
Primeira Turma do STF começa na terça-feira (2/9) o julgamento do núcleo crucial da trama golpista
Cento e sessenta dias depois do recebimento da denúncia, a Primeira Turma do STF – Supremo Tribunal Federal vai começar na terça-feira (2) a julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados. Eles fazem parte do núcleo crucial da trama golpista. Pela primeira vez no Brasil, um ex-chefe de Estado vai ser julgado por tentativa de golpe de Estado..
Na linha do tempo traçada pela Procuradoria-Geral da República, as ações golpistas se radicalizaram em 2021 com um aumento dos ataques sem provas às urnas eletrônicas e a adoção do discurso de ruptura institucional. Seguiram em uma sequência de atos para impedir a posse do presidente eleito Lula e, posteriormente, tentar tirá-lo do poder depois que ele assumiu o mandato.
Na avaliação da PGR, o plano foi arquitetado e levado adiante por um grupo de oito réus do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado. O procurador-geral, Paulo Gonet, pediu à Primeira Turma do Supremo a condenação de todos: Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Nas alegações finais apresentadas ao Supremo, o procurador-geral da República listou manuscritos, gravações, troca de mensagens eletrônicas, planilhas e arquivos digitais apreendidos pela Polícia Federal. Esse material, segundo Paulo Gonet, torna ainda mais clara a responsabilidade de cada um na tentativa de golpe.
Entre os documentos, está o Punhal Verde e Amarelo. Segundo as investigações da PF, ele foi impresso dentro do Palácio do Planalto já nos dias finais do governo Bolsonaro e descreve o planejamento para assassinar o presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Outro documento citado pela PGR é intitulado “Operação 142” e foi apreendido na sala de um então assessor do general Braga Netto, dentro da sede do PL, em Brasília. Segundo Paulo Gonet, o documento interpretava de forma equivocada a Constituição para traçar ofensivas contra o Supremo – ações claramente voltadas à restrição do exercício das instituições democráticas, como:
anulação das eleições;
prorrogação dos mandatos;
substituição de todo TSE;
preparação de novas eleições.
JN mostra quais são as acusações e o que dizem as defesas do núcleo crucial da trama golpista
Jornal Nacional/ Reprodução
A acusação também cita um documento apreendido na sala de Jair Bolsonaro na sede do PL, em que previa declaração de Estado de Sítio e decretação de Operação de Garantia da Lei e da Ordem. Tratava-se do discurso a ser recitado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no momento da efetivação do golpe de Estado.
Um outro documento apresentado pela PGR foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Segundo a acusação, é uma versão da minuta do golpe, intitulada “Minuta de Decreto, de Estado de Defesa”. A denúncia afirma que a chamada minuta do golpe foi apresentada por Bolsonaro aos então comandantes do Exército e da Marinha em dezembro de 2022.
No depoimento ao STF, o ex-comandante do Exército Freire Gomes reafirmou o que tinha falado à Polícia Federal: que se colocou totalmente contrário ao conteúdo exposto. Também ao Supremo, o então comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, confirmou a existência da minuta do golpe.
A PGR enumerou ainda outras provas:
a delação de Mauro Cid;
a agenda encontrada na casa do general Heleno com teor golpista;
uso da Abin para vigiar pessoas consideradas opositoras do governo;
live de Bolsonaro com ataque às urnas;
discursos de 7 de setembro de 2021 com ameaças ao Judiciário;
reunião ministerial com orientações para desacreditar o processo eleitoral;
reunião de Bolsonaro com embaixadores atacando as urnas;
discursos de 7 de setembro de 2022 com novas ameaças à democracia;
bloqueio da PRF nas estradas direcionado aos eleitores de Lula no segundo turno das eleições.
A PGR também ressaltou que o núcleo crucial incentivou o acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília. Os manifestantes pediam intervenção militar e prisão de ministros do STF. Segundo a acusação, os atos dos réus culminaram nos ataques violentos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro, saídos desse acampamento, invadiram as sedes dos Três Poderes e depredaram os prédios e símbolos nacionais.
