expectativa, afinal, são 20 anos de história. Eu, como todos os presentes, ficamos frustrados. Foi falado que vai ser feito um esforço para saber o paradeiro dos documentos”, disse Guasti.
Registros do fechamento da ‘cápsula do tempo’, em abril de 2008, em Linhares, Espírito Santo.
Arquivo pessoal
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O sentimento foi compartilhado pelo presidente da Seccional Regional Linhares do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (Serlihges), Reuber Nascimento, que lamentou a perda histórica que o desaparecimento do material representa.
“Foi dada muito pouca importância para aquilo que estava ali, especialmente aos documentos do Fórum das Águas, que foi um estudo muito grande. Dali saiu a Agenda 21, vários compromissos e relatos depositados na urna. Foi uma construção a muitas mãos”, falou o representante.
Parte da programação de aniversário da cidade
A cerimônia de abertura da cápsula do tempo fazia parte da programação de aniversário de 225 anos da cidade do Norte capixaba. Autoridades e moradores estavam reunidos para acompanhar o momento, que chegou a ser anunciado pela prefeitura e veículos de comunicação.
“Foram preservadas várias cartas escritas por estudantes e pela população em geral para o planejamento estratégico para os próximos 20 anos da cidade”, dizia o anúncio da prefeitura antes do desaparecimento ser descoberto.
Ao serem guardados, os documentos foram colocados na base de uma escultura, que possuía uma bola maciça de mármores e hastes na parte superior.
Procura pela ‘cápsula do tempo’, em Linhares, Espírito Santo.
Reprodução
No momento da abertura da estrutura, primeiramente, foi quebrada a base onde o material deveria estar. Na sequência, com o espaço vazio, houve a tentativa de se quebrar a parte superior, que não é oca. Então, foi feita a constatação de que os documentos estavam perdidos.
O atual prefeito Lucas Scaramussa foi um dos que tentou quebrar o bloco maciço de mármore para tentar encontrar a cápsula, mas sem sucesso.
O que a cápsula guardava?
Em 2005, foi feito um Plano Estratégico de Linhares para o período de 2005-2025, pela prefeitura, entes públicos e sociedade civil organizada. Nele, se estabeleceu diretrizes para o desenvolvimento do município, com foco no turismo e na economia local, buscando aproveitar os potenciais e promovendo o crescimento sustentável.
A criação deste documento foi o ponto de partida para a ideia de se criar a cápsula. Em seguida, durante cerca de três anos, foi feito um diagnóstico para o 4° Fórum das Águas do Rio Doce, um dos principais rios do Espírito Santo. O planejamento resultou no livro Agenda 21.
Até que, em 2008, com o fim do Fórum das Águas do Rio Doce e em comemoração das obras de despoluição das lagoas do Meio e do Aviso, os documentos publicados foram colocados na base de um monumento com 2,3 metros de altura, em granito, madeira e inox.
Registro da ‘cápsula do tempo’ no Jornal A Gazeta, em 1° de abril de 2008. Espírito Santo.
Arquivo/A Gazeta
A cápsula recebeu:
Cartas de alunos da rede municipal com desejos para o futuro da cidade;
Plano estratégico 2055-2025 da cidade de Linhares;
Assinaturas dos participantes do 4° Fórum pelas Água do Rio Doce;
DVDs, fotos e dados levantados durante quase três anos do fórum;
Mapas, documentos de arqueologia e rotas do município,
Levantamentos agrícolas do município;
Além de recortes de jornais e exemplares com a data do dia.
Tristeza e responsabilização pelo desaparecimento
Enquanto não se encontram os documentos, a comunidade local imagina alguns pontos importantes para cidade que poderiam ser discutidos em 2025.
“Certamente, alguns objetivos foram alcançados, chegou-se onde se pretendia, eu diria que Linhares caminhou bem nesses últimos anos. Mas outros objetivos não. E aconteceram coisas que até então não era possível imaginar, como a situação do Rio Doce [se referindo à Tragédia de Mariana, em 2015]. É bem curioso porque todo o esforço que foi feito em cima do Rio Doce foi por água abaixo. Com certeza, ninguém imaginou isso nas questões do Meio Ambiente”, avaliou Guasti.
Reuber Nascimento espera que os documentos sejam encontrados e que os responsáveis pelo que houve sejam responsabilizados.
“A nossa indignação e tristeza é devido à pouca importância dada a esse conteúdo. A gente vive o dia a dia e não registra muita coisa em cima de parâmetros da história. Seria o momento de a gente conferir o que foi feito, o que não foi, o que teve melhoria, comparar a realidade da época e os marcos mais significativos em diversas áreas”, falou o representante da Serlihges.
“Vamos aguardar, porque realmente, até agora, não foi localizado. A prefeitura vai escavar em outro ponto para ver se se encontra esse material. Isso cabe até medidas para que alguém seja responsabilizado. Meses de trabalho, meses de fórum, de pesquisa, para jogar fora e ficar por isso mesmo”, lamentou.
Estrutura onde os documentos da ‘cápsula do tempo’, de Linhares, no Norte do Espírito Santo, deveriam ter sido encontrados.
Prefeitura de Linhares
O que diz a prefeitura
O g1 perguntou à Prefeitura de Linhares quais os principais pontos saíram do papel e quais iniciativas não foram realizadas, mas não houve retorno. Também foi solicitada uma entrevista sobre o desaparecimento dos documentos, mas o município se manifestou através de nota.
Confira a nota na íntegra da Prefeitura de Linhares:
“A Prefeitura de Linhares informa que um momento histórico tão importante para o Município precisou ser adiado porque os objetos depositados na Cápsula do Tempo não foram encontrados.
Vale destacar que o monumento em alusão à Cidade das Águas, onde a Cápsula foi erguida e as cartas, jornais da época e outros objetos foram depositados, foi retirado de seu local original para a construção de uma Praça de Skate pela administração anterior e instalada num novo local, na Linha Verde.
Essa mudança pode ter sido um dos motivos para o não encontro da mesma e por este motivo, a Prefeitura faz contato com as empresas responsáveis pelos projetos construídos no local, na época, para apurar mais informações.
O município está muito empenhado em encontrar os objetos e fará uma força-tarefa com as equipes das secretarias de Obras e de Meio Ambiente, para a localização dos mesmos.
Uma nova data será marcada e divulgada para que a comunidade acompanhe a atuação das equipes da prefeitura no rastreamento de toda a área e estrutura.
No dia da abertura, o momento contou com as presenças do prefeito Lucas Scaramussa, do vice-prefeito Franco Fiorot, de atores que vivenciaram o momento em 2005 como o ex-vereador José Roberto Guasti, o ativista ambiental Antônio Ruy Júnior, conhecido como Prefeitinho, Reuber Nascimento, presidente da Serlihges – Seccional Regional Linhares do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Edval Sant’Anna que era secretário municipal na época da construção da Agenda Linhares 2005-2025 e de Adilson Gonçalves que também atuou junto ao projeto.
Também estiveram presentes estudantes que na época participaram do projeto, além de lideranças comunitárias. Todos ficaram no local até por volta das 19 horas na tentativa de localizar a Cápsula.
A prefeitura mais uma vez lamenta que um momento tão importante da sua história e do seu planejamento estratégico tenham sido adiados e reforça seu compromisso na localização da cápsula”.
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