Proteína extra? Brasileiro não precisa, aponta estudo

Proteína
Imagem: Freepik/Reprodução

Os brasileiros consomem mais proteínas do que o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, ao mesmo tempo, 78,6% dos residentes de capitais do País não alcançaram a recomendação para o consumo de frutas, legumes e verduras, em 2023, segundo informações do artigo ‘O mito do déficit proteico’, publicado na Revista de Saúde Pública em fevereiro deste ano.

A OMS considera que 0,8g de proteína por quilo de peso corporal são suficientes para suprir as necessidades fisiológicas. O valor equivale a cerca de um bife de 185g para um adulto de 70kg. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), citada no artigo, dentre os 20% mais pobres da população brasileira, apenas 3% tiveram uma ingestão abaixo desse nível.

Os pesquisadores argumentam que há uma armadilha em focar apenas em um nutriente – como vem acontecendo com a proteína, alçada à estrela da vez –, e não no conjunto do padrão alimentar. Para eles, o maior desafio da alimentação contemporânea está justamente em ampliar a diversidade das refeições. E isso passa por reduzir a participação de produtos de origem animal e ultraprocessados no dia a dia e, ao mesmo tempo, fortalecer a presença de frutas, verduras e legumes in natura.

De acordo com a nutricionista Nadine Marques, uma das autoras do artigo e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), o corpo humano depende de uma variedade de nutrientes para a manter energia, a mobilidade e o bom funcionamento de órgãos e sistemas.

A proteína é apenas um deles. Ela faz parte do grupo dos macronutrientes, que são aqueles que a gente precisa em maior quantidade. Carboidratos e gorduras também estão nesse grupo.

Nadine Marques, autora do artigo e doutora em Saúde Pública

“Também existem os micronutrientes, de que precisamos em menor quantidade. São, de modo geral, as vitaminas e os minerais. Além disso, hoje temos os compostos bioativos, que não são classificados nem como macro nem como micronutrientes, mas que têm uma série de funções importantes no nosso organismo”, adiciona Nadine, que também é pesquisadora na Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis.

Se o corpo não tiver toda essa gama de substâncias suprida de forma adequada, pode não funcionar plenamente. Por isso, é necessário um equilíbrio. “É um grande quebra-cabeça. Se a gente fornecer muito de uma só peça, e as outras ficam faltando, a imagem final não vai ser alcançada”, diz. “Ou seja, a condição de saúde e bem-estar vai estar prejudicada em maior ou menor escala, a depender do que falta, de quanto falta e há quanto tempo falta”, exemplifica a pesquisadora, adiciona.

Na prática, quando um nutriente é consumido em excesso, é comum que outros — igualmente essenciais para o bom funcionamento do organismo — acabem sendo deixados de lado.

Na visão da nutricionista Erika Carvalho, presidente do Conselho Federal de Nutrição (CFN), a recente badalação em torno especificamente da proteína tem a ver com o discurso de muitos influenciadores digitais. Muitos deles promovem dietas e suplementos que prometem emagrecimento e ganho de massa muscular.

“Essas pessoas, muitas vezes, não têm formação em nutrição. Não que elas sejam proibidas de falar sobre alimentação. Mas o que vemos são indivíduos em busca de engajamento, trazendo o que chamam de ‘dietas da moda’. Eles fazem com que as pessoas busquem resultados a curto prazo e expõem o público a alguma carência ou sobrecarga nutricional”, descreve a especialista.

Proteínas e ultraprocessados

Erika também percebe que o aumento no consumo do nutriente está atrelado ao consumo de ultraprocessados. Isso, de acordo com ela, acontece por conta do marketing da indústria, com embalagens atraentes e com informações que fazem parecer que o produto é nutritivo.

“Com a obsessão pelo ganho de massa muscular ou por sua preservação durante o envelhecimento, muita gente acaba sendo influenciada a consumir determinados produtos apenas porque a embalagem destaca ‘20g de proteína’. Isso é preocupante porque a pessoa estará consumindo um ultraprocessado”, ressalta Erika.

