Venezuela realiza consulta popular das comunas como ‘esquenta’ de eleições regionais

A Venezuela realizou neste domingo (27) a sua quinta consulta popular das comunas, que vai escolher projetos para 5.338 comunas do país que receberão US$ 10 mil (R$ 56 mil) para a execução a curto prazo. A votação também teve caráter especial, já que foi realizada menos de um mês antes das eleições regionais do país, que vão escolher governadores, deputados e vereadores.

Para o governo, são duas frentes importantes nesse jogo. Primeiro a continuidade de uma política que se iniciou no ano passado e que tem como meta a transferência de poder para a população. A ideia é aumentar a autonomia das comunas tanto na gestão tanto do território quanto dos recursos envolvidos.

O segundo ponto é que a consulta acaba mobilizando as pessoas em torno de projetos que têm um impacto direto na vida dos venezuelanos em uma espécie de termômetro para medir as políticas públicas nas comunas. Criadas a partir da Lei Orgânica de Comunas, promulgada em 2010 pelo então presidente Hugo Chávez, as comunas são experiências de uma nova forma de organização social baseada na autogestão e com diálogo permanente com o Estado

Depois de 4 edições da consulta, o resultado foi melhor do que o esperado. O Conselho Nacional Eleitoral registrou uma participação mais expressiva de eleitores se comparado à última votação. A Comuna Altos de Lídice foi um exemplo disso. O sol forte e as ladeiras íngremes do bairro não impediram uma votação recorde no colégio Arturo Michelena, que fica em um dos pontos mais elevados da comuna.

Para Mayra Melendez, porta-voz da comuna Altos de Lídice, a expressiva participação é resultado dos últimos trabalhos feitos pelo governo venezuelano. Ao longo de um ano, a população viu os resultados e os projetos serem executados, o que aumentou a confiança dos comuneros nessa política.

“Esse é um processo desenvolvido a cada três meses e a população se dá conta de que há uma resposta para as demandas. Então todo mundo está vendo a credibilidade de que os projetos são executados. Ao menos nessa consulta, há mais participação que a última. Vemos esse impacto porque estamos desenvolvendo projetos que nunca foram executados”, afirmou ao Brasil de Fato.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, celebrou a realização da consulta e a participação dos comuneros neste processo. De acordo com o mandatário, esse modelo não é só uma transferência de poder, mas também fortalece a democracia no país.

“Estamos construindo uma democracia para todos, nova, direta e verdadeira para todos. Esta é a grande obra que devemos construir daqui para frente; este é o caminho. “É um processo perfeito, transparente, sem burocratas, sem reitores, sem mãos corruptas. Estamos acabando com a burocracia”, afirmou ao final do dia.

Contradição e impactos eleitorais

A organização das comunas envolve também uma contradição. A estrutura de autogestão foi criada pelo ex-presidente Hugo Chávez, mas, por estar ligada a uma organização territorial, muitos dos comuneros são opositores, de direita, mas participam de um sistema de democracia participativa em cada bairro.

Apesar dessa complexidade, a votação cada vez mais expressiva também é forma de construir o socialismo, tanto por chavistas como por opositores a partir das discussões em assembleias de cada projeto que votado. Kiravici Torres é da controladoria do conselho comunal Coromoto de Deus e afirma que a experiência de 5 consultas orienta para uma inclusão cada vez maior dos comuneros.

“Não são só chavistas, é a comuna em si. A comuna inclui todo mundo, porque cada conselho comunal tem integrantes das famílias, que podem ser chavistas, da oposição ou de qualquer partido. O fato é que todos estão favorecidos, que é justamente o que se está pedindo: inclusão. E essa inclusão se reflete na comuna. É justamente o que está pedindo o presidente, que o povo se organize para levantar os projetos”, disse ao Brasil de Fato.

Para as eleições regionais, o impacto está também no potencial de mobilização do chavismo para os projetos. O governo de Nicolás Maduro é o responsável por essa política de transferência de poder e assume os resultados das consultas populares para si.

A participação deste domingo reflete a força do chavismo em um momento chave para os venezuelanos. Faltando pouco menos de um mês para as eleições, o governo consegue colocar gente na rua em torno de uma política pública que tem sido uma das principais da gestão Maduro 3.

Gregori Vargas é porta-voz da comuna 8 Raízes e acompanhou as últimas consultas. Na sua comuna, a evolução da participação foi nítida. Primeiro foram pouco mais de 800 eleitores. Na segunda e na terceira esse valor caiu para 600 e depois para 546. Agora, a participação foi de 1002 eleitores. Segundo ele, isso é resultado da expressão do trabalho do governo nas comunas.

“Primeiro nos damos conta do nosso potencial de mobilização para essas consultas. Isso gera uma dinâmica porque as pessoas se motivam. Já as eleições na Venezuela se transformaram em uma festa, algo cotidiano, algo que acontece periodicamente e que já estamos acostumados a exercer nosso direito a ser protagonista das decisões que são tomadas”, afirmou ao Brasil de Fato.

Desde que foram institucionalizadas em 2010, as comunas ganharam um peso cada vez maior na Venezuela em termos políticos. Com a crise de 2017 promovida pelas sanções dos Estados Unidos contra o mercado petroleiro venezuelano, as comunas se tornaram base de sustentação do governo não só porque ajudaram na produção de produtos de necessidade básica, mas também porque passaram a ser um espaço de formação política chavista.

Ramon Sarmiento é porta voz e fundador da Comuna 8 Raízes. De acordo com ele, as comunas são o maior movimento popular do país e se consolidaram como um espaço de construção do socialismo real na Venezuela.

“As comunas são a base ideológica, política e, inclusive, social. Onde nós podemos interagir diretamente com nossos vizinhos, já que o presidente está entregando o empoderamento total a essa base, às comunidades, às pessoas. E está acreditando no que as pessoas fazem”, disse ao Brasil de Fato.

Para ele, a expressiva participação deste domingo mostra que as comunas são hoje o maior movimento popular da Venezuela. Isso levará a um impacto direto nas eleições do país.

“O maior movimento popular da Venezuela são as comunas. As massas estão nas comunas. Temos uma equipe que é o partido, o Gran Polo Patriótico, o PSUV que abraça tudo. Mas neste caso estamos falando de 5.335 comunas que fazem uma mobilização não só de porta-vozes, mas também de movimentos sociais, das mulheres, dos idosos… Se movem inclusive os jovens de mais de 15 anos, o que mostra a força e a influência que as comunas têm”, afirmou.

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