O governo da Venezuela denunciou nesta segunda-feira (28) os Estados Unidos pelo que chamou de “sequestro” de Maikelys Antonella Espinoza Bernal, uma criança de de dois anos de idade que foi separada dos pais. Segundo Caracas, os pais da criança são cidadãos venezuelanos, viviam nos EUA e foram deportados no plano de expulsões massivas de Donald Trump, acusados de fazer parte do grupo criminoso Trem de Aragua.
Em nota, o governo da Venezuela afirmou que o pai da criança foi enviado ao presídio de segurança máxima Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), de El Salvador. O país recebeu 252 deportados venezuelanos que estavam nos EUA, também acusados de fazer parte do grupo. O Departamento de Segurança Nacional (DHS) estadunidense confirmou a decisão e disse que a medida de prender os pais foi tomada para “proteger” a criança.
Em publicação no site, o DHS disse que a menina está sob “cuidados e custódia do Escritório de Realocação de Refugiados e atualmente está com uma família de acolhimento”.
O governo venezuelano pede o envio “imediato” da criança de volta à Venezuela para que se cumpra o Estado de Direito e a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Caracas afirma também que vai recorrer a todos os mecanismos legais, políticos, diplomáticos e de organismos multilaterais para trazer de volta a jovem.
“Eles reincidem no gravíssimo expediente de separar famílias e de retirar um menor de idade de seu entorno afetivo e especialmente de sua mãe biológica. Enviaram o pai sem qualquer julgamento ou ação judicial, para o campo de concentração que Nayib Bukele ergueu em El Salvador, em uma representação moderna dos trens da morte que levavam judeus para os campos de extermínio nazistas na Europa Oriental durante a Segunda Guerra Mundial”, diz o texto.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, também pediu o envio imediato da criança. Em seu programa semanal, Con Maduro+, ele disse que é preciso que um juiz nos EUA denuncie de maneira legal essa situação. O mandatário também cobrou uma atuação do tribunal Penal Internacional para a volta da jovem.
“Tirar uma criança dos braços de sua mãe simplesmente por ser migrante, além de acusá-la de integrar uma quadrilha criminosa sem provas, é um crime perante qualquer lei internacional. Exigimos esclarecimentos sobre a situação e o retorno da menina. O governo dos Estados Unidos nos deu uma explicação que não era legal nem confiável, contra a qual protestamos mais uma vez”, disse.
A mãe da criança é Yorely Bernal Inciarte. O DHS afirma que ela era responsável por supervisionar “o recrutamento de mulheres jovens para o narcotráfico e a prostituição”. O órgão, no entanto, não apresenta provas e afirma apenas que ela era “acusada” de integrar o Trem de Aragua.
Segundo o governo estadunidense, o pai, Maiker Espinoza Escalona, é acusado de ser “tenente” do grupo e de ser responsável por “homicídios, tráfico de drogas, sequestros, extorsão, tráfico sexual”, além de uma “casa de tortura”.
Deportações em massa
A política anti-imigratória foi anunciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ainda durante a campanha eleitoral. Ele anunciou que expulsaria todos os migrantes que vivem nos Estados Unidos de maneira irregular.
Para as deportações dos venezuelanos que estão em El Salvador, Trump usou a Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798. A legislação estabelece que qualquer pessoa que esteja nos Estados Unidos e seja considerada de uma organização terrorista está sujeita a ser deportada como “inimigo estrangeiro”. Esses cidadãos, no entanto, precisam ter mais de 14 anos e não podem ser naturalizados ou residentes permanentes dos EUA.
A Casa Branca afirma que eles pertenciam ao Trem de Aragua. O governo estadunidense, no entanto, não apresentou nenhuma prova para isso. Maduro também questionou o direito de defesa desses venezuelanos. Além de não serem submetidos a um julgamento, o mandatário afirmou que eles não puderam recorrer a nenhum órgão de direitos humanos.
Na última semana, o governo salvadorenho propôs a troca de 252 venezuelanos que estão presos no Cecot por 252 presos no país sul-americano. O governo da Venezuela rejeitou a proposta e disse que a ideia é “totalmente ilegitima, ilegal e abusiva”.
Justiça proíbe deportações
Donald Trump afirmou que integrantes do Trem de Aragua invadiram o país e estavam “conduzindo guerras irregulares e tomando ações hostis” com o objetivo de desestabilizar os Estados Unidos. Segundo o republicano, o grupo expandiu as operações para os EUA depois da imigração massiva de venezuelanos nos últimos anos.
A Suprema Corte dos EUA, no entanto, suspendeu a determinação de Trump no último sábado (19), em resposta a um pedido de emergência feito pelo grupo União Estadunidense de Liberdades Civis (ACLU). A entidade processa o governo pelas deportações de venezuelanos, que são levados a uma prisão no Texas, antes de serem deportados.
A Casa Branca respondeu e afirmou que o governo concordou em não continuar com as deportações, mas pediu o fim dessa suspensão, já que o processo teria sido rápido demais.
“O governo concordou em não remover aqueles detidos sob a Lei de Inimigos Estrangeiros que buscam alegações de habeas corpus. Este tribunal deve dissolver sua atual suspensão administrativa e permitir que os tribunais inferiores abordem as questões jurídicas e factuais relevantes em primeira instância, incluindo o desenvolvimento de um registro factual adequado”, escreveu nas redes sociais o procurador-geral dos EUA, John Sauer, advogado de apelação do governo Trump.
A decisão da Justiça foi tomada no mesmo dia que um tribunal federal impediu que o governo republicano continue com o fim do Status de Proteção Temporária, o TPS, para mais de 350 mil venezuelanos que vivem de maneira irregular no país. Logo após assumir o mandato, Trump derrubou o TPS para venezuelanos. A medida garantia que os migrantes poderiam morar e trabalhar no país até outubro de 2026 e a decisão do republicano pode atingir mais de 600 mil pessoas.
Idas e voltas
Caracas voltou a receber em março os deportados venezuelanos dos Estados Unidos. A medida foi firmada em reunião com o enviado especial estadunidense, Richard Grenell.
A decisão vem na esteira de um descompasso entre Caracas e Washington. Os dois governos anunciaram no começo de fevereiro um acordo para as deportações. Grenell viajou à Venezuela e foi recebido pelo presidente Nicolás Maduro. O governo venezuelano concordou não só em receber os voos, mas também em buscar os migrantes com um avião da companhia estatal Conviasa. O enviado estadunidense chegou a afirmar que o governo de Trump não quer uma “mudança de regime” para a Venezuela.
Em março, no entanto, a Casa Branca anunciou que não renovaria a licença que permitia que a petroleira estadunidense Chevron atuasse na Venezuela. Em resposta, o governo venezuelano disse que não receberia mais os deportados. Depois dessa troca de declarações, os dois governos chegam agora a um acordo para retomar a deportação de venezuelanos.