Segundo a pesquisa de que Nadine participou, cerca de 65% da população adulta dos Estados Unidos leva em conta o teor de proteínas ao comprar alimentos e bebidas. O estudo argumenta que isso faz parte de um esforço consciente para aumentar o consumo do nutriente, seguindo a lógica de ‘quanto mais, melhor’.

“A criação de todo o imaginário em torno das proteínas vem desde a década de 1970, muito associada a produtos industrializados como solução. Naquela época, começou com o leite em pó e, em seguida, outros suplementos. Hoje, há o whey protein muito presente e a proteína sendo adicionada aos mais variados produtos industrializados. E sempre com uma forte alegação positiva, que traz a percepção de que, se um alimento tem proteína ou mais proteína, ele necessariamente é positivo para a saúde. Em geral, esses produtos são ultraprocessados”, frisa Nadine.

Diante do cenário, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) realizou um levantamento, publicado no começo de agosto, com 52 ultraprocessados com alegações proteicas (informações ou mensagens colocadas em rótulos e embalagens).

“É interessante entender, principalmente, como essas alegações são colocadas em uma categoria de produtos que deveria ser evitada pela população”, destaca Mariana Ribeiro, nutricionista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.

De acordo com o levantamento, entre os 52 produtos analisados, 65 tipos de alegações foram identificadas. A maior parte é referente à quantidade de proteínas (44 delas). “Algumas alegações não são claras. Por exemplo, tinha um rótulo que citava que o produto tinha x% de proteína, mas como isso foi calculado? Não fica claro no rótulo e nós não temos nenhum critério que diga como se calcula uma porcentagem de proteína”, pontua a nutricionista.

O levantamento ainda mostrou que alguns alimentos, antes classificados como minimamente processados ou processados, passaram a ser ultraprocessados para atender à tendência de aumento no teor proteico.

A entidade entende que a estratégia pode levar o consumidor a acreditar que está fazendo uma escolha mais saudável. “Antes (essa estratégia) estava muito associada a ‘diet’, ‘light’, ‘sem açúcar’, ou à imagem de elementos que remetiam a algo saudável. Mas, hoje, a gente vê que o simples fato de destacar a quantidade de proteína pode ter o mesmo efeito das alegações que a gente via anteriormente”, cita Mariana.

Vale ressaltar que o grupo dos ultraprocessados é composto por alimentos e bebidas que foram submetidos a métodos mais agressivos de alteração do produto in natura, além da adição de substâncias de uso industrial, como aromatizantes, corantes, conservantes, emulsificantes e outros aditivos. Em geral, eles têm excesso de sódio, açúcar e/ou gordura, uma trinca de ingredientes considerada crítica para a saúde, já que o excesso aumenta o risco de uma série de doenças.

O consumo exagerado pode gerar problemas?

Apesar dos efeitos positivos para o organismo, como a construção e o reparo de tecidos, o consumo exagerado de proteínas pode gerar efeitos negativos. “As proteínas são quebradas em aminoácidos que têm funções específicas no nosso organismo, mas, em excesso, podem desequilibrar outras funções”, explica Nadine.

A gente pode destacar as funções renal e hepática, além do balanço de cálcio no organismo, que favorece a formação de cálculos. Também existe relação entre o consumo excessivo de proteínas e aumento do risco de doenças cardiovasculares que, por outro lado, têm fatores de proteção nas frutas, legumes e verduras.

Nadine Marques, autora do artigo e doutora em Saúde Pública

Segundo a pesquisadora, o limite máximo fica em torno de 35% das calorias diárias, o que dá mais ou menos 175g de proteína em uma dieta de 2.000 kcal ou 2,18g por quilo de peso em alguém com 80 quilos.

No entanto, um estudo recente identificou um aumento do risco cardiovascular associado à ingestão proteica já numa faixa superior a 22% do total de energia diária, o que equivale a 110g em uma dieta de 2.000 kcal. Entre a população brasileira, as proteínas representam 18% do valor energético total diário.

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