A Procuradoria pediu ao Supremo a condenação dos réus por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Ramagem não responderá agora pelos dois últimos crimes porque já havia sido diplomado para assumir o mandato de deputado federal antes de 8 de janeiro de 2023.
As defesas
Ao longo de todo o processo, todos os réus negam a participação nos crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República.
Ao longo do processo, os réus afirmaram repetidamente que não participaram de tentativa de golpe de Estado; que nunca atentaram contra a democracia; que não desrespeitaram o resultado das eleições; que nunca incentivaram os pedidos de intervenção militar nos acampamentos em frente aos quartéis; e que não tiveram participação direta ou indireta na invasão do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso no dia 8 de janeiro.
Os advogados do delator Mauro Cid disseram que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro só cumpria tarefas; que ele teve a coragem de fazer a delação que levou os investigadores à minuta do golpe e a outros documentos; e pediram a manutenção dos benefícios fechados no acordo.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro chamou a acusação de que ele é o líder, principal articulador e principal beneficiário da trama golpista de “tão absurda quanto alternativa”. A defesa do ex-presidente também chamou a atuação da Polícia Federal de parcial; disse que as críticas feitas pelo ex-presidente ao sistema eleitoral eram apenas manifestações de opiniões; negou pressão nos comandantes militares e disse que não há provas que liguem Bolsonaro ao 8 de janeiro ou aos supostos planos para assassinar autoridades.
A defesa de Braga Netto alega que há irregularidades nas provas apresentadas e que a acusação praticamente se resume à delação de Mauro Cid, que chamou de mentirosa. A defesa descartou também que Braga Netto tenha dado dinheiro para financiar ações golpistas ou que ele tenha participação no 8 de janeiro.
A defesa de Paulo Sérgio negou a acusação da PGR de que ele buscou apoio das Forças Armadas à tentativa de golpe. Segundo a defesa, o ex-ministro tentou, ao lado dos comandantes das Forças Armadas, demover o então presidente de cometer um ato radical e que o ex-ministro chegou a entregar ao presidente uma proposta de discurso de pronunciamento à nação reconhecendo o resultado das eleições.
Os advogados do ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, rebateram as acusações da PGR de que ele colocou as tropas à disposição de Bolsonaro para dar um golpe e alegaram haver contradição nos depoimentos dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica sobre o suposto apoio dele à ruptura institucional – o que, segundo os advogados, deve ser resolvido a favor do réu.
A defesa de Augusto Heleno disse que ele não agiu por uma ruptura institucional e negou que o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional soubesse da existência de um suposto plano de golpe; que as anotações na agenda dele eram mais lembretes. A defesa afirma ainda que, a partir do segundo ano de governo, Heleno acabou tendo uma influência reduzida na tomada de decisões.
A defesa de Anderson Torres afirmou que a denúncia não conseguiu comprovar que foi ele o autor da chamada minuta do golpe. Segundo os advogados, o documento apreendido na casa dele é diferente do apresentado por Bolsonaro aos então comandantes das Forças Armadas em dezembro de 2022. Os advogados negam que o então ministro da Justiça tenha disseminado informações falsas sobre o sistema eleitoral e afirmam não haver provas de que Anderson Torres tenha impedido a lisura das eleições presidenciais.
A defesa de Alexandre Ramagem negou a acusação da PGR de que ele tenha orientado Jair Bolsonaro nos ataques ao sistema eleitoral; e que o ex-diretor-geral da Abin tenha usado o órgão indevidamente para perseguir pessoas consideradas adversárias políticas. A defesa afirma ainda:
“A narrativa apresentada na denúncia demonstra claramente uma radicalização de falas e atos a partir do ano de 2022, momento em que Alexandre Ramagem não mais integrava o governo Bolsonaro”.
LEIA TAMBÉM
‘Tentativa de golpe esquisita e bárbara’, ‘temor de fuga’: o julgamento de Bolsonaro na imprensa internacional
Trama golpista: veja como será o rito do julgamento de Bolsonaro e outros sete aliados na 1ª Turma
A trama do golpe: um julgamento inédito na história brasileira
Julgamento da trama golpista: maioria dos réus indica que deve acompanhar sessões no STF de forma remota