
O Partido dos Trabalhadores tem como tradição a realização de eleições internas para definir o comando e os rumos do partido. Com uma diversidade de correntes convivendo sob o mesmo guarda-chuva partidário, nem sempre é possível chegar a um consenso, mas é uma legenda que costuma “lavar a roupa suja em casa” e, mesmo que o pau quebre no debate interno, o partido costuma seguir unido depois.
Desta vez, porém, a disputa pelo comando do PT no Espírito Santo – que definirá os rumos do partido nos próximos quatro anos – parece ter passado do ponto. O que deveria ser um embate interno acabou transbordando os limites da legenda, com tensões que escaparam das instâncias partidárias e ganharam visibilidade pública.
No último sábado (19), o deputado estadual João Coser lançou sua candidatura à presidência estadual do PT. O Processo de Eleição Direta (PED 2025) – como é chamado o pleito para eleger o novo comando da legenda – está marcado para o dia 6 de julho.
Em seu comunicado, Coser anunciou que era uma “União pelo fortalecimento do PT no Espírito Santo”. E, de fato, ele não estava sozinho na foto.
Coser conta com o apoio das principais lideranças e mandatários do partido: da sua colega de plenário Iriny Lopes, do deputado federal Helder Salomão, do senador Fabiano Contarato, dos ex-deputados Roberto Carlos e Perly Cipriano e dos vereadores Karla Coser (Vitória, filha do deputado), Açucena (Cariacica), Rafael Primo (Vila Velha) e Daniel Caldas (Aracruz).
Eles representam cinco correntes internas: a Alternativa Socialista (família Coser), a Articulação de Esquerda (Iriny), a Democracia Socialista (Açucena), a Resistência Socialista (Helder, Roberto Carlos e Rafael) e a Depar (Perly). Contarato não faz parte de nenhuma corrente.
Porém, uma corrente ficou de fora: a Construindo um Novo Brasil (CNB), que é a da atual presidente do partido, Jackeline Rocha, e do secretário estadual de Esporte, José Carlos Nunes – o representante do PT no governo do Estado.
O lançamento de Coser veio em resposta e logo após a candidatura à reeleição de Jackeline. No início do mês, um texto assinado por ela rodou os grupos de conversas dos petistas. Nele, a deputada afirma que teve o nome homologado pela CNB para continuar à frente do partido no Estado.
“Recebo com imensa gratidão e humildade a homologação do meu nome como candidata à reeleição à presidência do Partido dos Trabalhadores no Espírito Santo. É com o coração cheio de esperança, mas também com os pés fincados na realidade e no compromisso ético com nossa história, que agradeço à coordenação da corrente Construindo um Novo Brasil e a cada militante que confia no trabalho que temos construído coletivamente até aqui”, diz Jack, no início do texto.
Depois, de forma destacada, em negrito, Jack diz que não veio para repetir o passado. Ela não citou nomes, mas a leitura é de que tenha se referido a Coser, que já presidiu o partido entre 2014 e 2018.
Sei que nenhuma palavra basta para traduzir a responsabilidade que carrego. Nossa jornada até aqui teve conquistas, mas também cicatrizes que não escondo: erros que me ensinaram, silêncios que me inquietaram e vozes que precisei aprender a ouvir com mais atenção. Reafirmo, com a clareza de quem sabe o peso da luta: não vim para repetir o passado, mas para construir futuros possíveis, lado a lado com vocês”, diz o texto.
Acordo rejeitado
Antes dos dois lançamentos, Jack e Coser teriam conversado. O deputado teria tentado demover Jack da ideia de concorrer. Mas, foi em vão.
Jack e Coser são aliados desde 2014. Ela o apoiou, há 11 anos, contra Givaldo Vieira e ele a apoiou em 2018 contra Helder – nessa última disputa, os dois, juntos, venceram por uma diferença de dois votos.
“O modelo do partido é de ter alternância de poder a cada quatro anos. Ela ficou quatro anos, eu a apoiei, a Nacional prorrogou seu mandato por mais dois anos, então são seis. Fiz a proposta dela agora devolver a presidência, disse que não era correto alguém ficar 10 anos à frente do comando do partido, não tem precedente em nossa história. Mas ela não topou”, disse Coser à coluna De Olho no Poder.
Segundo ele, logo após a conversa, Jack teria feito uma reunião com a CNB e deliberado pelo lançamento à reeleição. Foi aí que Coser resolveu reunir as demais correntes do PT para uma alternativa à presidência de Jack e, com isso, deixar a agora ex-aliada, isolada.
“Hoje damos um passo importante na história do Partido dos Trabalhadores do Espírito Santo. Se num passado recente estivemos em campos diferentes é necessário, neste momento, unir forças e caminhar juntos porque acreditamos que é hora de sonhar, de buscar uma alternativa para o partido e de reacender a esperança na militância do PT-ES”, disse Coser no comunicado que enviou à imprensa.

Acordo aceito
Coser fez um combinado com Iriny. Vencendo a disputa, ele ficará no comando por dois anos (2025-2026) e depois passará a presidência para a deputada, que comandará no biênio 2027-2028. Assim será também em oito municípios – Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana, Guarapari, Cachoeiro e São Mateus.
Os dois vão dividir o comando e a composição dos diretórios e das executivas. Coser é pré-candidato a deputado federal no ano que vem e, à frente do partido, caberá a ele tomar as decisões sobre alianças e candidaturas nas eleições gerais do ano que vem.
Além da alternância de poder, Coser cita outros motivos para brigar pelo comando da legenda:
Sou a favor que se tenha mudança para que o partido volte a ter vida própria. Há um problema no modelo de gestão que está gerando uma paralisia muito grande no partido. Precisamos fortalecer os diretórios, porque eles existem, mas não estão funcionando. Estamos no quarto mês do ano e a Executiva não se reuniu ainda. No ano passado, que foi ano de eleição, tivemos só duas reuniões. Eu sei que a presidenta tem o mandato de deputada federal, mas ela não está conseguindo conciliar com a presidência e não delega nada a ninguém”, justificou Coser.
O ex-prefeito não coloca nas costas de Jack toda a culpa pelo desempenho ruim do PT nas eleições do ano passado – o partido não conseguiu eleger nenhum prefeito no Estado, inclusive Coser, que disputou a Prefeitura de Vitória nem foi para o segundo turno –, mas diz que a sigla precisa voltar a ter “energia”.
“Precisamos de algo novo, não estou falando de pessoa, mas de método, de se aproximar das bases, fazer reuniões presenciais e virtuais. Perdemos muita energia e precisamos recuperar”.
Vai ter disputa!
E, se depender de Coser, vai ter disputa de chapas no dia 6 de julho – data marcada para a eleição interna do PT nos três campos: municipal, estadual e nacional.
O deputado disse que não irá procurar a presidente estadual para tentar compor a chapa e chegar a um consenso. Segundo ele, o grupo de Jack teria proposto um acordo, mas que não foi aceito.
“Eles nos sugeriram um acordo, mas que consistia da Jack continuar na presidência, aí não tem como. Eu entreguei para ela a presidência em 2018 e ela não retornou pra gente. A prorrogação do mandato foi uma decisão da Nacional, mas ela poderia colocar para debate, mas não colocou. Então, não tem como a gente procurar mais”.
A deputada federal Jack Rocha foi procurada pela coluna para comentar sobre a disputa, mas não retornou até o fechamento desta edição.
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